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O QUE VALE MAIS, A VONTADE POPULAR OU O QUE ESTÁ ESCRITO EM UMA FOLHA DE PAPEL?

Título:
O QUE VALE MAIS, A VONTADE POPULAR OU O QUE ESTÁ ESCRITO EM UMA FOLHA DE PAPEL?

Resumo:

A vontade do povo é soberana e é a origem de todo o direito. Para a realização dessa vontade, que é a ordem maior e expressar nossos anseios, elegemos constituintes com a finalidade de concentrar em um único documento os valores supremos de nossa sociedade: a liberdade, a justiça, a igualdade, o pluralismo político, entre outros. Porém, nem sempre uma constituição expressa os anseios sociais. Para garantir o exato cumprimento desses anseios, há um guardião, o STF. Todavia, esta Corte Suprema às vezes parece esquecer a supremacia da vontade popular e acaba cometendo equívocos em seus julgamentos.

Classificação da área abordada: Direito Constitucional

Elaborado por: Fernando Roberto Campos Vieira dos Santos (aluno de graduação da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Sumário:

1. Introdução
2. Distinção entre os conceitos de inconstitucionalidade e de ilegitimidade de uma norma constitucional
3. É nula a norma constitucional que infringe valores essenciais da sociedade
4. A inconstitucionalidade de uma norma constitucional pode se expressar de várias maneiras no direito material escrito
5. Formas de inconstitucionalidade no direito material não escrito
6. O poder constituinte originário não é ilimitado nem incondicionado
7. O STF já se manifestou em questão sobre legitimidade de norma constitucional
8. Um ministro reconheceu a soberania popular, mas não a considerou em seu julgado
9. A constituição deve expressar os anseios da sociedade
Bibliografia

1. Introdução

A constituição do Estado é a lei suprema de um país que, por meio de um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, regula a forma de governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, a estrutura do estado e os direitos e garantias fundamentais do homem.

Esse conceito de constituição, embora corrente, não está completo porque não está conectado à realidade social, que envolve um conjunto de valores. Na tentativa de conceber as constituições, surgem três correntes principais na doutrina: uma afirma o sentido sociológico, outra o político e, por último, o puramente jurídico.

O sentido sociológico é defendido por Ferdinand Lassale, que considera a constituição como a soma dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade. Ou seja, seus aspectos econômicos, políticos, morais, religiosos que, em conjunto, possuem força para determinar o conteúdo das instituições jurídicas e das leis. Segundo Lassale, “De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do Poder”. A constituição escrita seria, portanto, um mero livro onde estão dispostos os valores e os anseios do povo.

Carl Schimitt, por sua vez, analisa a constituição em seu sentido político. Para este autor, a constituição é uma decisão política fundamental cujo conteúdo apresenta a estrutura, os órgãos do Estado e os direitos individuais do cidadão. Schimitt faz uma distinção entre constituição e leis constitucionais. Este autor considera constituição somente os dispositivos expressos no texto constitucional que tratam da decisão política fundamental; as demais seriam apenas leis constitucionais.

A terceira corrente doutrinária, liderada por Hans Kelsen, entende a constituição em seu sentido jurídico. Para este autor a constituição é uma norma pura, puro dever-ser, sem qualquer tendência à fundamentação sociológica, política ou filosófica. Kelsen dá ao termo constituição o sentido lógico-jurídico e o sentido jurídico-positivo.

A constituição em seu sentido lógico-jurídico seria uma norma fundamental hipotética, sobre a qual estão assentadas todas as demais normas, servindo de base lógica para a validade da constituição jurídico-positiva, que é o fundamento de validade das demais. Na concepção de Kelsen, a constituição estaria no topo do ordenamento jurídico do Estado como norma positiva suprema.

Esses conceitos continuam incompletos, pois deixam de observar a conexão das normas constitucionais com a vida coletiva. De acordo com José Afonso da Silva em seu livro Direito Constitucional Positivo, para que a constituição tenha um sentido jurídico completo deverá ser analisada em confronto com a vida social. Para este autor a base da comunidade está fundamentada em condutas humanas valoradas historicamente. Os elementos constitucionais do grupo social formado nessas condutas é que forneceriam as bases da constituição.

