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Tribunal de Justiça reconhece obrigatoriedade de pagamento para paciente atendido em hospital particular

Recurso Inominado 5527641-06.2018.8.09.0051
Comarca: Goiânia – 3º Juizado Especial Cível
Recorrente: Marlene Pereira Gage
Advogados: Carla Daniela Baltazar (OAB/GO 46.296) e outro
Recorrido: Hospital São Francisco de Assis Ltda.
Advogados: Nycolle Araújo Soares (OAB/GO 32.809) e outro Relator: Oscar Neto

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA DE URGÊNCIA. SERVIÇOS DE SAÚDE PRESTADOS DE FORMA PARTICULAR. DÉBITO EXISTENTE. LÍCITA A INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. REGULAR EXERCÍCIO DO DIREITO DE CREDOR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

I. Trata-se de ação anulatória de negócio jurídico cumulada com declaratória de inexistência de débito, indenização por danos morais e tutela de urgência proposta por Marlene Pereira Gage contra o Hospital São Francisco de Assis Ltda.

II. Em apertada síntese, alegou a autora que, no dia 19 de maio de 2015, seu companheiro norte-americano começou a sentir dores no peito e se dirigiu até a UPA do Jardim Itaipu. Naquela unidade, foi atendido por um clínico geral, que deu alta para o paciente logo após cessação do desconforto. Horas depois, já em sua casa, ele teve outra crise, dessa vez mais intensa, razão pela qual solicitou apoio de vizinhos para levá-lo ao hospital. No trajeto, crendo que o Hospital São Francisco de Assis LTDA. prestava atendimento pelo SUS, deram entrada na emergência, aduzindo que desde o primeiro momento fora dito aos funcionários do hospital que o tratamento deveria ser feito pelo SUS. Nesse momento, foi informada que embora o hospital fosse credenciado ao Sistema Único de Saúde, o atendimento somente poderia ser realizado de forma particular. Percebendo que seu marido poderia morrer e que não restava outra opção, apesar de achar abusiva a medida, acabou concordando. Salientou que durante o período de internação, o réu se recusou a aceitar a internação pelo SUS, razão pela qual foi ao Ministério Público de Goiás no dia 25.5.2015, quando finalmente conseguiu a internação de seu companheiro pelo Sistema Único de Saúde. No dia 31.5.2015, três dias depois da inclusão do paciente pelo SUS, seu companheiro recebeu alta médica, quando então teria sido forçada a assinar cheques de calção pelos supostos débitos. Afirma ter pago um montante de R$ 6.000,00 (seis mil reais) e emitido 11 (onze) cheques nos valores de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) e R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a maioria devolvido sem a provisão de fundos/sustados.

III. O juiz singular julgou improcedentes os pedidos iniciais.

IV. Inconformada, a autora interpôs recurso inominado vindicando os benefícios da justiça gratuita e a reforma da sentença. Repisou todos os argumentos apresentados na petição inicial, reafirmando que fora coagida pelos servidores do hospital a optar pelo tratamento particular, valendo-se de sua condição de vulnerabilidade. Afirmou ter havido vício de vontade quando acabou firmando o pacto, ante a muita pressão e necessidade de lutar pela vida de seu convivente, o que acabou motivando através do dolo do hospital a aceitação de uma obrigação excessiva, apontou vários documentos para provar o alegado. Requer ao final a reforma da sentença e o deferimento dos pedidos iniciais.

V. Contrarrazões pelo indeferimento da justiça gratuita, ao argumento que a autora aparenta possuir condições econômicas suficientes para suportar as custas processuais. No mérito apontou que o recurso não enfrentou os fundamentos da sentença (princípio da dialeticidade), pugnando pela manutenção da sentença e a condenação da recorrente por litigância de má-fé (evento nº 92).

VI. Recurso próprio, tempestivo e dispensado do preparo por ser beneficiária da justiça gratuita, dele conheço.

VII. Alega a autora/recorrente que foi coagida a aceitar a internação (particular) de seu convivente norte-americano no Hospital São Francisco, mesmo sendo ele paciente do SUS.

