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Corrupção no país é método de governo, diz ministro do STF

Os movimentos e as decisões jurídicas do ministro Gilmar Mendes são acompanhados de perto pelo governo e pela oposição. Vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e relator das contas da presidente Dilma Rousseff e do PT, ele é, dentro da Corte, um dos principais personagens de um enredo que contará os próximos capítulos da história política do país.

Nas duas últimas semanas, Mendes pediu investigações sobre eventuais irregularidades no financiamento da campanha de Dilma. E votou, com outros três ministros, a favor da continuidade de uma ação do PSDB, que pede a impugnação dos mandatos de Dilma e do vice, Michel Temer. O julgamento foi adiado, mas já existe maioria para manter a ação.
Presidente do Supremo Tribunal Federal entre 2008 e 2010, Mendes recebeu o Correio no gabinete do STF na manhã da última quinta-feira para uma entrevista de 90 minutos. Falou sobre corrupção, processo de cassação da chapa de Dilma, Operação Lava-Jato, acusações de que seria advogado do PSDB, maioridade penal e descriminalização do porte da maconha.

Qual o paralelo entre o mensalão e o petrolão?
Até se diz que, em termo cronológico, o chamado petrolão antecede o mensalão. A rigor, eles são irmãos gêmeos, é claro que o que se percebe no petrolão é que há uma abrangência muito maior, mas também a gente sabe que a investigação que foi julgada no mensalão é uma investigação parcial. A própria CPI, se vocês olharem, disse que fez o trabalho nos limites das forças. Mas ela não tinha tido condições de investigar os fundos de pensão. Agora esse assunto está voltando. Mas se nós olharmos o uso de recursos para atividades políticas para subsidiar forças políticas de apoio e uso de recursos de estatais, nesse sentido acredito, numa perspectiva mais ampla, não se tratar de acidente, mas de um método de governança.

Como assim?
É uma forma de governar, atuar mediante esse tipo de prática.

Mas é uma prática do PT? Do governo Lula para cá?
Do governo que está no poder. Se nós olharmos o que aconteceu com o mensalão, e se olharmos o que significa o petrolão.

Se é uma forma de governança, isso é muito mais grave do que se imagina.
É isso que indica.

E pode resultar também numa situação mais grave do que o mensalão para a presidente?
Todos os indícios levam a crer que se trata de um método de governança. Veja a amplitude, estamos apenas concentrados na Petrobras. Só para vocês terem uma ideia do que isso significa. Os números extrapolam a capacidade de imaginação. Propina para cá, propina para lá, no valor de R$ 500 milhões, de R$ 800 milhões.

A delação e a devolução de recursos mostram isso…
A devolução já chega a quase R$ 2 bilhões. Para vocês terem uma ideia do que isso significa, a campanha da presidente Dilma declarou ter gastado algo em torno de R$ 360 milhões. Isso significa apenas um “Barusco” (Pedro, ex-gerente da Petrobras), nos valores agora do câmbio atual. Veja portanto a dimensão e a gravidade. As campanhas são muito caras, não obstante esse número fica ridículo diante da corrupção.

Com esse volume de recursos, parece claro que não era dinheiro apenas para eleição, não?
Como também não dá para acreditar que no mensalão foi só para isso. É um tipo de conforto espiritual que se concebe para dar uma certa nobreza ao ilícito.

Não dá para dizer então que a presidente não sabia?
Não vou emitir juízo sobre isso. Agora, a mim me parece que é difícil qualquer pessoa que estava em posição de responsabilidade dizer que desconhecia essas práticas. Mas isso deve ser investigado nos devidos processos. E nós estamos falando só da Petrobras, agora recentemente começamos a falar da Eletrobras. Isso é extremamente preocupante. Agora, se ninguém sabe e ninguém viu, precisa ir ao oculista, além de outros sentidos que podem estar perdidos por aí.

Quanto tempo esse processo ainda terá?
Cada instituição tem o seu time. Não é de esperar que essa questão vá se resolver como um processo judicial criminal, transitado em julgado, com decisões. Porque temos um tempo todo especial, no caso de recebimento de denúncias, das decisões, embora o processo da Lava-Jato em primeiro grau esteja andando com celeridade. Temos aí várias condenações, mas algumas investigações no STF ainda estão no início. Depois, virão denúncias, recebimento de denúncias. De modo que é de se esperar que o desfecho venha a se dar em processo judicial num tempo curto.

E em relação aos parlamentares envolvidos? Qual o prazo para se ter um desfecho?
Até agora, temos apenas duas denúncias (Collor e Eduardo Cunha). O restante depende do Ministério Público. Quanto às denúncias, vamos aguardar a defesa, certamente, o relator vai preparar o voto e pedir pauta no plenário. Não tenho ideia de prazo. Certamente, o ministro Teori não pode reclamar de falta de trabalho. Ele é relator de todos esses casos.

