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A suspeição do condenado por crime de falso testemunho

Na hipótese de suspeição em análise, há uma situação concreta e anterior que estimula o entendimento de que a testemunha poderá afastar-se da verdade, porque já incorrera em crime de falso testemunho, com sentença transitada em julgado.

A suspeição do condenado por crime de falso testemunho — Na hipótese de suspeição em análise, há uma situação concreta e anterior que estimula o entendimento de que a testemunha poderá afastar-se da verdade, porque já incorrera em crime de falso testemunho, com sentença transitada em julgado. A solução empreendida pelo legislador é bastante dura, ancorada num fato objetivo, sem que se possa flexibilizar, o que parece se tratar de excesso de prurido, ao se impor à pessoa condenada por crime de falso testemunho a pecha de impedido para depor como testemunha.
Não é certo que a pessoa que negligenciou em dizer a verdade ao depor em juízo, condenada por falso testemunho, renove a vocação para servir à nova mentira. É estranho à objetividade da regra a afirmação de que o criminoso incorrerá no mesmo crime, pois a renitência não passa de uma suposição do legislador. Aliás, o legislador cuidou o falso testemunho como vício, doença sem tratamento e sem cura.
O falso testemunho parece não se tratar de vício, mas de comportamento consciente para albergar interesse de uma das partes em favor de cujo patrimônio, moral ou material, se presta um depoimento inverossímil, com agressão à realidade do fato jurídico. Também, assinale-se que, a prevalecer a regra sem o concurso do artífice interpretativo, o impedimento se perpetuaria, se houvesse a condenação anterior transitada em julgado, por falso testemunho.
Haveria impedimento vitalício, de maneira que o condenado por falso testemunho jamais poderia depor novamente, sempre portador de doença social incurável, o que atrai a ilação de que o sujeito haveria de estar, permanente ou definitivamente, impossibilitado de depor como testemunha, por força da suspeição que a lei edifica. Trata-se de exagero que reclama mitigação ao ser examinada a hipótese pelo juiz do caso, com base no interesse remoto, mediato ou imediato e do tempo que medeia a sentença condenatória e o novo depoimento da testemunha, a que a lei reputa impedida.
No caso de um depoimento necessário, deve o juiz aplicar lenitivo para excepcionar o impedimento, principalmente se o fato impeditivo da condenação já percorreu o tempo imemorial, como efeito profilático da pena, em tese, cumprida, pelo condenado. Deve-se, por conseguinte, evitar a perpetuação do impedimento, haja vista que se trata de sanção incompossível com os princípios do sistema jurídico brasileiro, que refuga a pena de caráter perpétuo, segundo a proibição da Constituição Federal (art.5º, XLVII, b).
A suspeição do sujeito sem credibilidade — A lei diz que a pessoa que, pelos seus costumes, não for digna de fé se acha no isolamento da suspeição, razão por que não pode atuar na condição de testemunha. Cuida-se da suspeição mais difícil de ser configurada, pela elasticidade subjetiva que se permite no enquadramento da pessoa que não for digna de fé. Ser digno de fé significa merecer a confiança, posto que se trata de uma pessoa que carrega o atributo da honestidade.
Uma pessoa que tem credibilidade é uma pessoa que se presume honesta, merecedora de confiança, de fé, razão por que se deve acreditar ou crer na sua palavra, sempre a serviço da verdade. Numa sociedade plural e complexa, ancorada na multiplicidade de relações impessoais, com a desintegração de convivências íntimas, pelo natural isolamento gerado nos indeterminados aglomerados urbanos, dificilmente será possível o exercício de avaliação sobre o caráter de honradez, honestidade ou confiança de uma pessoa.
De regra, o juiz brasileiro conhece menos a particularidade dos hábitos e dos costumes da sociedade, principalmente pelo distanciamento convivial, do que a realidade dos autos do processo, fato que dificulta a avaliação sobre a dignidade e a integridade de uma pessoa, de cuja índole não tem conhecimento algum. Dificilmente, um juiz, por mais bem informado, tem condições de omitir juízo sobre a credibilidade de uma pessoa, salvo nas pequenas comarcas em cujos perímetros há comunidade com poucos habitantes que se conhecem reciprocamente, com o grau necessário para definir, em tese, a honradez de um de seus membros.
Assim é que as hipóteses em que se descartam a testemunha por falta de dignidade se asilam nas histórias que se difundem nas pequenas comunidades, as quais, contudo, se prestam mais ao escárnio do que à afirmação da certeza de que a testemunha carece de credencial para depor. Sempre será missão difícil para o juiz decidir que a testemunha não tem os requisitos da dignidade para depor, segundo seu comportamento, razão por que mais vale a tolerância do que a prévia repugnância, porquanto caberá ao magistrado formar a própria convicção, segundo a qualidade do testemunho apresentado.
