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CIRCO DO CASO ROCHTOFEN

No dia de amanhã, 2ª feira, 04.06, estará sendo iniciado o júri do caso ROCHTO-FEN, quando Suzane Rochtofen e mais os irmão Cravinhos, serão julgados e pe-las mortes dos pais de Suzane, família de classe média alta paulistana. Não have-rá um só julgamento, haverá desdobramento. Os irmãos serão julgados em sepa-rado.

Não fosse a cobertura jornalística ao caso e o circo formado em torno dele, seria mais um fato lastimável dentre centenas de outros tantos que afligem famílias. Não é um caso comum porque revela uma das mais desastradas coberturas do jornalismo criminal brasileiro. O importante é moer e sair sangue, da mesma for-ma que em Roma se lançava os cristãos aos leões.

Não me cabe dizer se a acusada é a responsável ou não pelas mortes, seja como mentora intelectual, em co-autoria e nem sobre o modus operandi. No aspecto jurídico-processual-penal, o julgamento deverá ser um massacre contra a defesa pelo clima criado, ou seja, no julgamento dela o Tribunal do Júri atenderá apenas os reclamos da imprensa nacional, condená-la.

Nos processos criminais, não se julga o crime, porém, a pessoa acusada de co-metê-lo. Até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a presunção é de inocência, art. 5º, LVII, da Constituição Federal, e ao acusado é garantido o devido processo legal, inciso LIV, com razoável duração do processo, inciso LVXXVIII, ampla defesa e os recursos a ela inerentes, inciso LV. É bom lembrar que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fun-damentais, inciso XLI. Mesmo condenada, nada impede que Suzane pleiteie in-denização por danos morais contra as emissoras de televisão, bem como seus advogados originários poderão pleitear. Receberão somas consideráveis.

O circo do caso ROCHTOFEN teve início quando a TV Record produziu um Pro-grama especial apresentado por Paulo Henrique Amorim, lastimavelmente, um grande apresentador de notícias que passou a apresentar programas inferiores aos noticiosos televisivos. Não é mais o de Conversa Afiada da TV Cultura. De-pois disso, o caso vem sendo repetido sistematicamente, dia após dias, calando os mensalões, sanguessugas das ambulâncias, desvios administrativos e etc… A sorte está lançada. Haverá um massacre. Declarada culpada, o juiz do caso deve-rá determinar expedição imediata de mandado de prisão, com recolhimento a ins-tituto prisional. Em seguida, entrevistas serão dadas. Os promotores os heróis. Eles mesmos, embora acusadores, teriam a obrigação de pedir respeito pelos a-cusados. É o mínimo que se exige.

As câmaras da TV flagraram, segundo Amorim, Suzane desfilando folgadamente na praia, como se todo acusado em processo penal tivesse que permanecer pre-so ou sob regime de reclusão permanente. Fora da prisão, é um acinte, um des-respeito. O Poder Judiciário deveria trancafiá-la, e se possível, se o direito pátrio admitisse, ela deveria ser colocada em prisão perpétua, ou condenada a morte, sem julgamento.

Após a TV Record, foi a TV Globo. O circo tomou mais fôlego. A entrevista foi exi-bida no programa dominical Fantástico, onde se flagrou o advogado de defesa instruindo-a para encenação. Pregou-se que a OAB deveria punir disciplinarmente o profissional, enquanto nenhuma punição foi sustentada contra quem invadiu a privacidade da defesa e das pessoas. Felizmente a OAB paulistana agiu diferen-temente da OAB-RJ. No Rio, o advogado Fadel que teve sua conversa gravada pela rede de televisão mediante uso de microfone sofisticado, quando em audiên-cia, chegou a ser afastado do quadro da entidade. Uma vergonha.

A imprensa não deve fazer o que sempre vem acontecendo. Investigar, proces-sar, punir e executar a pena. Quem tem o nome exibido em rede nacional sob a acusação do cometimento de crime, não tem mais a oportunidade de resgatar seu nome ou sua honra, sua dignidade, privacidade e respeito. Para a imprensa, não há princípio da presunção da inocência e nem o direito a ampla defesa. O ex-Ministro Alcenir Guerra e família que digam.

Suzane vai ser condenada. Pronto. Mesmo se no processo viesse a ser esclare-cido que ela não houvesse praticado o crime ou ajudado a ser praticado, mesmo assim, o Tribunal do Júri irá condená-la.

O nosso sistema constitucional-processual-penal consagrou o princípio da ino-cência, o direito do acusado de se manter em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que reunidos os requisitos estabelecidos em lei, o devido processo legal, a ampla defesa e a razoabilidade no prazo de conclusão do processo.

A Lei Fleury que veio para garantir a liberdade do famoso Delegado participante da Operação OBAN, no regime militar, acusado da prática de crime contra a pes-soa. Excluiu-se a prisão preventiva compulsória nos crimes dolosos contra a vida. A lei significou relevante avanço para a legislação processual-penal. Todo e qual-quer cidadão está passivo de vir a cometer um fato criminoso, e nem por isso de-verá ser colocado na prisão, de pronto, sem questionamento maior.

Desde que o cidadão acusado em processo penal, seja qual for à natureza do cri-me, se primário, de bons antecedentes, com domicílio certo e profissão definida, pobre ou rico, preto ou branco, amarelo, pardo ou mestiço, deverá responder o processo em liberdade, nos limites impostos pelo processo penal, mesmo porque a custódia cautelar, a prisão preventiva, é medida de exceção, somente decretada quando de imperiosa necessidade, em razão do que dispõe o inciso LXVI, art. 5º, da CF. Enquanto em liberdade, a pessoa tem o direito o direito de viver, andar, fa-lar, freqüentar lugares públicos ou não, ir à praia, sair para juntar, reunir-se com amigos, cursar escolas, sem que com isso signifique desrespeito ao judiciário ou a sociedade.

O que a imprensa não pode exigir é o que vem exigindo, a prisão da acusada, mesmo porque, a própria imprensa já a sentenciou ao regime de reclusão, ao lan-çá-la a turba enfurecida que nas portas de delegacias e Fóruns gritam assassina.

É importante lembrar que A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Esta-do Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa hu-mana, art. 1º., III.

Quanto ao advogado, deve ser obesrvado o seguinte: Como ninguém poderá ser processado sem defensor e lhe é assegurado o direito a ampla defesa, no exercí-cio da defesa penal, ele terá que usar dos meios previstos em lei para a absolvi-ção do réu. Se isso não for possível, terá que buscar a minoração da pena, e se a minoração também não puder ser obtida, terá que diligenciar para assegurar ao acusado o devido processo penal.

Fernando Montalvão, Paulo Afonso, 03 de maio de 2006.
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