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Projeto de Lei ameaça contrato de alienação fiduciária

Tramita na Câmara, em regime de urgência, Projeto de Lei nº 3.065/2004 de iniciativa do Poder Executivo, que ao dispor sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969.

Tramita na Câmara, em regime de urgência, Projeto de Lei nº 3.065/2004 de iniciativa do Poder Executivo, que ao dispor sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969.

O que impressiona no Projeto de Lei é o agravamento da posição do consumidor, por ventura inadimplente, no contrato de alienação fiduciária para aquisição de veículos automotores.

O referido projeto inicialmente perpassa em delicada discussão, ainda não suficientemente debatida, acerca da previsão de alteração do art. 66 da Lei nº 4.728/65 ao estabelecer que o contrato de alienação fiduciária dependerá de anotação somente na repartição de trânsito competente, dispensando o arquivamento no Registro de Títulos e Documentos.

A discussão surge com força a partir da entrada em vigor do Código Civil, que no §1º do art. 1.361, que dispõe que “constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro”. A redação do referido parágrafo é objeto de projeto de emenda PL- 6960/2002, com o fito de correção para substituir a conjunção OU por E, uma vez que, como consta na sugestão do ilustre Relator Deputado Vicente Arruda, houve equívoco na redação.

Sobre a alteração do Código Civil, o ilustre mestre e coordenador da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, Miguel Reale, também se manifesta contrário à modificação, afirmando que a “emenda não tem a menor razão de ser, representando revogação perniciosa do art. 120 do Código Brasileiro de Trânsito, Lei nº 9.503/97”.

Entretanto, em que pese a opinião do grande jurista, é preciso analisar a questão com atenção na realidade, não devendo impressionar também o argumento da onerosidade financeira pelo custo cartorário para o consumidor, como alegado pelo deputado Paulo Lima, da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias.

A preocupação aumenta diante do disposto na Resolução nº 124/2001 do Contran e na Portaria nº 14, de 27/11/2003, do Denatran, onde consta expressamente que o sistema de inclusão e baixa dos gravames “será de inteira e exclusiva responsabilidade das empresas credoras com garantia fiduciária(…)”.

No Rio de Janeiro o Detran, na mesma linha, emitiu portarias, dispensando como “documento necessário” a prova do registro prévio do contrato de alienação fiduciária em Cartório de Títulos e Documentos e tornando “obrigatório e exclusivo o uso do sistema eletrônico”, ressalvando que “será de inteira e exclusiva responsabilidade das instituições financeiras e demais empresas credoras, assim como da entidade gerenciadora dos dados técnicos informativos, a veracidade das informações(…)”.

Numa análise inicial somente do aspecto formal, parece haver um desvirtuamento na condução do tema ao buscar o Contran se arvorar no poder de “legislar” acerca de toda e qualquer matéria relativa aos veículos automotores, ingressando na seara de outras leis, sem o cuidado sistemático, “atropelando” a legislação sobre registro público.

De toda sorte o que clama por atenção é a insegurança do sistema criado, onde o manuseio e responsabilidade são transferidos exclusivamente aos agentes financeiros, tornando privada uma atividade essencialmente pública.

Tem-se assim, ao final, a máxima privatização dos serviços públicos de registro entregue aos agentes financeiros que, além de deterem a posição contratual de estipular as cláusulas contratuais, passam também a deterem o poder de inserção e exclusão nos cadastros “públicos” de trânsito.

Na verdade, se reedita a velha máxima popular em que “na briga do rochedo com o mar, o marisco é que apanha”, pois na disputa entre os interesses dos Agentes Financeiros Fiduciários e dos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos, o consumidor é relegado ao segundo plano.

Parece evidente, ao menos na forma até agora concebida, que o sistema de arquivamento, por meio eletrônico, do contrato de alienação fiduciária somente nos órgãos de trânsito, fragiliza ainda mais o consumidor, e os coobrigados (v.g., avalistas), não atendendo o comando constitucional de proteção ao consumidor.

Outrossim, o PL 3065 se apresenta mais danoso, ao propor o aniquilamento do devido processo legal, podendo o credor apreender o bem do devedor e renegociá-lo, mediante liminar, antes da decisão judicial definitiva. É a satisfação do interesse econômico, com o afastamento completo da possibilidade de defesa do consumidor, eventualmente inadimplente.

Trata-se — ao contrário do que defendem os agentes financeiros e o próprio autor do projeto — de medida violenta e brusca, que nenhuma repercussão exercerá sobre a fixação dos absurdos juros praticados, como sempre consta no discurso neoliberal.

Conclusão: mais uma vez o legislador atropela os valores constitucionais, para privilegiar o forte economicamente em detrimento daquele que deveria proteger.

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