Segundo este autor, uma definição mais completa seria dizer então que “A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores. Isso não impede que o estudioso dê preferência a dada perspectiva. Pode estudá-la sob o ângulo predominantemente formal, ou do lado do conteúdo, ou dos valores assegurados, ou da interferência do poder”.

Como vemos, ao analisar uma constituição devemos observar não apenas o que está escrito, mas também os valores que levaram à sua realização. Só então, a lei maior do país poderá ser considerada justa, igualitária e condizente com os anseios de toda a população.

2. Distinção entre os conceitos de inconstitucionalidade e de ilegitimidade de uma norma constitucional

Para uma maior precisão terminológica é necessário verificar a distinção entre os conceitos de inconstitucionalidade e de ilegitimidade. A doutrina conceitua inconstitucionalidade como a contradição entre uma norma de cunho material ou formal e uma norma constitucional.

Marcelo Neves, no livro Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, afirma que “A definição de lei inconstitucional deve denotar não só a incompatibilidade resultante de contradição ou contrariedade entre conteúdos normativos (legal e constitucional), mas também a proveniente da desconformidade entre procedimento de produção normativa (legislativa) e conteúdo normativo (constitucional)”.

Por outro lado, a ilegitimidade apresenta maior alcance por ser superior à ordem jurídica. Tendo em vista que as disposições constitucionais devem estar em conformidade com os valores essenciais da sociedade, se não forem legítimas serão eliminadas do ordenamento jurídico. Apesar da diferença terminológica, a doutrina passou a chamar as normas constitucionais ilegítimas de normas constitucionais inconstitucionais. Este conceito ficou conhecido após a 2ª. Guerra Mundial.

3. É nula a norma constitucional que infringe valores essenciais da sociedade

Todas as normas constitucionais originárias estão lastreadas pela legitimidade ou, como afirmam os doutrinadores, pelo principio da presunção absoluta de constitucionalidade. No entanto, no direito comparado, principalmente, após a 2ª Guerra Mundial, vem-se difundindo na doutrina a idéia de normas constitucionais inconstitucionais, como ficaram conhecidas na Alemanha com o professor Otto Bachof, em torno de 1950. Este autor defendeu a tese de que normas constitucionais provenientes do poder constituinte originário também poderiam ser consideradas inconstitucionais, por não serem legítimas.

Em 24 de abril de 1950, o VerfGH da Baviera proferindo decisão acerca do art.184 de sua Constituição, determinou: “A nulidade inclusivamente de uma disposição constitucional não está a priori e por definição excluída pelo fato de tal disposição, ela própria, ser parte integrante da constituição, que obrigam o próprio legislador constitucional e que, por infração deles, outras disposições da Constituição sem a mesma dignidade podem ser nulas (…) Se o art.184 da Constituição tivesse o sentido de colocar o legislador, no tocante às medidas a tomar por este relativamente aos grupos de pessoas aí designados, duradouramente fora da Constituição e do direito, seria nulo, por infração da própria idéia do direito, do princípio do Estado do Direito, do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais que são expressão imediata da personalidade humana”.

A partir deste entendimento, Otto Bachof criou a tese na qual “se afasta um conceito de constituição puramente formal. Ao incluir o próprio direito suprapositivo na constituição como padrão de controle”, defende a existência de normas constitucionais inconstitucionais referentes à violação do direito constitucional escrito e as relativas ao direito constitucional não escrito.

Há princípios constitucionais tão elementares e expressão tão evidente de um direito anterior à constituição que impedem o legislador constitucional de infringi-los, sob pena de nulidade.

4. A inconstitucionalidade de uma norma constitucional pode se expressar de várias maneiras no direito material escrito

A inconstitucionalidade de norma constitucional proveniente do poder constituinte originário que decorrer da violação de direito constitucional escrito, pode ocorrer de várias maneiras: 1) pela inconstitucionalidade de normas constitucionais ilegais; 2) pela inconstitucionalidade de normas constitucionais em virtude de contradição com normas constitucionais de grau superior; 3) pela inconstitucionalidade resultante da mudança de natureza de normas constitucionais e, por fim, 4) pela inconstitucionalidade por infração de direito supra-legal positivado na lei constitucional.

O primeiro tipo dessas normas ilegítimas pode incidir sobre a legalidade de todo o texto constitucional ou apenas de parte dele. Podemos ver esta situação quando o poder constituinte originário aprova determinado texto, porém, publica outro.

