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A extinção de fideicomisso não incide ITCMD sobre os bens gravados

Os bens gravados pelo fideicomisso não estão sujeitos à incidência do ITCMD quando de sua extinção pela morte da pessoa instituidora da sua constituição.

De forma que, não pode o cartório imobiliário negar a expedição de registro para seu cancelamento e a inscrição em nome dos fiduciários.

A respeito do tema, veja a sentença da Justiça do Rio de Janeiro bem fundamentada e abaixo transcrita:

“Processo  0388199-05.2009.8.19.0001

S  E   N   T   E   N   Ç   A

Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária movido por Ana Cristina de Pontes Câmara Sili e Cláudia de Pontes Câmara Sili em que pretendem seja declarada a extinção do fideicomisso instituído em seu favor por seu avô Manoel Soto de Pontes Câmara.

Relataram que em seu testamento, seu avô instituiu fideicomisso e deixou os bens para seus filhos, os fiduciários, sendo que na morte destes os bens seriam repassados para os seus eventuais netos, os fideicomissários. Narraram que em 2009 seu tio Renato faleceu e não deixou filhos mas que deixou os bens que possuía para sua companheira. Ressaltam que tal disposição não pode atingir os bens gravados pelo fideicomisso, pois este seria de titularidade das Autoras. Diante disso requereram a extinção do fideicomisso e a expedição de mandado ao Registro de Imóveis para o cancelamento de tal inscrição e o registro em nome das Autoras. A petição inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 10/16.

Laudos de avaliação dos imóveis, às fls. 69/70, 73/74 e 83.

Cálculos do contador judicial, às fls. 92/93, que declara que as Autoras deveriam pagar R$ 46.449,60 à Fazenda Estadual a título de Imposto de Transmissão Causa Mortis.

Petição das Autoras juntada às fls. 94/98, na qual insurgem-se contra o pagamento do imposto.

Manifestação do contador judicial ratificando o cálculo do imposto, às fls. 101.

Manifestação do Procurador do Estado informando que, em que pese ser do entendimento da PGE a aplicação do imposto, a jurisprudência tem entendido contrariamente, às fls. 102.

Eis o relatório, passo a decidir.

A questão discutida nos presentes autos diz respeito à possibilidade de revogação de fideicomisso e à incidência do imposto de transmissão nessa extinção.

É fundamental destacar que no caso concreto não existe controvérsia quanto à existência do fideicomisso. Por outro lado, diante da narrativa dos fatos descritos, verifica-se que o ponto controvertido repousa em saber, se ocorreu a extinção do fideicomisso e se esta é fato gerador do ITCMD.

Fixada a controvérsia, passa-se à apreciação da matéria à luz das provas produzidas e da legislação aplicável.

O fideicomisso, conforme ensina o ilustre professor Sílvio Rodrigues, ocorre quando “o testador impõe a um herdeiro, ou legatário, chamado fiduciário, a obrigação de por sua morte, a certo tempo, ou sob certa condição, transmitir a outro, que se qualifica de fideicomissário, a herança ou legado” (Direito Civil, Direito das Sucessões, Vol 7, 23.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 277).

No caso em tela, o fideicomitente, visando manter seu patrimônio no seio familiar, deixou seus bens para seus filhos e instituiu a obrigação de que na morte de seus filhos os bens seriam repassados aos eventuais netos. Assim, pela análise dos autos, percebe-se que as Autoras comprovaram a existência do fideicomisso como disposição de última vontade de seu avô, com a juntada de seu testamento, às fls.23/27.

Deste modo, com a morte do fiduciário, os bens deverão ser repassados aos fideicomissários, não podendo o fiduciário dispor em testamento sobre tais bens para deixá-los como legado para sua ex-companheira. Assim, assiste-lhes razão quanto à extinção do fideicomisso.

Também assiste razão às autoras quanto à não incidência do ITCMD.

Isso porque no fideicomisso acontece uma transmissão concomitante e sucessiva em benefício de duas pessoas. Ou seja, inicialmente o bem transfere-se ao fiduciário que se se obriga a entregar o bem ao fideicomissário no momento de sua morte ou em um termo ou condição especificadas pelo fideicomitente.

