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Bom exemplo: Levamos a Justiça a quem não pode pagar’

Ela está revolucionando o Judiciário em Curitiba. Em um ano, milhares de pessoas resolveram seus problemas de graça e em poucos dias. A juíza Joeci Machado Camargo, criadora do projeto Núcleo de Conciliação, levou advogados, assistentes sociais, psicólogos e a Vara de Família para os bairros pobres e garantiu o acesso a uma Justiça rápida e gratuita. Atendimentos e audiências acontecem diariamente na Vara de Família. Duas vezes por mês uma estrutura gigantesca é montada para atender à população carente. A juíza visita presídios para regularizar a situação dos presos que querem se casar ou reconhecer os filhos. O próximo passo é digitalizar a documentação e fazer audiências por teleconferência.

Ela está revolucionando o Judiciário em Curitiba. Em um ano, milhares de pessoas resolveram seus problemas de graça e em poucos dias. A juíza Joeci Machado Camargo, criadora do projeto Núcleo de Conciliação, levou advogados, assistentes sociais, psicólogos e a Vara de Família para os bairros pobres e garantiu o acesso a uma Justiça rápida e gratuita. Atendimentos e audiências acontecem diariamente na Vara de Família. Duas vezes por mês uma estrutura gigantesca é montada para atender à população carente. A juíza visita presídios para regularizar a situação dos presos que querem se casar ou reconhecer os filhos. O próximo passo é digitalizar a documentação e fazer audiências por teleconferência.

Melissa Bergonsi

Como surgiu a idéia do Núcleo de Conciliação?

JOECI MACHADO CAMARGO: Foi em 1998, quando pude constatar que cerca de 70% das causas atendidas pela Assistência Judiciária Gratuita diziam respeito à Vara de Família. Por ser titular da 4 Vara de Família, criei um em fase experimental na Vara e, com o sucesso que consegui, resolvi pôr o projeto no papel. Submeti à apreciação do então corregedor, hoje presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Otto Sponholz. A tramitação levou cinco anos. Depois o núcleo foi criado por meio de um decreto pelo presidente do TJ.

Durante cinco anos o projeto ficou engavetado?

JOECI: Não. Instalei um piloto na 4 Vara de Família. Em apenas um dia fizemos 87 audiências e conseguimos 77 conciliações. Nas outras dez, era preciso exame de DNA, não localizamos pessoas ou eram apenas dúvidas. Foi aí que tive a certeza que desafogaríamos a pauta das Varas de Família com as conciliações e o atendimento prévio. A idéia sempre foi proporcionar uma fase para a conciliação das partes, e que, se desse certo, seguiria diretamente para a apreciação do juiz. Isso encerra o problema imediatamente e reduz bastante o tempo gasto pelas partes na busca de seus direitos, além de acabar com o acúmulo de processos nas varas.

E como o Núcleo de Conciliação funciona?

JOECI: Conseguimos equipar uma ampla sala com computadores, mesas, cadeiras, impressoras. Botamos divisórias e hoje fazemos oito audiências simultâneas a cada 20 minutos. O trabalho é realizado de segunda a sexta-feira, das 14h às 18h. Trabalhamos com uma equipe de advogados voluntários e da defensoria pública, psicólogos, assistentes sociais e os alunos de direito das universidades conveniadas, acompanhados pelo coordenador de curso. Eu sempre estou em uma das audiências e circulando pelas outras para resolver eventuais problemas. As pessoas saem de lá com tudo resolvido, não precisam mais voltar à Justiça. Antes da instalação do núcleo, um processo levava em média mais de quatro meses só para chegar à mesa do juiz. Hoje, as audiências são marcadas em no máximo 30 dias, isso quando o problema não é resolvido na hora.

E o projeto do ônibus, o Justiça nos Bairros?

JOECI: É um desdobramento do Projeto do Núcleo de Conciliação. Dois sábados por mês, toda a equipe segue com um ônibus-cartório, equipado com computadores, para uma das oito Ruas da Cidadania existentes nos bairros de Curitiba. Atendemos a população carente, que não pode pagar para se deslocar até o Centro Cívico, onde funciona o núcleo. Então, levamos a Justiça até eles. O atendimento começa às 8h30m e continua até terminarmos as audiências. Já cheguei a fazer a última audiência quase às 23h.

As pessoas só recebem atendimento para assuntos de direito de família?

JOECI: Não. Todos os profissionais que estão no núcleo participam do Justiça no Bairro. Além disso, foi firmada uma parceria com a prefeitura de Curitiba, que fornece a infra-estrutura necessária, inclusive para resolver alguns casos diferentes. Se, por exemplo, temos uma mãe que está lá para fazer a separação, o marido é alcoólatra ou o filho é viciado, não só fazemos a separação como enviamos a pessoa para um tratamento gratuito oferecido pela prefeitura. Às vezes a guarda do filho ocasiona a mudança de endereço e a criança pode ficar sem escola. A prefeitura já faz a matrícula na escola mais próxima ao novo endereço.

Quantas pessoas são atendidas num sábado?