O segundo tipo de inconstitucionalidade, o qual advém da contradição com normas constitucionais de grau superior, surge quando há a contradição entre uma norma constitucional de caráter material e uma de caráter formal, de acordo com o entendimento de Kruger. Esta forma de inconstitucionalidade apresenta uma divisão na doutrina. Otto Bachof, por exemplo, afirma a autonomia do poder constituinte originário e autoriza exceções quanto aos princípios gerais.

Para entendermos este tipo de inconstitucionalidade, que advém da contradição com normas de grau superior é necessário compreender o que são normas de caráter material e o que são normas de caráter formal. As normas constitucionais de caráter material ou constitucional, conforme classificação de Carl Schimitt, são aquelas cujo conteúdo possui as regras estruturais da sociedade, de seus alicerces fundamentais. Ou seja, a estrutura do Estado, a organização de suas instituições e órgãos, a previsão de direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Por outro lado, as normas constitucionais de caráter formal, também chamadas de leis constitucionais por Carl Schimitt, são aquelas cujo aspecto relevante é o modo como foram introduzidas no ordenamento jurídico. Assim, para uma norma jurídica ter caráter formal, basta que tenha sido introduzida no ordenamento jurídico por um poder constituinte, seja originário ou derivado, através de um processo legislativo mais complexo, mais diferenciado e mais solene do que o processo legislativo de formação das demais normas. Kruger justifica a hierarquia das normas de caráter material uma vez que estas apresentam aspectos estruturais e limitadores do Estado.

O terceiro tipo de inconstitucionalidade do direito constitucional escrito tem origem na mudança da natureza das normas constitucionais. A inconstitucionalidade da norma aparece quando há transformação de uma norma constitucional transitória em aparente, o que ocorre após o prazo previsto em lei.

Por último, encontramos inconstitucionalidade em decorrência de infração de direito suprapositivo expresso no texto constitucional. Desta forma, uma norma que infrinja esse direito suprapositivo será contrária aos valores da sociedade e ao direito constitucional.

5. Formas de inconstitucionalidade no direito material não escrito

Como mencionado inicialmente, há também a inconstitucionalidade referente à violação de normas de direito constitucional material não escrito. A inconstitucionalidade ocorreria por infração de princípio constitutivo de uma constituição não escrita. Para detectar este tipo de inconstitucionalidade, abstrai-se um princípio, ainda que não positivado no direito e que não poderia ser alterado pelo poder constituinte derivado, para servir como um limitador implícito de norma material.

As normas de direito material não escrito também podem ser inconstitucionais por infração a direito supra-legal, não positivado. Nesta situação, o direito supra-legal está presente em toda a ordem jurídica que reivindique legitimamente este nome e, portanto, à norma constitucional que queira ser vinculada. Observa-se que, mesmo que a norma seja formalmente constitucional, ao infringir certo direito não poderá reivindicar nenhuma obrigatoriedade jurídica. Isto porque, mesmo sem saber em que medida, o direito suprapositivo foi transformado em direito constitucional escrito.

Apesar da discussão doutrinária acerca dos dois tipos de inconstitucionalidade de normas constitucionais, somente aquela pertinente à infração de direito supra-legal não positivado é que recebe destaque na doutrina. Considerando, portanto, como inconstitucionais as normas constitucionais referentes ao direito constitucional positivo que não se fundem nos valores supremos do homem, ou seja, na liberdade, na justiça, na igualdade e no pluralismo político.

Sobre este tema, o professor Otto Bachof defende que a validade de uma norma constitucional está atrelada à sua legitimidade, em seus aspectos de positividade e de obrigatoriedade. A obrigatoriedade se adquire no momento em que a norma respeita valores comuns e morais do povo, buscando o respeito e a justiça para todos.

Para este autor, uma constituição legítima é aquela cujas normas não ultrapassam os limites pré-existentes do direito suprapositivo, respeitando o consenso social. Este consenso compreende o respeito e a proteção da vida, a dignidade humana, a proibição da degradação do homem, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e a igualdade entre as pessoas. Portanto, toda norma presente na constituição que ultrapasse os limites do direito suprapositivo, faltaria o consenso social indispensável a toda norma materialmente constitucional.

