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Direito à saúde e decisões judiciais

Uma vez mais o direito sanitário cresce em evidência com a proximidade da realização da audiência pública no STF sobre as decisões judiciais no âmbito das políticas públicas de saúde.

Uma vez mais o direito sanitário cresce em evidência com a proximidade da realização da audiência pública no STF sobre as decisões judiciais no âmbito das políticas públicas de saúde. A discussão sobre o acesso a medicamentos e tratamentos de saúde pela via judicial no Brasil ganhou importância teórica e prática, envolvendo crescentes debates entre acadêmicos, operadores do direito, gestores públicos e sociedade civil.
Nos próximos dias, os senhores ministros do STF ouvirão a sociedade sobre as reiteradas decisões judiciais no âmbito da saúde pública, que acabam por garantir, àqueles que acessam o Judiciário, os mais diferentes medicamentos, insumos, tratamentos e produtos de saúde. Esse fenômeno, que se caracteriza pela prestação jurisdicional sobre campos da política sanitária, tende a inovar nos casos concretos submetidos à sua apreciação, pois vem garantindo a esses cidadãos tanto prestações de saúde que constam nas listas e protocolos oficiais do Sistema Único de Saúde quanto os que não constam. E, assim, essas decisões acabam por incidir de forma reflexa para além dos domínios do sistema jurídico, atingindo a escolha discricionária do gestor público sobre a melhor oferta de saúde, tendo em vista as necessidades de toda a população. E, também, incidindo sobre os tão polêmicos gastos com a saúde pública, que passam por um orçamento apertado e distribuído após um árduo planejamento. A esse fenômeno convencionou-se chamar de “judicialização da política de saúde”.
Se, por um lado, a crescente demanda judicial acerca do acesso a medicamentos, produtos para a saúde, cirurgias, leitos de UTI, entre outras prestações positivas de saúde pelo Estado, representa avanço em relação ao exercício efetivo da cidadania por parte da população brasileira, por outro representa um ponto de tensão perante os elaboradores e executores dessa política no Brasil, que passam a atender a um número cada vez maior de ordens judiciais que garantem as mais diversas prestações do Estado.
O tema é dos mais complexos, posto que envolve, de um lado, o Estado brasileiro e suas políticas públicas e, de outro, o cidadão em busca de justiça e de saúde, em face de um sistema fragilizado e com evidentes problemas gerenciais e de acesso.
Trata-se aqui de uma reflexão sobre a relação dos subsistemas político e jurídico em face de um direito fundamental constitucionalmente reconhecido — a saúde — e o dever do Estado na prestação de serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Assim vejamos: o sistema político identifica-se com os programas político-eleitorais e com as propostas de governo. Suas decisões são coletivamente vinculantes e construídas em uma base normativa totalmente reconhecível pelo direito. O sistema jurídico tem no seu programa as normas e regramentos, decide quem tem razão à luz do próprio direito, isto é, a validade de uma norma é sempre uma norma e não um fato. Desse modo, a incorporação do arcabouço infralegal que define a política pública de saúde nas decisões judiciais, e não apenas a norma constitucional, revela-se indispensável para o avanço da jurisprudência no sentido de compatibilizar a justiça comutativa, dentro de cada processo, com a justiça distributiva, representada pela decisão coletiva formulada e formalizada através dos diversos atos normativos que compõem a política de assistência à saúde, emanados dos poderes Legislativo e Executivo do Estado. Incorporação essa que está longe de propostas imaturas de ceifar direitos e retroceder nas conquistas de cidadania no Brasil.
Todavia, os desafios não são poucos. O Poder Judiciário, que não pode deixar sem resposta os casos concretos que são submetidos à sua apreciação, vêm enfrentando dilemas e decisões trágicas, frente a cada cidadão que clama por um serviço e um bem de saúde. Os quais, muitas vezes, apresentam-se urgentes para que uma vida seja salva e um sofrimento minimizado. E as políticas públicas, por sua vez, encontram-se dispersas em diversos atos normativos, sem uma sistematização clara, e muitas vezes com trâmites que contrastam com as necessidades postas nos autos.
No entanto, verificando-se que o pedido do autor revela uma omissão do Poder Público no cumprimento de uma ação ou serviço de saúde a ele garantido pela política pública formulada, a decisão deve ser no sentido de garantir a ação de saúde ou a prestação do serviço. Ao revés, deve o Judiciário conter-se no sentido de negar provimento a pedidos que extrapolam a política pública sanitária, implementando ações e serviços de saúde que desconhece, invadindo a seara do Poder Executivo e da administração pública.
Autora: MARIA CÉLIA DELDUQUE E SILVIA BADIM MARQUES
Especialistas em direito sanitário, doutorandas pela USP
Releva-se, portanto, fundamental que os juízes, promotores de justiça, gestores públicos, sociedade civil, operadores do direito, sanitaristas, membros da academia, entre outros envolvidos na temática, discutam de forma ampla o tema em debate, e proponham soluções conjuntas para minimizar o conflito social-político evidenciado.

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