seu conteúdo no nosso portal

Nossas redes sociais

Apreensão e destinação do produto de crime ambiental.

A conversão de florestas nativas em carvão para sustentar as siderúrgicas instaladas em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e em outras unidades da federação é inegável. Apenas em Corumbá-MS, no coração do Pantanal, uma siderúrgica está em construção, e deve consumir dezoito mil toneladas ao mês de carvão vegetal, certamente produzido a partir de árvores provenientes de florestas nativas, inclusive do Paraguai e da Bolívia, haja vista que as florestas cultivadas são insuficientes para sustentar o apetite dos fornos
flamejantes.

Durante décadas, florestas foram derrubadas sem maiores preocupações com os danos dessa atividade. O madeireiro entra na mata e derruba o que encontra pela frente. Depois, arrasta as toras de seu interesse, prepara o forno para o carvão vegetal e o resto vira uma grande queimada.

O impacto ambiental das queimadas tem provocado preocupação e polêmica em âmbito nacional, pois é sabido que traz a eliminação de árvores jovens, perda de nutrientes e ressecamento do solo, erosão e assoreamento de rios; enfim, destruição da cobertura vegetal. O Mato Grosso do Sul possui uma das maiores áreas de cerrado, local de nascente das águas que nutrem a maior área úmida do mundo. Ocorre, porém, que esse ecossistema já perdeu aproximadamente 80% de sua cobertura vegetal original.

Tudo nos leva a uma conclusão: é preciso conter a produção, transporte e uso do carvão vegetal oriundo de florestas nativas. Precisamos tomar medidas legais, de cunho prático e imediato, pois apenas a proibição não é suficiente para influir na consciência do criminoso ambiental. Estamos verificando que os grandes consumidores não estão atentos para a responsabilidade sócio-ambiental de seus empreendimentos.

Diante do problema ambiental, a autoridade policial, nas unidades especializadas ou não, deve adotar ações de prevenção, investigação e repressão, nas infrações penais lesivas ao meio ambiente. As cópias dos Autos de Infração que recebe para instruir o procedimento de polícia judiciária, com freqüência têm relação com madeira ou carvão vegetal de origem ilícita.

Verificamos que após a abordagem do motorista nas ações de prevenção ou repressão, lavrado o auto, apreendida a carga de madeira ou de carvão vegetal, esta vai depositada para o próprio motorista do caminhão ou proprietário da carga, na condição de fiel depositário. Impõe-se tal medida por absoluta falta de depósito público para o produto apreendido, que inclusive exige grande espaço físico e local adequado, haja vista que é combustível.

Outro ponto importante é que grande parte dos motoristas que atua no transporte de tais produtos vegetais, reside em outra unidade da federação, sendo certo que a carga também é destinada para fora.

Sustentam alguns que a autoridade policial deve apreender os objetos que tiverem relação com o fato criminoso, na forma do artigo 6º, inciso II, do Código de Processo Penal, e que os objetos apreendidos não podem ser restituídos enquanto interessarem ao processo, conforme preceito contido no artigo 118 do mesmo diploma legal. Convém frisar, a Lei de Crimes Ambientais (Lei Nº 9.605/98) já regula a apreensão dos produtos e dos instrumentos do crime ambiental bem como a sua destinação.

Considerando que o tipo penal violado é o previsto pelo artigo 46 da Lei Nº. 9.605/98, receber, adquirir, transportar, etc., após a instrução do Termo Circunstanciado de Ocorrência-TCO, este é encaminhado ao Juizado Especial Criminal ou à Vara Criminal competente, onde é feita a transação, suspensão do processo ou a condenação do criminoso ambiental. Ocorre que, nesse momento processual, até onde sabemos, não é feita a apresentação do produto do crime, que deveria estar com o fiel depositário.

Visto sob este ângulo, não havendo o perdimento da res (carvão ou madeira),
estamos estimulando novas e reiteradas práticas lesivas ao meio ambiente, haja vista que o fiel depositário já entregou a carga no seu destino e percebeu o pagamento pelo serviço. Assim, o criminoso ambiental continua fazendo tantas outras viagens, o que torna lucrativo o crime ambiental. Precisamos de uma política para evitar um colapso no setor produtivo e atender ao crescente consumo deste produto, mas vamos evitar uma corrida pelo desmatamento, para que as matas nativas sejam preservadas.

É preceito contido no artigo 25 da Lei Nº. 9.605/98, que os produtos e instrumentos serão apreendidos, sendo certo que a madeira e o carvão, serão avaliados e doados a “instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes”. Por sua vez, o Decreto Nº. 3.179/99, em seu artigo 2º, § 6º, II, informa que produtos e subprodutos, aí incluindo a madeira, serão avaliados e doados a “instituições científicas, hospitalares, penais, militares, públicas e outras”.

Pelos motivos aduzidos, cientes da importância do tema, encaminhamos ao Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais de Mato Grosso do Sul, sugestão para o disciplinamento da guarda e destinação de produtos vegetais apreendidos em razão de crime ambiental, mas não houve repercussão positiva.

Conforme o artigo 225 da Constituição Federal, “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações“. Este é o espírito que deve orientar os trabalhos das polícias e do Poder Judiciário.

Exposta assim a questão, sugerimos algumas medidas: a) criar depósitos, em condições de administração, acomodação e conservação dos produtos, com o especial fim de receberem os caminhões e suas cargas de madeira e carvão vegetal, apreendidos durante as operações para repressão aos crimes ambientais; b) não permitir o depósito dos produtos florestais apreendidos, aos proprietários das cargas ou motoristas de caminhões; c) instituir conta judicial única para receber os valores da alienação dos
citados produtos florestais, que serão distribuídos, proporcionalmente, entre as instituições envolvidas no combate aos crimes ambientais; d) envolver na questão os Conselhos Municipais de Segurança Pública.

Com a nossa consciência ecológica, só nos resta o engajamento na luta pela preservação do meio ambiente e procurar disciplinar a questão, adotando as providências necessárias ao cumprimento da legislação ambiental.

Fernando Paciello Junior, delegado de polícia civil do Estado de Mato Grosso do Sul.