Observa-se, portanto, dois aspectos relevantes quanto às normas constitucionais. O primeiro aspecto considera que o direito suprapositivo deve ser inerente à ordem jurídica para ser legítima. O segundo aspecto refere-se à necessidade de uma constituição reconhecer a existência plena do direito suprapositivo em seu texto.

6. O poder constituinte originário não é ilimitado nem incondicionado

O poder constituinte originário, portanto, ao contrário do que grande parte da doutrina classifica como ilimitado e incondicionado é, na verdade, um poder limitado cujo limite encontra-se nos valores comuns presentes na sociedade, como a liberdade, a igualdade e o direito à vida. Uma constituição elaborada por um poder constituinte originário que não esteja baseada no consenso da sociedade não será legítima.

Neste sentido, Emmanuel Sieyès, expressando seu pensamento político-jurídico, escreveu um artigo poucos meses antes de iniciar a Revolução Francesa intitulado “O que é o Terceiro Estado” (Qu’est ce que c’est le Tiers État”” no qual criticava os privilégios existentes em favor da nobreza e do clero. Nos últimos capítulos deste manifesto desenvolveu seu pensamento jurídico defendendo que, ao elaborar uma lei, o legislador deveria antes de tudo respeitar os anseios e os valores do povo que é a ordem maior.

Segundo Sieyès, “a nação existe antes de tudo, que é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal. Antes dela e acima dela só existe o direito natural”. “Estas leis são chamadas de fundamentais não no sentido de que possam ser feitas independentemente da vontade nacional, mas sim porque os corpos que existem e atuam por elas não podem tocá-las”. Seguindo esta linha de pensamento, diz Celso Bastos: “De qualquer maneira que uma nação queira, basta que queira; todas as formas são boas, e sua vontade é sempre a lei suprema”.

7. O STF já se manifestou em questão sobre legitimidade de norma constitucional

Contrariando as posturas históricas, que não reconhecem como legítima a constituição quando não há correspondência entre os valores e as aspirações do povo e o que está escrito na Carta, o STF se posicionou na ADI 815-3. A desigualdade e a desproporcionalidade dada ao voto no Brasil, que fere princípios constitucionais, foram as causas que levaram um governador do Rio Grande do Sul a dar início a esta ação. Neste processo, questionam-se a constitucionalidade do artigo 45, parágrafos 1º. e 2º. da Constituição de 1988 e a violação dos princípios da igualdade, da igualdade do voto, do exercício do poder, da cidadania, da democracia e do regime federativo.

Fundamenta seu pedido em razão da desproporção existente no país, tanto sob o aspecto econômico, quanto o demográfico, uma vez que as regiões Norte e Nordeste participam com 22,6% do PIB, detêm 42,3% da população e compõem 54,3% do Congresso Nacional. Enquanto isso, as regiões Sul e Sudeste, responsáveis por 77,4% do PIB, possuem 57,7% da população do país e participam com 45% do Poder Legislativo Federal.

Estes descompassos na representatividade das diferentes regiões do país no governo federal ocorrem também na comissão mista de Planos, na de orçamentos Públicos, na de fiscalização do congresso Nacional e na comissão Mista que avalia desequilíbrios regionais. Observa-se, portanto, que a constituição é injusta e discriminatória entre as regiões do país ferindo o princípio da isonomia, pois trata desigualmente pessoas iguais ao permitir, por exemplo, que um voto no Acre tenha um valor maior do que em São Paulo.

A Egrégia Corte julgou improcedente o pedido sob o argumento de que tem como função precípua a guarda da Constituição com o fim de impedir que uma norma infraconstitucional, que afronte normas constitucionais, permaneça em vigor. Afirmou ainda que, julgar se o constituinte originário desrespeitou direito supra-legal seria despropositado. Entendeu a Egrégia Corte que, neste caso, estaria apoderando-se de uma função que compete tão somente ao constituinte originário. Agindo assim, concluiu, o STF estaria elaborando uma nova constituição, função exclusiva do poder constituinte originário.