A suspeição do inimigo capital ou amigo íntimo — O mais importante requisito da prova testemunhal é o da imparcialidade do sujeito que fala sobre o fato jurídico. Sem isenção, fraqueja-se a produção da prova testemunhal, porque se impõe que a pessoa não tenha interesse na solução da lide, mas apenas conserve a consciência de dizer a verdade, sem prejudicar ou beneficiar a parte.
Entre as categorias de pessoas ou relações que, inevitavelmente, se põem na condição de sujeito parcial se acham o inimigo capital ou amigo íntimo, extremos que revelam sentimentos antagônicos, que se rivalizam na perseguição de resultados opostos. O inimigo capital pretende a destruição moral ou material da pessoa de quem se diz adversário; o amigo íntimo, a felicidade da pessoa por quem nutre afeição.
Tanto o inimigo capital quanto o amigo íntimo carecem de condições para conviver com a indiferença ou a neutralidade em relação à parte, porque revelam, ostensivamente, sentimento de adversidade ou de favorabilidade, segundo o ânimo. Sob o impulso de condições anímicas favoráveis ou desfavoráveis, como sentimento produzido pela razão ou pela emoção, a testemunha se apresenta abatida pela expectativa de que o seu depoimento resulta do partidarismo da vontade em fazer o bem ou o mal, como consectário da expressão da imparcialidade, decorrente do fato de ser inimigo capital ou amigo íntimo da parte.
A verdade do fato jurídico se produz consoante o interesse da testemunha em prejudicar ou beneficiar a parte, quando deveria ser projetado segundo a realidade, sem maquiagem ou manipulação, para que a dicção da Justiça se edificasse sobre base genuína. A própria debilidade emocional da testemunha que é inimigo capital ou amigo íntimo, ainda que fosse possível supor que estivesse vacinado contra a influência do querer bem ou do querer mal, agrava as condições objetivas necessárias para que possa merecer confiança na revelação do fato jurídico.
Mas a dificuldade reside na precisão dos elementos que caracterizam o estado de inimigo mortal ou de amigo íntimo, equação jurídica que não se resolve apenas com questionamento à testemunha sobre o grau de adversidade ou favorabilidade que alimenta em relação à parte. Cuida-se de tarefa que exige do juiz a construção de um elenco de informações a serem colhidas à testemunha para que se certifique que se trata de uma amizade ou inimizade totalmente contaminada pela inspiração facciosa de ajudar ou prejudicar a parte.
Inexiste roteiro ou fórmula única mediante a qual o juiz possa colher as respostas que justificam ou fundamentam o entendimento de que a testemunha se considera suspeita por força do caráter de amizade íntima ou inimizade mortal que o distingue ou o aproxima da parte. Se houver dúvida, o juiz deve deferir o depoimento da testemunha em homenagem à prerrogativa de compor sua convicção pessoal, segundo o juízo que empreste à qualidade e à legitimidade da narração do fato jurídico.
A suspeição do interessado no litígio — A pessoa que tem interesse na solução do conflito se acha destituída do requisito básico da imparcialidade, haja vista que pretende que uma das partes tenha resultado favorável. A existência de interesse manifesto, oculto ou ocluso retira da testemunha a legitimidade para depor com isenção. O interesse pode ser material ou moral, direto ou indireto, mas sempre constitui óbice a que a pessoa deponha na condição de testemunha.
O interesse é manifesto quando o sujeito confessa que obterá vantagem jurídica com a equação da lide em favor de uma das partes; oculto, quando fechado à cognição ordinária, mas identificado por sinais que demonstram, durante ou depois do julgamento, o conluio entre a testemunha e a parte; ocluso, quando está escondido, mas se descobre mediante a revelação direta ou indireta de que o julgamento da ação beneficia a testemunha ou a parte.
O interesse é material quando a decisão causa uma vantagem econômica ou financeira à testemunha ou à parte; moral, quando se pretende uma prestação jurisdicional que tutela um bem jurídico inserido na ordem dos direitos da personalidade. Portanto, a testemunha que tem interesse, direto ou indireto, no julgamento da ação, carrega o sinete da suspeição, desqualificação jurídica que a inibe para o testemunho.
 
Autor: Luís Carlos Alcoforado
Advogado, ex-examinador em Direito Civil do Exame de Ordem da ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, Seção do Distrito Federal
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