Assim, o fiduciário recebe a herança ou legado sob condição resolutiva, uma vez que a titularidade daqueles será do fideicomissário. Trata-se, destarte, de uma única transmissão testamentária, sendo certo que o direito real do fiduciário e do fideicomissário ocorrem na instituição do fideicomisso e apenas nesse momento ocorrerá a incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão causa mortis e doação) pois o fato gerador ocorre no momento da transmissão dos bens e/ou direitos.

Deste modo, percebe-se que no fideicomisso o fato jurídico tributável é a transmissão causa mortis dos bens e esta só ocorrerá uma vez, não podendo o imposto incidir duas vezes sobre um mesmo fato. Na passagem do bem do fiduciário ao fideicomissário há mera substituição e não transferência do bem.

Nesse sentido ensina Washington  Monteiro  de  Barros, resaltando que “o fideicomissário  recebe  os bens fideicomitidos não  do  fiduciário,  mas  do  próprio  fideicomitente  (capit  a  gravante,  non  a gravato); …; rigorosamente  falando,  nenhuma  transmissão  existe  do fiduciário  para  o fideicomissário”  (Curso  de Direito  Civil,  Saraiva,  34.ª  ed.,  6.º Volume, pág. 207/208).

Ressalte-se que o imposto causa mortis será cobrado quando da transferência da herança para o fiduciário, ou seja, na abertura da sucessão. Na transferência do bem do fiduciário para o fideicomissário não se pode considerar um segundo fato gerador do imposto, sendo este cobrado apenas quando da abertura da sucessão e não quando da extinção do fideicomisso.

Nesse sentido consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“ TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXTINÇÃO DE FIDEICOMISSO. IMPOSTO SOBRE  TRANSMISSÃO E DOAÇÃO CAUSA MORTIS – ITD. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA  DE OPERAÇÃO  TRIBUTÁVEL.  IMPOSSIBILIDADE DE BITRIBUTAÇÃO. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO-PROVIDO.

  1. Cuida-se de recurso especial fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, manejado pelo Estado do Rio de Janeiro, contra acórdão que, ratificando a sentença, declarou inexigível o imposto de transmissão sobre a extinção de fideicomisso, sob o entendimento de que o único ato de transmissão se verificou na instituição do fideicomisso, operação já tributada, conforme entendimento jurisprudencial indicado. Em recurso especial, afirma o Estado do Rio de Janeiro que no fideicomisso existem duas transmissões, a do testador para o fiduciário e a do fiduciário para o fideicomissário, motivo porque deve incidir, também na segunda hipótese, o imposto sobre transmissão, tal como pleiteado. Nessa ótica, apontam-se violados os arts.  535 do CPC  e 1.733 do Código Civil de 1916.
  2. O reclamo, todavia, não merece amparo, porquanto o acórdão recorrido está em absoluta sintonia com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, que proclama inocorrer a incidência tributária pretendida pela Fazenda Pública, dado que na instituição do fideicomisso já se operou de forma regular a aplicação do imposto de transmissão.Impede-se, de tal maneira, a ilegal ocorrência de bitributação. Precedente: REsp 606.133/RJ, DJ 11/04/2005, de minha relatoria.

III. Não é devido o imposto de doação sobre extinção de fideicomisso, sob pena de ocorrência de bitributação, uma vez que, ao ser extinto o fideicomisso não há transmissão de propriedade.

  1. Inexistência de previsão legal para a imposição do tributo. Princípio da legalidade.
V. Recurso especial conhecido e não-provido.” Grifou – se ( REsp 1004707 / RJ,  Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105), PRIMEIRA TURMA, in DJe 23/06/2008)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A DOAÇÃO. FIDEICOMISSO. EXTENSÃO.

1. Não é devido o imposto de doação sobre extinção de fideicomisso, sob pena de ocorrência de bitributação.

2. Ao extinguir-se o fideicomisso não há transmissão de propriedade.

3. Ausência de previsão legal para a imposição do tributo. Princípio da legalidade.

4. Recurso improvido.” Grifou-se (REsp 606133 / RJ, Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105), PRIMEIRA TURMA, in DJ 11/04/2005 p. 183)

Por fim, deve-se considerar que não há fato gerador previsto em lei  para  a  imposição  tributária  no  fenômeno  fático discutido. A própria lei estadual reconhece a não incidência do imposto ao caso em tela ao prever no artigo 11, II, da Lei estadual n.º 1427/89 que o imposto é determinado com a instituição do fideicomisso e não com sua extinção.