8. Um ministro reconheceu a soberania popular, mas não a considerou em seu julgado

Esta situação correu no julgamento da ADI 595-ES (Inf. 258/STF). O ministro do STF Celso de Mello afirmou que, antes de se verificar a constitucionalidade de uma lei, deve-se primeiro determinar a idéia de constituição, definindo suas premissas jurídicas, políticas e ideológicas. Surge daí uma posição restritiva e uma outra ampliativa de análise. Na primeira, o parâmetro seriam as normas e os princípios expressos na constituição escrita; na segunda, seriam as normas formalmente constitucionais, os princípios não escritos e os valores suprapositivos.

Dentro deste aspecto ampliativo, diz o ministro Celso de Mello (inf. 258/STF) deve-se considerar “não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado” (…) “o Supremo Tribunal Federal, certa vez, e para além de uma perspectiva meramente reducionista, veio a proclamar – distanciando-se, então, das exigências inerentes ao positivismo jurídico – que a constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há de ser entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 e 77/657)”.

Juliano Tavares Bernades, em seu livro Controle abstrato de constitucionalidade: elementos materiais e princípios processuais, afirma que, embora o voto proferido na referida ADI pelo Ministro Celso de Mello demonstre sua inclinação reducionista, não indica ser contra qualquer interpretação ampliativa da constituição. Como vemos, o STF parece esquecer a vontade primeira do que está escrito na Carta, parece esquecer que o constituinte foi eleito para expressar esta vontade, mas que nem sempre isto ocorre. Assim, o STF, além de ser o guardião máximo do que está positivado, deveria ter igualmente a incumbência de proteger os princípios não escritos, os valores do povo, que é soberano.

9. A constituição deve expressar os anseios da sociedade

Entendemos, como vimos, que o STF decidiu de forma equivocada na sentença proferida na ADI 815-3. Para ser justa a Egrégia Corte poderia ter avançado um pouco mais. Ou seja, além de ser o guardião supremo da carta constitucional o STF deveria ser também o guardião da ordem de valores da sociedade e não apenas do que está escrito na Carta. Afinal a constituição é, como mencionamos, o reflexo de valores morais, dos costumes e do consenso de um povo.

O fato de ser escrita significa apenas que a constituição é um conjunto de regras sistematizadas e organizadas em um único documento, que estabelece as normas fundamentais do Estado, não deixando de ser a expressão dos valores da sociedade. Nossa Suprema Corte, ao defender a constituição defende, portanto, os valores morais e os costumes do povo. Por isso, a alegação de que não poderia julgar a legitimidade de um texto é equivocada.

A afirmação de que estaria criando uma nova constituição também não é correta. O STF pode agir como legislador negativo, ou seja, determinando que certa norma deixe de ser aplicada, como faz em inúmeros julgamentos. O que o STF não pode é agir como legislador positivo, porque a alteração de um texto pode causar a criação de uma nova norma. Aí sim, o STF estaria usurpando uma função típica do poder que representa os valores da sociedade, o Poder Legislativo.

A constituição de um Estado somente será legítima quando houver correspondência entre os valores e as aspirações de seu povo e o que está escrito na Carta Magna. Isto porque a constituição não é apenas a positivação do poder, ela é também a positivação dos valores da sociedade. Por esta razão, para obter uma ordem jurídica legítima que reflita esses valores, a norma elaborada pelos representantes do poder constituinte originário deve ter como objetivo principal os valores morais, os costumes, o consenso do povo que é, de fato, o titular desse poder. Como vimos, por uma questão de justiça, o STF, ao julgar a ADI 815-3, poderia ter avançado um pouco mais, fazendo o seu julgamento de forma mais condizente com os anseios da população.

Bibliografia

ADI 595-ES (Inf. 258/STF)
http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info258.asp
ADI 815-3
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BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais?, Trad. e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
BERNADES, Juliano Tavares. Controle abstrato de constitucionalidade: elementos materiais e princípios processuais, São Paulo, Editora Saraiva, 2004
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Editora Saraiva, 20º ed. 1999
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https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm
LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição?, São Paulo, Editora Minelli, 2º ed., 2006
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo, Editora Método, 10º ed., 2006
NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das leis, São Paulo, Editora Saraiva, 1988.
SIEYÈS, Emamanuel. Que es el Tercer Estado?, ed. Madrid, Aguilar, 1973 (nota de rodapé de Curso de Direito Constitucional de Celso Ribeiro Bastos, São Paulo, Editora Saraiva, 20º ed., 1999, pág. 23)
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