Essa corrupção, com tanto dinheiro, ainda lhe assusta?
Certamente. Acho tudo realmente fora dos parâmetros. O que assusta nesse caso do petrolão, e acho que nesse ponto ele é revelador, é que não se trata de uma prática acidental, ou seja, um diretor que foi para lá para fazer um desvio num dado setor da Petrobras. Mas que revela, vamos chamar assim, ainda que impropriamente, uma “filosofia”: é uma relação do agente político com o Estado. Talvez isso decorra até de uma concepção ideológica, de que Estado e partido se confundem. Tem um lastro em determinadas teorias. E a partir daí, há outras justificativas que tornam o crime menor na concepção dessas pessoas. Mas é disso que estamos a falar.

Voltamos, então, ao ponto “modo de governar”…
Isso, e se isso ocorreu em relação à Petrobras, certamente deve ter ocorrido em relação a outras empresas.

A história muda depois da Lava-Jato?
A gente não deve ser pretencioso em relação a isso, mas é uma mudança significativa o que está ocorrendo. Já com o mensalão, é preciso reconhecer, houve uma mudança de paradigmas. Agora, dada a abrangência, tenho a impressão de que os próprios costumes políticos vão sofrer grande impacto. Infelizmente, estamos vivendo um momento de grande crise de liderança política, o que talvez seja, agora, ou daqui a pouco, o momento de discutir modelos de reforma política. É a oportunidade: superar coligações, ver se supera o modelo proporcional ou se adota outro, lista ou não, a própria discussão sobre modelo de governo.

Mas, todas as vezes que se tentou fazer isso, o Congresso não fez…
A crise já está tão acentuada e a se acentuar, que vai obrigar as pessoas a um certo desapego desta hermenêutica do interesse, uma nova compreensão de todo esse processo. Por outro lado, as acusações e as investigações e tudo o que existe em relação ao sistema político quase que levam a uma criminalização da classe política como um todo, independentemente de terem feito algo negativo ou não.

Vivemos período complicado, o presidente da Câmara denunciado, o presidente do Senado, citado. Não é muita gente ocupando cargo de destaque enrolada?
O atingimento de lideranças expressivas leva à dificuldade de ação, como estamos vendo. O governo na defensiva. Lideranças expressivas afetadas pelas próprias acusações por isso, essa enorme dificuldade de ação.

O juiz Moro tem agido com a devida correção?
Temos examinado alguns casos aqui na turma em função das reclamações que vêm em habeas corpus. Concedemos alguns, não foram muitos, mas em geral temos mantido o ato. A avaliação, acredito, é a de que ele tem agido segundo os ritos legais.

No mensalão, não houve prisões preventivas. Hoje, há abusos?
Era um outro quadro. Eram 40 réus. Teve denúncia e não teve pedido de prisão naquele momento inicial pelo próprio procurador-geral. Era um processo que tramitaria integralmente aqui, uma tramitação lenta também, porque primeiro, tem recebimento da denúncia, com toda a solenidade. Agora, o processo corre em primeiro grau. Tem um vulto muito mais significativo, há um juiz que está dedicado de forma exclusiva a esse tema e tem lançado mão da prisão preventiva nos termos do código de processo criminal. Não me parece que só pela prisão em si se possa verificar abusos. A prisão tem determinados pressupostos, a questão do risco de supressão de provas, a continuidade delitiva. Até aqui, pelo menos, o tribunal não tem visto abuso.

O ex-ministro Ayres Brito disse que, no mensalão, o STF rejeitou a denúncia de quadrilha em relação a Dirceu. Ele considerou que agora está claro que existia uma quadrilha. O que pensa disso?
Vocês conhecem meu voto, defendi essa ideia. Inicialmente, vi aquele pedido amplo de abertura de inquérito (do petrolão), trazido pelo procurador-geral basicamente em relação a parlamentares. Isso causa uma certa espécie. Porque, isso no caso do STF, há executivos presos também (em outras instâncias). Mas aqui por que só parlamentares? A maioria do PP. Talvez alguns que seriam receptores de algum tipo de auxílio, em valores que chegam aí a R$ 30 mil, R$ 50 mil. Diante da magnitude de tudo o que se fala, parece algo até singular. Até brinquei com os colegas: esse enredo não entra na Sapucaí. Esses parlamentares se juntaram com os empresários e foram lá à empresa estatal e começaram a retirar recursos de lá?

Quem está faltando para esse enredo entrar na Sapucaí?
Não digo assim. Quer dizer, tem que se explicar como essa operação foi desenhada. Isso precisa ser contado, a gente não pode usar a investigação com conteúdo simbólico, para depois não resultar em algo efetivo. Até chamava a atenção para o debate que tivemos a propósito do Visanet, do Banco do Brasil. Num dado momento, R$ 70 milhões saíram do Banco do Brasil e foram parar nas contas dessas empresas de publicidade, Banco Rural etc. Quer dizer, foi só o Pizzolatto que fez tudo sozinho? Pode ocorrer que um caixa do banco ou um gerente agora simplesmente decida onde coloca alguns recursos, e fica por isso mesmo? Ou, de fato, há uma decisão política que permite?