JOECI: Cerca de mil pessoas. Muitas ficam na fila desde as 5h. É por isso que temos cadeiras para a acomodação de todos, além de recreação para as crianças e até um grupo voluntário de músicos que faz paródias com os casos de separação ou casamento das pessoas. Aliás, as paródias já propiciaram até reconciliação entre casais que queriam se separar. Fazemos isso porque não podemos deixar a população mais ansiosa do que já está à espera da solução do seu caso. Em 18 sábados em que o Projeto Justiça no Bairro funcionou, conseguimos 2.520 conciliações, com o atendimento direto a mais de dez mil pessoas. No Núcleo de Conciliação, com 121 dias de atendimento, atingimos mais de 1.200 conciliações.

A senhora é apontada como uma pessoa que está revolucionando o atendimento do Judiciário em Curitiba…

JOECI: Às vezes isso me assusta. Mas a satisfação do dever cumprido é enorme. Posso garantir que a população está com uma nova visão da Justiça, pelo menos na área dos assuntos de família. Até hoje eu me surpreendo quando vejo as pessoas que são atendidas demonstrando uma confiança cada vez maior na Justiça e na eficiência do Poder Judiciário.

A senhora concorda com a afirmação de que o Judiciário está longe da população?

JOECI: Parcialmente. O trabalho do Judiciário é silencioso. Temos muitos outros juízes que fazem um trabalho parecido com o meu, levando a Justiça aos mais carentes. Muitos se dedicam à responsabilidade social do Judiciário. Mas não posso negar que o projeto do Núcleo de Conciliação deveria deixar de ser uma exceção e passar a ser uma regra.

E a reforma do Judiciário? A senhora acredita que ela vai ajudar a aproximar a Justiça do cidadão?

JOECI: Pode ser. O que temos que pensar é que o juiz tem que ser acessível a todos. Por exemplo, com o projeto Justiça nos Bairros, não quis que fosse criado um gabinete especial para o juiz. Isso porque a população em geral vê o fórum como um templo. No núcleo, todos, inclusive eu, vestimos a camiseta do projeto, sem mangas, amarradas na cintura, algumas bordadas, com franjas, todas acompanhadas de jeans e tênis. Tudo para que o cidadão não se sinta constrangido, podendo ver o Judiciário ao alcance de cada um. Quando desburocratizamos a Justiça e facilitamos o acesso a ela, alcançamos a sua plenitude. Quanto à reforma do Judiciário, quando se fala neste assunto todos pensam no controle externo. Nós já temos tantos controles, a nossa Corregedoria funciona, mas as pessoas não sabem disso. Mesmo assim, eu não tenho medo de controle algum.

A senhora acha que o projeto em Curitiba está pronto ou ainda pretende modificá-lo?

JOECI: Acho que o projeto jamais ficará totalmente pronto. Aquilo que nasceu para funcionar somente nas Varas de Família acabou atraindo a simpatia de outros ramos do direito, como a Justiça Federal, além de outros estados do país, que têm demonstrado grande interesse de instalar o projeto em suas comunidades.

PERFIL

CURITIBA. Nascida em Londrina, no Norte do Paraná, Joeci Machado Camargo desde criança trabalha como voluntária em projetos sociais da Igreja. Em 1976, depois de se casar, mudou-se para a capital do Paraná e estudou na Faculdade de Direito de Curitiba. Diz que escolheu a carreira de juíza para promover a Justiça e que em todos os seus projetos carrega o idealismo como bandeira. Hoje com 48 anos, nove dos quais como juíza da Vara de Família, afirma:

— Estou realizando meu sonho com o projeto do Núcleo de Conciliação.

Seus três filhos trabalham no projeto Justiça nos Bairros como voluntários. A menor, de 9 anos, fica encarregada de conversar com as crianças que estão na fila. A filha de 16 ajuda a lidar com a documentação e o de 26 anos, já formado em direito, acompanha as audiências e auxilia na orientação à população.

Os quase cem alunos de direito das universidades Tuiuti, Federal do Paraná e PUC que trabalham no projeto recebem uma lição e tanto.

— Estamos recuperando nesta juventude o ideal de ajudar ao próximo, o ideal da Justiça para todos — diz Joeci. Na sala de audiências, além de fotos dos filhos, há a de uma criança de 8 anos. É uma menina que, numa loja de Curitiba, reconheceu Joeci como a “juíza do ônibus” e pediu:

— A senhora pode resolver meu problema? Meu pai morreu, minha mãe sumiu e eu gostaria de ficar com a minha avó.

Joeci atendeu ao pedido e, hoje, a avó tem a guarda da menina. Com o projeto, Joeci também tornou-se conhecida como “santa casamenteira”. Ela foi a primeira juíza de direito do país a realizar casamentos coletivos. Pelo menos 350 casais já foram unidos por ela e, em comemoração ao primeiro ano de projeto, outro casamento coletivo está programado.

— Esta é a Justiça que prego. A que vai até o povo. Mas tenho que confessar: meu dia deveria ter 48 horas.

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