Deste modo, vem entendento o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“ TRIBUTÁRIO. PRETENSÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DE FAZER INCIDIR IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS NA HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DE FIDEICOMISSO POR MORTE DO FIDUCIÁRIO E CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NAS MÃOS DO FIDEICOMISSÁRIO. REJEIÇÃO PELO R. JUÍZO A QUO. ACERTO DO DECISUM. Apresentado o recurso de apelação dentro do prazo legal, após a ciência da r. sentença pelo i. Procurador do Estado, não há falar-se em sua intempestividade. Preliminar que se afasta. No mérito, conclui-se que optou o Estado do Rio de Janeiro por fazer incidir o ITD no momento da instituição do fideicomissoÉ o que se infere do confronto entre os textos da redação anterior do CTE e da atual, dadas pelos DL 05175 e 413179. Assim, a legislação tributária vigente (Lei 1.427/89), que não comporta interpretação elástica, determina a exigibilidade do tributo no momento da instituição do gravame (art. 11, II), de modo que não se afigura legítima a pretensão de haver o mesmo valor quando – e se – da sucessão do bem do fiduciário pelo fideicomissário. Precedentes desta Câmara, deste Tribunal de Justiça, e recente julgado do e. Superior Tribunal de Justiça ao apreciar hipótese análoga em recurso oriundo do Estado do Rio de Janeiro (REsp 606.133/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, julgado em 08.03.2005). Recurso desprovido.” Grifou-se (0078635-51.2004.8.19.0001 (2006.001.18922) – APELACAO – JDS.DES.SIMONE GASTESI CHEVRAND – Julgamento: 11/07/2006 – DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL)

“CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DE FIDEICOMISSO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO. Inexiste transmissão entre o fiduciário e o fideicomissário. Assim, se já foi recolhido o imposto de transmissão quando da doação do fideicomitente, não há razão para se exigir o seu recolhimento quando da extinção do fideicomisso. Decisão que caminhou nessa direção, incensurável, improvimento ao recurso que pretendia revertê-la.” Grifou-se (0095768-09.2004.8.19.0001 (2006.001.06539) – APELACAO – DES. MURILO ANDRADE DE CARVALHO – Julgamento: 04/07/2006 – TERCEIRA CAMARA CIVEL)

“APELAÇÃO CÍVEL. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. FIDEICOMISSO. EXTINÇÃO. Inexiste transmissão entre o fiduciário (proprietário sob condição resolutiva) e o fideicomissário (proprietário sob a condição suspensiva). O direito real de ambos ocorre no momento da instituição do fideicomisso, quando o fideicomitente beneficia, sucessivamente, duas pessoas distintas (fiduciário e fideicomissário). Assim, se já foi recolhido imposto quando da doação ao fideicomitente, não há razão para se exigir o seu recolhimento na consolidação da propriedade na pessoa do fideicomissário.” Grifou-se (0059408-12.2003.8.19.0001 (2005.001.02610) – APELACAO – RECURSO IMPROVIDO. DES. JOSE C. FIGUEIREDO – Julgamento: 15/06/2005 – DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL)

Isto posto, julgo procedente o pedidonos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil para declarar extinto o fideicomisso relativos aos imóveis narrados na inicial, às fls. 07.

Oficie-se ao cartório de Registro de Imóveis competente para que realize a baixa do gravame e o registro dos bens no nome das Autoras, tendo por base esta decisão, ressaltando-se que o pagamento dos emolumentos será efetuado pelas Autoras.

As despesas processuais, conforme preceitua o art. 24 do CPC, devem ser rateadas entre as requerentes.

Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se.

Rio de Janeiro, 17 de maio de 2012.

GILBERTO CLÓVIS FARIAS MATOS

Juiz de Direito”

#fideicomisso #testamento #herdeiros #morte #segurado #fiduciário #direito #ITCMD

Foto: divulgação da Web

 

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