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Governo libera bancada para votar legalização de bingos

Líder governista na Câmara libera bancada para votar como quiser. Posição contraria ministérios. Justiça diz que proposta favorece crime organizado. Fazenda alerta que não há como fiscalizar.

O governo vai liberar sua bancada no Congresso para votar como bem entender o projeto de lei que legaliza a exploração de bingos e caça-níqueis em todo o país. A posição, anunciada há pouco pelo líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), ignora as manifestações contrárias à proposta feitas por representantes dos ministérios da Fazenda e da Justiça durante debate realizado esta manhã na Casa.
“Esse tema tem sido extremamente debatido no país. No governo tem várias posições diferenciadas, de diversos ministérios. O governo não interferirá nem favoravelmente nem contrariamente. A bancada está totalmente liberada. Esse será um debate da Câmara e do Senado”, afirmou Vaccarezza. A Câmara promove desde as 11h uma comissão geral – debate em plenário aberto à sociedade – que discute o Projeto de Lei 2254/04, cuja votação está prevista para amanhã (31).
Lavagem de dinheiro
O secretário do Ministério da Justiça Romeu Tuma Júnior criticou veementemente a possibilidade de legalização dos jogos. Segundo o secretário de Justiça, a exploração de bingos e caça-níqueis abre caminho para outras condutas ilícitas, como sonegação fiscal, tráfico de drogas e armas, e cria um ambiente propício para a lavagem de dinheiro.
“A CPI dos Bingos identificou que, mesmo funcionando legalmente, os estabelecimentos estavam envolvidos para distribuição irregular de receitas, uso de laranjas e trocas societárias para fins ilícitos, empresas off-shore e caixa-dois”, declarou.
Tuma Júnior disse ainda que a proposta cria empecilhos à fiscalização da atividade pelo Estado. “O PL torna, na prática, inviável a fiscalização. Faltam meios adequados”, afirmou. “Ainda que criasse um órgão regulador, o impacto administrativo desse controle faria com que a atividade viesse a ser desenvolvida sem fiscalização eficaz. Uma verdadeira janela para o crime organizado”, acrescentou.
A posição do secretário foi imediatamente criticada pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos defensores da aprovação do PL dos Bingos. “Pela sua fala, o Estado brasileiro perdeu o controle. Por favor, estude melhor o projeto e vamos discuti-lo”, retrucou Perondi.
Dificuldade de fiscalizar
Em sua exposição, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues, considerou que o projeto traz riscos à sociedade.
“O projeto menciona o Coaf e a Receita Federal que, na verdade, não têm a função de supervisionar. O perigo também reside na própria empresa ser objeto de lavagem de dinheiro. Os bancos constituem enorme risco de lavagem de dinheiro. Mas, no caso dos bancos, temos o BC, com capacidade para supervisionar bem. O que sentimos falta nesse projeto é de uma entidade capaz de fiscalizar. Quando pensamos em loteria, sempre lembramos da Caixa Econômica Federal. Imaginar que um ministério vá fazer essa função é irreal”, criticou.
Concorrência
A Caixa Econômica Federal também manifestou contrariedade com o projeto. Representante da entidade na comissão geral, o consultor técnico Max Mauran Pantoja da Costa disse que o governo vai perder arrecadação com a concorrência provocada pela exploração dos jogos pela iniciativa privada.
“Nossa preocupação é que se destrua um modelo saudável, com capacidade de faturar R$ 10 bilhões este ano e crescimento de 30%, para um decréscimo de 30% ao ano. O dinheiro sai do mesmo bolso. Vai deixar de apostar num jogo explorado pelo Estado para apostar num jogo explorado pela iniciativa privada”, afirmou.
Segundo Pantoja, o volume de arrecadação da Caixa com recursos das diversas modalidades de loteria saltou de R$ 1 bilhão, em 2001, para R$ 10 bilhões, conforme projeções para 2010. O consultor da Caixa afirmou que a arrecadação gerada pelos 400 bingos que funcionavam legalmente no país até 2004 nunca chegou a R$ 300 milhões. “A proposta quebra esse modelo, de exploração estatal, que vem desde década de 40, e passa para o modelo de arrecadação privada, cuja experiência demonstrou problemas muito complexos para serem acompanhados”, ressaltou. 
Falta de garantia
A secretária-adjunta do Ministério da Fazenda, Priscila Maria Santana, apontou problemas pontuais no projeto em discussão na Câmara: falta de aparato para fiscalização, baixa exigência de capital para abertura dos estabelecimentos e de garantia. “A secretaria da Receita Federal não teria condições de açambarcar mais essa atividade”, afirmou Priscila, sugerindo aos deputados que apresentem uma emenda criando um aparato regulatório específico.