VIII. A relação jurídica de direito material existente entre as partes (antes da regulação pelo SUS) ostenta índole consumerista, atendendo aos requisitos dos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/90, seja porque subsome-se a autora na ideia de consumidora, já que contratou serviços hospitalares privados, seja porque o réu o prestou no mercado de consumo, mediante remuneração.

IX. Quanto ao pedido de aplicação do princípio da dialeticidade formulado pelo recorrido em suas contrarrazões, nos termos do artigo 932, inciso III do CPC. No Microssistema dos Juizados Especiais, imperam os princípios balizadores previstos no artigo 2º da Lei nº 9.099/95, dentre os quais destaco a simplicidade e informalidade. Assim, ainda que assistida por defesa técnica, eventual imperfeição de ordem técnica, não se submete ao mesmo rigor de uma Vara Cível, já que a norma processual retro é aplicada de forma subsidiária na via eleita. Além do mais, a recorrente juntou vários documentos do hospital, destacando cada um dos pontos que entendeu favoráveis para corroborar seu pedido de reforma da sentença, o que entendo ser suficiente para justificar o novo exame da matéria.

X. Sobre o pedido de indeferimento da justiça gratuita, em que pese o esmero da defesa do recorrido e a condutância dos elementos informativos trazidos, em consulta aos sistemas (restitos) disponíveis aos magistrados, não encontrei elementos a justificar a revogação do benefício concedido pelo juiz singular.

XI. Analisando as provas produzidas, verifico que não restou demonstrada a ocorrência do dano moral alegado pela autora. Isso porque, na verdade, ao contrário do que foi sustentando pela recorrente na peça vestibular e nas razões recursais, o débito negativado é notadamente decorrente de um contrato livremente pactuado entre as partes e não adimplido pela autora, que deixou o cheque que emitiu retornar sem provisão de fundos. No caso em testilha, observo que a autora se dirigiu ao hospital com seu convivente partindo de uma falsa premissa de que lá, embora um hospital particular, fosse credenciado ao SUS e tivesse a opção de atendimento pelo Sistema Único de Saúde.

XII. Na realidade, todos os hospitais ainda que particulares, prestam um trabalho complementar ao Sistema Único de Saúde, dada a magnitude do papel que exercem, buscando o salvamento de vidas. Não obstante o papel complementar, o que a autora buscou obter na prática, foi um atendimento na rede privada custeado pelo SUS de uma pessoa que, ao que tudo indica sequer era cidadão brasileiro, hipótese que não existe.

XIII. Conforme bem destacado pelo recorrido, a autora para obter socorro emergencial para seu convivente norte-americano, mesmo com toda a situação de risco, deveria ter buscado atendimento médico através da rede pública de saúde. Apesar de não ser brasileiro, pelo menos inato, a Lei nº 8.080/90, em seu artigo segundo, prevê a possibilidade de amparo para o estrangeiro através da rede pública de saúde, veja-se: Art. 2º “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.(grifei) De simples conclusão que lei alcança o ser humano em solo brasileiro e não somente o cidadão, a maior prova desse fato é que quando a autora esteve com seu companheiro na UPA do Jardim Itaipu, isso antes de buscar socorro na rede privada através do recorrido, ele foi cadastrado no SUS pelos agentes públicos, conforme cartão acostado no evento nº 12, arquivo 11.

