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Cárceres medievais

O cenário de brutalidades pressupõe que a Lei de Execução Penal figura no ordenamento jurídico apenas como alegoria ficcional.

Durante o consulado militar encerrado em 1985, o governo considerava os relatórios internacionais sobre maus-tratos de presos no sistema carcerário brasileiro reações a denúncias capciosas de adversários do regime. Restaurada a ordem democrática, os gestores das políticas de segurança passaram a contrapor-lhes contestações. Bem-vinda, portanto, a recente e surpreendente declaração do diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Airton Micheles, de que o sistema prisional é “uma vergonha para o país”.
As 440 mil pessoas recolhidas às cadeias sobrevivem, com raríssimas exceções, em situação indigna do ser humano. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário registra a submissão de presos às mais abjetas condições. Alimentação repulsiva, celas infestadas de ratos e baratas, insalubridade em grau crítico, partilha do espaço com porcos foram algumas das tragédias anotadas no documento conclusivo da CPI. No mais, o normal é o prisioneiro ser mantido em total ociosidade. Não participa de qualquer atividade apta a promover sua ressocialização. E o ócio é oficina do diabo, para usar de adágio muito ao gosto dos ingleses.
A convivência em regime animalesco suscita conflitos internos. Os mais vocacionados às soluções de força formam gangues para disputar condições menos traumáticas. No confronto, muitos são trucidados. Pela mesma razão, são frequentes as revoltas em presídios, ocasiões que alguns aproveitam para matar desafetos. O clima violento e dissoluto conduz à corrupção de agentes situados em postos de controle interno, seja para facilitar fugas, seja para conceder regalias aos chefões do crime. Seja, também, para infiltrar drogas e telefones celulares.
O cenário de brutalidades pressupõe que a Lei de Execução Penal figura no ordenamento jurídico apenas como alegoria ficcional. Nem mesmo nas penitenciárias de segurança máxima suas disciplinas são observadas, como demonstram privilégios concedidos a internos e corrupção de servidores. Pior. Todas as Regras Mínimas para Tratamento de Presos estabelecidas pela ONU são descumpridas. O mesmo ocorre em relação à Convenção das Nações Unidas sobre Tortura e Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes que, assinada pelo Brasil, possui a mesma força coativa de preceito constitucional (Constituição, art. 5º, § 3°).
Aspectos bárbaros conhecidos na Idade Média são reproduzidos nas prisões do Brasil. A Comissão de Direitos Humanos da ONU ordena que se conceda ao cidadão apenado com a privação da liberdade espaço mínimo de seis metros quadrados. Há casos aqui — ainda uma vez o relatório da CPI — em que a superlotação das cadeias não dá margem a mais de 70 centímetros para cada recluso. Na maioria dos estabelecimentos, há revezamento em turnos para que todos possam ter algumas horas de sono.
Não é tudo. Pelo menos 9 mil pessoas que cumpriram as penas continuam encarceradas. E o próprio Ministério da Justiça estima que 30% da população carcerária permanecem em regime de prisão preventiva depois do prazo máximo de 81 dias previsto na legislação penal. Como se vê, malgrado ciente dos suplícios reinantes nas grades onde se enjaulam pessoas como animais, o poder público, nos três níveis da Federação, reage apenas com ações cosméticas. Persiste em violar os direitos humanos e expor o país à condenação da consciência civilizada da sociedade internacional.

Autor: JOSEMAR DANTAS É EDITOR DO SUPLEMENTO DIREITO & JUSTIÇA do Jornal Correio Braziliense

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