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Os desacertos da nova lei sobre crimes de trânsito

Fernando Brandini Barbagalo
Juiz criminal do TJDFT, Mestre em Direito

Nota-se, nos últimos tempos, uma especial predileção do legislador brasileiro em alterar o texto do Código de Trânsito Brasileiro. Recentemente, houve alterações no crime de embriaguez ao volante pela Lei nº 11.705/08 que tanta celeuma causou ao exigir um patamar mínimo para caracterização da embriaguez, fazendo com que apenas os exames periciais servissem de meio de prova para comprovação do delito. A questão era discutida nos tribunais, quando entrou em vigor a Lei nº 12.760/12, dispensando o patamar mínimo e autorizando a comprovação da embriaguez por diversos meios de prova. Uma bobagem, pois todos os meios legais e moralmente aceitos são hábeis para provar a verdade fundante da ação ou defesa (art. 332, CPC).

Agora, passado pouco mais de um ano da última investida, novamente o legislador edita uma lei que altera artigos referentes aos crimes de trânsito. No último mês, foi publicada a Lei nº 12.971/14 que, no aspecto criminal, é uma sucessão espantosa de falhas.

O legislador criou nova modalidade de homicídio culposo na direção de veículo automotor no parágrafo 2º, do art. 302, afirmando que se o homicídio for praticado por quem “conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”, estará sujeito a uma pena de “reclusão de 2 a 4 anos”.

Constata-se que o legislador criou uma diferença que não surtirá qualquer alteração significativa, foi alterada apenas a espécie de pena de detenção (no caput) para reclusão (no parágrafo 2º), o que não quer dizer quase nada.

Tanto o crime culposo apenado com reclusão quanto o apenado com detenção, admitem, indistintamente, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44, I, CP), ou seja, mate-se culposamente (por imprudência, negligência ou imperícia) na direção de veículo completamente embriagado ou totalmente sóbrio, a pena será praticamente a mesma.

Caso não caiba a substituição, a pena de reclusão como a de detenção de até quatro anos começa a ser cumprida, se o réu for primário, em regime aberto (art. 33, § 2º, “c”, CP). Assim, aqueles acidentes graves com mortes causadas por bêbados continuam com uma pena um tanto branda e praticamente idêntica ao homicídio culposo causado por motorista não embriagado.

Mas a pena branda nem é o pior aspecto da lei. Da forma como estruturado o novo tipo penal, há dúvidas se as causas de aumento dispostas no art. 302, § 1º (praticar o crime sem habilitação, na faixa de pedestre ou calçadas etc) podem ser aplicadas ao novo crime, pois, segundo parte da doutrina, a colocação de dispositivo legal define sua abrangência. O comando legislativo penal incriminador colocado no parágrafo primeiro, em regra, só se aplica ao disposto na cabeça do artigo (“caput”), mas não aos dispositivos contidos no parágrafo posterior a ele. Nesse sentido é o entendimento do STJ, pelo menos em relação ao furto (a causa de aumento do § 1º, do art. 155 não se aplica ao furto qualificado, tipificado no § 4º) e ao roubo (as causas de aumento do § 2º, do art. 157, não se aplicam ao latrocínio que está tipificado no § 3º).

Nessa linha, poderá ocorrer o seguinte: se um motorista embriagado atropelar e matar alguém na faixa de pedestre estará sujeito a uma pena máxima de 4 anos de reclusão, mas se estivesse sóbrio estaria sujeito a uma pena de até 6 anos de detenção, pois poderia ser aplicada a majorante (de 1/3 até a ½) do art. 302, § 1º, I, do CTB. Já para o motorista embriagado a mesma majorante poderá não ser aplicada.

A nova legislação também conseguiu a outra proeza de criminalizar duas vezes a mesma conduta. O texto do art. 308 repete parte da redação do art. 302, § 2º, ambos do mesmo Código de Trânsito. Ora, esse novo dispositivo menciona que é passível de punição de reclusão de 2 a 4 anos não só o condutor embriagado como aquele que “participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística, não autorizada”. Pouco abaixo, o caput do art. 308 do mesmo Código de Trânsito criminaliza a conduta de “participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente”, sendo que o § 2º estipula que, “se da prática do crime previsto no caput resultar morte” não intencional, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 a 10 anos.

Ora, é a mesmíssima situação: disputa de “racha” com morte involuntária. Porém, na primeira situação, a pena prevista é de reclusão de 2 a 4 anos, enquanto, na segunda, a pena é também de reclusão, só que agora de 5 a 10 anos. A incoerência da lei é patente.

É triste constatar e contrariar os marqueteiros eleitorais, mas, em se tratando de legislação penal no Brasil, pior do que está sempre pode ficar.

 

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