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A lição de tácito

A insegurança jurídica no Brasil, de regra atribuída à inexistância de normas claras, insuscetíveis de interpretações velhacas, ou a vácuos na legislação, é invocada a cada passo para explicar o caos e a incerteza em que se movem os interesses gerais da sociedade. Na verdade, a falta de confiança nas garantias da ordem jurídica deita raízes em causas ainda mais profundas e perniciosas. A arquitetura das instituições brasileiras conspira para semelhante anarquia e imobiliza iniciativas nacionais e estrangeiras. Suscita anemia econômica, que leva o país à rabeira das nações em desenvolvimento. Eterniza a libertação de milhões de cidadãos do analbetismo, das enfermidades, da ociosidade. E os convertem em braços inúteis ao esforço de desenvolvimento, sobretudo pelo efeito da anesteia social distribuída à larga.

Sabe-se que a Constituição, promulgada há 25 anos com nada menos de 250 artigos, engordou, até 31 de janeiro, com 95 emendas. Pelo menos mais 10 estão na pauta do Congresso. A carta, a rigor concebida como contrato social, conforme definição clássica de Jean Jacques Rousseau (1), destina-se a estampar no Estado os fundamentos básicos da sociedade politicamente organizada. Todavia, desde que entrou em vigor, transformou-se em lei ordinária, sujeita a mudanças para acolher conveniências oportunistas.

Vê-se, pois, que a instabilidade do sistema legal começa na Lei Magna, repertório abissal de preceitos aptos a inspirar interpretações à la diable. Um texto gongórico — advirta-se — em que é possível flagrar muitas contradições. Basta uma para dar-lhes certificado irreplicável. O artigo 55, VI, da Carta afirma que “perderá o mandato o deputado ou senador (V e VI) que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. Mas adiante, todavia, estabelece a competência privativa da Câmara e do Senado para cassar mandatos (§ 2º do mesmo artigo).

Se o apenado perde de forma automática o mandato, caso condenado por crime em decisão transitada em julgado, então o plenário da Casa vai despachá-lo do Congresso pela segunda vez, caso promova a cassação. Ou, na hipótese de absolvição, violará o Estatuto Magno e lançará o país em avassaladora crise institucional. Ademais, o art. 15 da Lei Suprema declara que o cidadão, uma vez sentenciado por condenação penal insuscetível de recurso, ficará privado dos direitos políticos. Ora, é evidente que ninguém pode exercer função pública se perder os direitos políticos. Os deputados João Paulo Cunha e Natan Donadon, atingidos pela dupla restrição constitucional (a dos artigos 55 e 15, repita-se) decretada pelo STF, não só permanecem no exercício dos mandatos como recebem a remuneração do cargo e os benefícios adicionais.

A Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787, despontou com apenas sete artigos e, desde, então admitiu 27 emendas. A primeira proíbe o Congresso de legislar “no sentido de estabelecer (…) ou de restringir a liberdade de expressão, ou de imprensa”. Aliás, no Brasil, os atuais gestores do poder há tempos batalham para instituir o “controle social da imprensa”, metáfora de censura prévia a jornais, revistas, tevês, rádios e até mesmo publicações inseridas na internet.

Do retrato aqui está estampado, a principal conclusão é a de que a ordem jurídica vigente no Brasil é um gigantesco complexo de leis inorgânicas e desarticuladas, a partir da Constituição. Vale dizer, ninguém, instituiçõs e pessoas, pode se sentir seguro ante cenário tão devastador. Uma certeza, porém, se impõe e desafia contestação: “Corruptissima republica, plurimae leges”, ensinou Tácito, historiador romano que viveu entre 55 e 120 depois de Cristo. (Tradução: “Quanto mais corrupto o Estado, maior o número de leis”.

Autor: JOSEMAR DANTAS É MEMBRO EFETIVO
DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS (IAB)

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