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O STJ e a responsabilidade no direito do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) elegeu, como regra, a responsabilidade objetiva (excepcionada no caso da atuação dos profissionais liberais cuja responsabilidade é subjetiva – art. 14, § 4º do código em referência), incidindo a teoria do risco da atividade ou do empreendimento (risco proveito). Isto porque o fornecedor aufere lucros e benefícios de sua atuação devendo assumir os riscos da atividade desenvolvida e eventuais ônus causados ao consumidor, um hipossuficiente por natureza. Afinal todo aquele que fornece produto ou serviço no mercado de consumo cria um risco de dano aos consumidores devendo reparar eventual prejuízo independentemente de dolo ou de culpa. Despiciendo ressaltar que os requisitos da responsabilidade objetiva (dano, fato e nexo causal) devem estar sempre presentes também no universo consumerista.

Sob esse enfoque, o STJ já excluiu a possibilidade de indenização quando ausentes os alegados prejuízos pelo consumidor, afastando, a título de exemplo, o dano moral na falta de ingestão de produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de algum corpo estranho no interior da embalagem, um mero dissabor individual que não justificaria a litigiosidade (REsp 1.395.647/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T, DJe 19/12/2014; AgRg no AREsp 489.325/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T, DJe 04/08/2014 e REsp 1.131.139/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T, DJe 01/12/2010).

Do mesmo modo, a Corte não admite indenização por escolhas pessoais dos consumidores que acarretem mal previsível à saúde, tais como o consumo de bebidas alcoólicas e de tabaco (REsp 1.261.943/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T, DJe 27/02/2012 e REsp 886.347/RS, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, 4ª T, DJe 08/06/2010).

O CDC subdivide os riscos em duas categorias: a) a Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço (acidente de consumo) e b) Responsabilidade por Vícios do Produto ou do Serviço.

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço está prevista nos seus artigos 12 e 14 e se relaciona à violação do dever de segurança legitimamente esperada na relação consumerista visando proteger a incolumidade física e psicológica do consumidor. Tem sua origem no caso “McPherson vs. Buick Motor Co.” julgado no início do século XX (1916) pelo Tribunal de Apelações de New York que decidiu acerca da extensão da responsabilidade de uma fábrica de automóveis considerando que por versarem produtos “perigosos”, o fabricante teria a obrigação de adotar precauções não apenas em relação ao comprador do produto mas também a quaisquer usuários do veículo comercializado, imputando-lhe a responsabilidade por negligência na hipótese de danos a quaisquer terceiros usuários do bem.

Válido mencionar que a inovação tecnológica não está vedada e o produto não pode ser considerado defeituoso quando outro de melhor qualidade é comercializado (art. 12, § 2º, do CDC) sendo, inclusive, comum a limitação nas informações sobre as alterações de estilo dado o sigilo e dinâmica de mercado, próprios da indústria, inclusive da automobilística (REsp 1.330.174/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T, DJe 04/11/2013 e REsp 1.342.899/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T, DJe 09/09/2013).

Pode-se destacar que a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto é afastada quando demonstrado que não colocou o produto no mercado, o defeito inexistir ou ainda se houver culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (art. 12, § 3º do CDC). No que tange ao fato do serviço não há que se falar em responsabilização quando o fornecedor provar que “tendo prestado o serviço, o defeito inexiste” e na hipótese de “culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. O caso fortuito e a força maior também excluem a responsabilidade. Importante diferenciar no que tange aos acidentes de consumo os conceitos de fortuito interno, o qual se relaciona à atividade e aos riscos do empreendimento e do desenvolvimento e não tem o condão de excluir a responsabilidade, do fortuito externo, que não se relaciona com a atividade e, por isso, exclui a responsabilidade (Súmula 479/STJ e REsp 762.075/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T, DJe 29/06/2009).

O ônus da prova no caso de acidente de consumo é do fornecedor (inversão ope legis do ônus probante) diferentemente daquela, a critério do juiz, prevista no art. 6º, VIII, do CDC (inversão ope iudicis) no caso de responsabilidade por vício do produto (art. 18 do CDC).

A 2ª Seção do STJ consolidou o entendimento de que “a inversão “ope judicis” do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas” (REsp 802.832/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 21/09/2011). A inversão do ônus da prova constitui, portanto, regra de instrução, e não de julgamento.

Observe-se o entendimento do STJ no sentido de que a culpa concorrente do consumidor é um mero atenuante e não exclui a responsabilidade do fornecedor. Cite-se por oportuno caso emblemático do consumo do medicamento Survector (REsp 971.845/DF, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, 3ª T, DJe 01/12/2008). O fato de o consumidor não cumprir o atendimento ao recall também não isenta o fornecedor de responsabilidade (REsp 1.010.392/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª T e REsp 1.168.775/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T, DJe 16/04/2012).

Já a responsabilidade por vícios de qualidade ou quantidade, prevista nos artigos 18, 19 e 20 do CDC vincula-se aos produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e defende a incolumidade econômica do consumidor, quando, por exemplo, há uma disparidade em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária), afastando-lhes dos fins pretendidos.

O fornecedor tem o dever de disponibilizar no mercado de consumo produtos e serviços de qualidade, é dizer, inteiramente adequados ao consumo a que se destinam, respondendo objetivamente por eventual falha já que “a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade” (art. 23 do CDC).

Destaque-se precedente do STJ acerca da “maquiagem de produto” e “aumento disfarçado de preços”, por alteração quantitativa do conteúdo dos refrigerantes Coca Cola, Fanta, Sprite e Kuat de 600 ml para 500 ml (REsp 1.364.915/MG, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T, DJe 24/05/2013).

A diferença entre acidente do consumo e vício do produto ou serviço é de suma importância em especial no que se refere ao prazo que deverá prevalecer: os de decadência (art. 26) se referem ao vício enquanto o prescricional de cinco anos (art. 27) ao acidente de consumo. Quando uma TV não funciona há um vício, incidindo o prazo decadencial, contudo se a TV explodir quando ligada ocorre um acidente de consumo, o que atrai a prescrição quinquenal (REsp 967.623/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª, DJe 29/06/2009).

Autora: Fernanda Mathias de Souza Garcia

Pós-graduada em direito romano pela Universidade de Roma II %u201CTor Vergata%u201D e em direito administrativo pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora de direito administrativo do UNICEUB

Correio Braziliense

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