Está se referindo ao José Dirceu, ao Lula, a quem?
Estou me referindo à necessidade de que isso seja devidamente esclarecido. Não vou emitir juízo sobre pessoas. Só acho que a história não chega a ser um conto infantil se for apresentada assim. Agora, estamos diante de um sistema claramente maior.

Falta um cabeça?
Vocês imaginam que amanhã um parlamentar saia do parlamento e vá a uma empresa estatal, à Caixa ou ao Banco do Brasil e saia de lá com algum contrato?

O ex-presidente Lula é blindado pela popularidade dele?
Não sei, acho que, no sistema atual, é muito difícil invocar-se esse tipo de “blindagem”, mas essa questão tem que ser colocada. No mínimo, esse desenho precisa ser criticamente olhado para que não nos iludamos. E que se respeitem regras básicas de lógica e respeite também a inteligência alheia. É preciso contar a história na sua completude.

O senhor é alvo de críticas do PT na rede social. Isso o incomoda?
De vez em quando, alguém me fala, vejo. Tenho sido alvo de ataques de blogs financiados por estatais, empresas de governo. Todo mundo que é enquadrado como adversário do governo é alvo desse tipo de ataque. Acho que é uma prática flagrantemente ilegal e até facista. Você subsidiar um suposto organismo de mídia para alvejar adversários. Subsidiar com recursos públicos.

No governo Arruda, o senhor falou em “metástase institucional” e cogitou a intervenção federal…
Naquele momento, tínhamos um impasse tal que levava ao envolvimento do governador, o vice-governador, a Câmara Legislativa, havia dificuldades até mesmo de proceder à cassação, o processo de impeachment, daí ter usado aquela expressão forte. E, embora não se tenha chegado a uma intervenção, vamos reconhecer que foi aquela ação de intervenção, proposta pelo (Roberto) Gurgel, o procurador à época, que deflagrou a solução institucional. Ela não foi de fato decidida, mas o fez com que o sistema política buscasse uma solução política. Levou a um acordo e a uma evolução.

O senhor disse que a situação política tende a piorar. Como vê os próximos passos?
Se não houver uma repactuação política, seja como venha a ocorrer, certamente, teremos um agravamento do quadro econômico. Já está se vendo isso, dificuldades de retomada de investimentos, carência de autoridade, digamos para restabelecer uma vida institucional do mercado. Como ficam estas empresas que estão largamente envolvidas no processo? Elas poderão retomar a atividade? A gente vê fotos de navios que estavam a serviço da Petrobras e estão abandonados no mar. Nas cidades onde havia esses projetos de investimentos parados. Então, certamente esse quadro se agrava. Não sabemos também como essas investigações vão se desenvolver, quantas pessoas ainda serão atingidas, de modo a afetar mais esse quadro. Dados também da federação são preocupantes. O quadro do Rio Grande do Sul é conhecido e já se fala de inadimplência também em outros estados.

Como se daria essa repactuação?
Veja, então, os estados e municípios, com a redução da arrecadação, estão sendo impactados. O FPE e o FPM sofrem impacto. A crise social existe. O desemprego está aí. Em suma, acredito que a situação é grave.

Como define esse quadro?
É um quadro extremamente preocupante, e a impressão que a gente tem é que, do ponto de vista político e institucional, estamos vivendo uma hemorragia. E para ter uma imagem, isso precisa cessar, para que possamos retomar.

O atual governo consegue estancar essa hemorragia?
Não vou fazer futurologia, mas o quadro é de imensa dificuldade. O próprio ministro Brito, que é meu amigo, disse que a presidente precisaria se reinventar. Isso é possível? O tempo dará a resposta. Mas a gente sente que a base de apoio está muito tênue e temos então todas essas dificuldades. E algumas medidas precisam ser tomadas por quem tem autoridade.

Quem tem autoridade?
Esse é o grande ponto. As instituições estão deixando de funcionar, muitas delas. Ameaça de greve ou greve efetiva. No Judiciário, já temos esse quadro e com uma certa até agressividade, no MP entre os servidores, entre os auditores de Receita, na Polícia Federal… Estamos vivendo esse quadro de grande instabilidade e que pode agravar o quadro de arrecadação. Por exemplo, com greve na receita, em setores estratégicos. A AGU está numa crise profunda, que afeta a Procuradoria da Fazenda. É preciso ter autoridade e dizer o que é possível e não é possível para esses movimentos reivindicatórios num momento tão delicado. Quem tem condições de fazê-lo?

Dilma perdeu essas condições?
No momento, é evidente que ela não as tem. Se ela vai readquiri-las, essa é uma pergunta que deixo.

Correio Braziliense

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