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O tempo da justiça

Um exemplo da preocupante realidade do Poder Judiciário brasileiro: em 1989, o governador do Rio Grande do Norte ajuizou uma Ação Direta de Constitucionalidade no STF contra dispositivos da Constituição Estadual. No mesmo ano, o plenário Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido de liminar. De lá para cá, a ADI 144, como ficou conhecida, passou pelas mãos de vários ministros e só em fevereiro deste ano foi julgada procedente em parte pelo Pleno do Supremo. Durante todo esse tempo, ficou valendo a liminar deferida, que durou mais de 24 anos.

O fato faz parte do III Relatório do Supremo em Números, divulgado neste em setembro e coordenado pelo professor Joaquim Falcão, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo mostra, entre tantos dados, a gigantesca lentidão entre as decisões liminares e as definitivas de mérito, mas tem como principal objetivo munir os ministros de informações necessárias para o real combate à morosidade da Justiça e para a urgente implementação de medidas que possam acelerar a tramitação de processos na mais alta Corte do Judiciário tupiniquim.

Para aquele que não é do direito e precisa entender a gravidade do fato, que abre a realidade aqui retratada, explico: liminares são decisões provisórias, que têm caráter de urgência e que têm a função de evitar o perecimento do direito. Elas garantem a Justiça até que a decisão definitiva seja proferida. No estudo muito bem elaborado pela FGV, constatou-se que, no caso de ADIs — estas, que questionam a constitucionalidade de uma lei infraconstitucional — a média de vigência de uma decisão liminar é de seis anos. Ou seja, a ação fica sem uma decisão definitiva por todo esse extenso período. Vale dizer, é decisão provisória, quase que o mesmo que Justiça precária, reflexo de uma realidade de milhões e milhões de processos que se avolumam em proporção exponencial.

O estudo expõe, de matéria clara e detalhada, que a lentidão que toma conta dos órgãos da Justiça nos estados alcança também o Supremo Tribunal Federal. Se a impossibilidade do julgamento dentro dos prazos fixados em lei chegou ao Supremo, o que dizer das demais esferas e instâncias do Poder Judiciário?

Nos estados, a sensação de ineficácia e ineficiência é cada vez maior. A realidade em todo o Brasil é grave: falta de juízes e serventuários, acúmulos de processos, descumprimento do princípio da “razoável duração do processo” e a baixa qualidade da prestação jurisdicional comprometem a funcionalidade do equipamento estatal que tem a função de solucionar as controvérsias. Entrar na Justiça é fácil. Mas não é barato e também não se sai dela com a mesma rapidez com a qual se entrou. Quanto ao Supremo Tribunal Federal, urge que seja discutida amplamente sua função como guardião da Constituição Federal, inclusive cogitando-se a hipótese de vir a ser transformado numa Corte Constitucional, sob pena de ele cada vez se perder nesse amontoado de processos cuja solução não passa da análise preliminar.

 

Autor: Miguel Cançado
Advogado, conselheiro federal da OAB por Goiás, membro do Conselho de Comunicação do Congresso Nacional e auditor do STJD

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