XIV. Assim, não alheio ao sofrimento da recorrente e de seu companheiro, o recorrido embora exerça um papel complementar ao sistema de saúde, não tem autonomia para regular pacientes, agir em nome da União, Estado ou Município. Por esse motivo, somente os agentes públicos, através da rede pública de saúde, é que podem Processo: 5527641-06.2018.8.09.0051 Usuário: Nycolle Araújo Soares – Data: 07/04/2021 13:14:57 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento do Juizado Especial Cível Valor: R$ 38.000,00 | Classificador: OS – SESSAO 07.04.2021 (VIDEOCONFERENCIA) Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Documento Assinado e Publicado Digitalmente em 07/04/2021 12:03:52 Assinado por OSCAR DE OLIVEIRA SA NETO Validação pelo código: 10453568086324623, no endereço: https://projudi.tjgo.jus.br/PendenciaPublica realizar o exame do paciente, definir tecnicamente o seu quadro, verificar eventual fila de espera, definir prioridades e providenciar na rede pública o antedimento necessário, ou, em derradeiro caso, quando da inexistência de vagas ou em casos de alta especificidade, regular o paciente para a rede privada.

XV. Dessa forma, entendo que deferimento dos pedidos exordiais, seria de certo modo uma penalização injusta do réu pela defendida falência da saúde pública ou ainda pela desinformação da recorrente. Se o estado do seu convivente era crítico, e isso não há dúvida porque restou provado, poderia e deveria a autora buscar diretamente o socorro nos hospitais públicos, ou, de forma ainda mais fácil, solicitar apoio do SAMU ou Bombeiros, ambas instituições providas com USA – Unidade de Socorro Avançado, ou seja, ambulâncias providas com estrutura de UTI móvel, com médicos e enfermeiros especializados no atendimento emergencial e com poder de ação em nome do Poder Público.

XVI. Uma vez que a recorrente aceitou a internação de seu convivente na rede privada, assinou 11 (onze) folhas de cheque (pósdatados), conforme cópias acostadas o evento nº 1, arquivo 14, além do recibo acostado no arquivo subsequente, numa espécie de confirmação da dívida entre os dias 19 e 25 de maio de 2015, quando seu marido ainda estava internado pela rede privada, clara está existência do débito e a legitimidade do direito do réu de exercer seus direitos de credor. Além disso, inviável o pleito de anulação do negócio jurídico, pois além da inexistência de provas acerca dos aludidos abusos, impossível o reestabelecimento do status quo ante.

XVII. A conclusão lógica é que o débito era legítimo, a negativação foi lícita, decorrente de mero exercício do direito da credora de exigir o que lhe é devido. Não há indicativos de cobrança pelo recorrido pela internação entre os dias 26 e 31 de maio de 2015, quando o companheiro da recorrente já estava regulado pelo SUS.

XVIII. Na mesma direção, em que pese a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade objetiva decorrente da relação de consumo não exime o consumidor de provar, minimamente, o fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do CPC, ônus do qual não se desincumbiu. A pesar de ter alegado coerção, não trouxe elementos para comprovar a aludida má-fé, ônus de quem alega, pois apenas a boa-fé é presumida. Pelo mesmo princípio, não é cabível a condenação da recorrente por litigância de má-fé, como pretendia o recorrido, pois de igual sorte não provou ter havido a aludida má-fé da recorrente que, ao que tudo indica, agiu por desconhecimento e emoção. Saliento que o período de internação pelo SUS não se sujeita ao CDC.

XIX. Conforme dito, em que pese a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a responsabilidade objetiva da ré, deve o autor trazer ao feito fatos mínimos a constituir o seu direito, conforme preconiza o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Tendo a ré se desincumbido do ônus de provar fato impeditivo do direito da recorrente, consoante art. 373, inciso II do CPC, merece ser mantida a sentença fustigada por seus próprios e por esses fundamentos.

XX. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

XXII. Condeno a recorrente vencida no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que arbitro em 15% sobre o valor atualizado da causa. Fica suspensa a cobrança, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos oralmente estes autos, em que são partes as acima mencionadas, ACORDA A SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS, por sua Terceira Turma Julgadora, à unanimidade de votos de seus membros, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao Recurso Inominado, conforme sintetizado na ementa supra. Votaram, além do relator, os juízes de direito Rozana Fernandes Camapum e Fernando César Rodrigues Salgado.

Goiânia,

7 de abril de 2020.

Assinado digitalmente.

OSCAR NETO,

2º Juiz Relator.

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