“O PL apresenta R$ 1 milhão como capital mínimo para abertura de estabelecimento. É insuficiente para dar profissionalização que a atividade merece. Com exigência maior  de recursos, desestimula-se o risco de fraude e lavagem de dinheiro”, observou. “A garantia estipulada, que é a contrapartida do agente de se comprometer, é de R$ 200 mil. O grau de compromisso é insuficiente”, criticou. “O Ministério da Fazenda não tem condições de assumir essa matéria”, emendou.
Incompetência ou indolência?
As críticas feitas pelos ministérios da Fazenda e da Justiça foram rebatidas em plenário pelo líder do PDT, partido do ministro do Trabalho, Carlos Luppi. “Isso pra mim é declaração de incompetência ou falta de vontade de trabalhar, pois temos condições de fiscalizar o Imposto de Renda, que é muito mais complexo. A própria caixa fiscaliza as loterias. Isso pra mim é coisa de quem não quer trabalhar”, discursou o líder pedetista, Dagoberto (MS).
O presidente da Associação Brasileira de Bingos (Abrabin), Olavo Sales da Silveira, também criticou o que chamou de omissão do Estado na fiscalização do mercado. “Temos dois caminhos: podemos não fazer nada e deixar como está, ou podemos fazer o que mais de 130 países fizeram. Ou seja, adotar solução para esse segmento, como parte da indústria de lazer e entretenimento, com o Estado exercendo fiscalização e controle.”
Segundo ele, a ocorrência de “desvios de conduta” no setor não serve de justificativa para o fechamento dos estabelecimentos e de milhares de vagas no mercado de trabalho. “Todas essas modalidades operam fora do controle do Estado. Negar esse estado de coisas é omitir-se. Legaliza, disciplina”, afirmou.
Casa errada
De acordo com a Abrabin, a legalização dos bingos e caça-níqueis deve gerar um faturamento bruto anual de R$ 127 bilhões para os empresários do setor e render R$ 7 bilhões aos cofres públicos.
Olavo ainda desqualificou o discurso de que o jogo vicia. “Quem vai a uma casa dessas não vai para ganhar dinheiro. Está na casa errada. No bingo se paga por momentos de diversão. A sociedade ganhará alternativa saudável. Com a regulamentação ganha a população, ganha o Brasil”, afirmou.
Grupos criminosos
Ao fazer uso da palavra na comissão geral, o diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) Leonardo Cardoso de Freitas se disse cético quanto aos benefícios sociais trazidos pela legalização dos jogos. “A experiência que temos no Rio de Janeiro é de que eles são explorados por grupos muitas vezes criminosos. Que não parecem que, com essa legalização, vão deixar de praticar outras atividades ilícitas”, declarou.
O procurador ressaltou que a exploração de bingos e caça-níqueis serve de entrada para a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal e que a Receita Federal e o Coaf não têm condições de fazer a fiscalização proposta pelo projeto. “Os benefícios que eventualmente a liberação dos bingos possa trazer em geração de emprego me parecem extremamente pálidos diante dos malefícios que uma atividade propensa à ilegalidade possa causar à sociedade.”
Polêmica na CCJ
O projeto que legaliza bingos e caça-níqueis foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no dia 15 de setembro do ano passado. A proposta foi aprovada por 40 votos favoráveis a sete contrários após um debate de mais de quatro horas. Entre os pontos polêmicos, estava a brecha para incluir entre os estabelecimentos de jogos legalizados os cassinos (leia mais). Segundo o relator, deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), esses estabelecimentos não estão incluídos na proposta.
“O que está sendo votado é o substitutivo do Projeto de Lei 2254/04, do deputado João Dado. Fui seriamente questionado se estaria abrindo brechas para cassinos, e isso não é verdade. Não há nada de cassino no texto. O texto trata de bingos, videobingos e videojogos (caça-níqueis), só”, defendeu o relator na época.
A brecha constava do substitutivo do deputado Vicentinho Alves (PR-TO), cuja constitucionalidade havia sido admitida pelo relator antes da votação, conforme revelou o Congresso em Foco. 
O projeto dos bingos foi aprovado sob forte resistência de um grupo de parlamentares que queria modificar pontos do relatório. A votação só foi possível após acordo do grupo com o relator, que incorporou algumas modificações sugeridas. As mudanças, no entanto, não agradaram aos dois principais opositores ao projeto, os deputados Antonio Carlos Biscaia (PT-SP) e José Eduardo Cardozo (PT-SP).

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