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Justiça decide pelo afastamento de dirigentes da Defensoria Pública e Governador da Paraíba é conden

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA
6ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL

Processo nº 200.2003.081.704-9
Natureza do feito : Ação Popular
Autor : Jair de Oliveira Soares
Promovido : Governador do Estado – Dr. Cássio Cunha Lima
Litisconsortes passivos : 1º) Francisco Gomes Araújo e 2º) Manfredo Pereira Gouveia Júnior

S E N T E N Ç A

AÇÃO POPULAR – DEFENSORIA PÚBLICA – CARGOS DE CHEFIA – PROVIMENTO – PRIVATIVO DE DEFENSOR PÚBLICO – LEI COMPLEMENTAR FEDERAL – NOMEAÇÃO DE PESSOA ESTRANHA A CARREIRA PROFISSIONAL – ILEGALIDADE – AGENTE PÚBLICO INCAPAZ – INVALIDAÇÃO – NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS – INDENIZAÇÃO DOS VALORES DISPENDIDOS – DEFESA DO ERÁRIO E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE MORALIDADE ADMINISTRATIVA – DEMANDA PROCEDENTE.

– A ação popular é remédio jurídico idôneo para invalidar as nomeações de pessoas estranhas aos quadros de chefia da Defensoria Pública, visto que, Lei Complementar Federal estabeleceu que esses cargos são privativos de Defensor Público, impondo-se assim, por conseguinte, a nulidade dos atos administrativos editados ou praticados pelos beneficiários, pessoas estranhas aos quadros da Defensoria Pública, bem como a indenização em perdas e danos dos valores correspondentes às remunerações efetuadas, velando-se desta forma, pelos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativa, dentre outros, norteadores da Administração Pública. Demanda julgada procedente.

AÇÃO POPULAR – PEDIDO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARGO PÚBLICO – DIREITO INDIVIDUAL SUBJETIVO – INEXISTÊNCIA DE AMPARO LEGAL – DEMANDA QUE PROTEGE O INTERESSE COLETIVO – IMPROCEDÊNCIA.

– Descabe em ação popular pedido de reintegração de posse em cargo público, cuja postulação é de natureza individual, o que afasta a proteção da demanda eleita que tem o escopo de proteger o interesse público. Demanda, neste aspecto, julgada improcedente.

Vistos, etc.

Trata-se de ação popular impugnando a designação de pessoas estranhas aos quadros da Defensoria Pública do Estado da Paraíba para exercerem as funções diretivas de Defensor Público-Geral e de Defensor Público Geral-Adjunto, sob o argumento de que a legislação regedora da matéria reservou os provimentos desses cargos comissionados para membros da carreira profissional da categoria dos Defensores Públicos.

A petição vem instruída com vários documentos necessários ao seu integral conhecimento (fl. 15/45).

Concedida liminar (fl. 46/51).

Deferido pedido de suspensão da liminar concedida (fl. 55/8).

Contestação do Promovido (fl. 65/74).

Manifestação do Tribunal de Contas do Estado (fl. 76/8).

Contestação dos litisconsortes passivos – Francisco Gomes de Araújo (fl.79/96) e Manfredo Guedes Pereira Gouvêa Júnior (fl. 144/157).

Impugnação (fl. 162/176).

Intimação para especificação de provas (fl. 179v), sem que as partes se pronunciassem (fl. 181), exceto Manfredo Guedes Pereira Gouvêa Júnior, pela desnecessidade, por entender tratar-se a causa de matéria de direito (fl. 180).

Parecer ministerial pela rejeição das preliminares e no mérito pela procedência da ação (fl. 186/192).

Relatado. Decido.

PRELIMINARMENTE

Examinando o cerne da controvérsia destes autos, vê-se que, o mérito da causa por ser exclusivamente de direito, possibilita assim, o seu integral conhecimento e a conseqüente desinfluente produção de novas provas para sua noção e deslinde.

Em conseqüência deste posicionamento adotado, impõe-se sua ciência direta para fins decisórios, conquanto estão presentes às condições que ensejam o seu julgamento antecipado, nos termos do art. 330 do Código de Processo Civil.

Nesse sentir :

“Presentes às condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder” (STJ – 4ª Turma, REsp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 17.9.90). No mesmo sentido : RSTJ 102/500, RT 782/302.

“O julgamento antecipado da lide, quando a questão proposta é exclusivamente de direito, não viola o princípio constitucional da empala defesa e do contraditório” (STF – 2ª Turma – AI 203.793-5-MG, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 3.11.97, DJU 19.12.97, p. 53)

“Pode haver o julgamento antecipado da ação popular, desde que obedecidas as condições exigidas pelo art. 330, inc. I, do CPC” (STJ-1ª Turma, REsp 97.308-MT, rel. Min. Garcia Vieira, j. 19.2.98, DJU 20.4.98).

Ante o exposto, com suporte no art. 330, I, do Código de Processo Civil, decido julgar antecipadamente a presente causa.

DA LEGIMITIDADE AD PROCESSUM ATIVA

O art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal assegura:

“Art. 5º …
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

A Lei nº 4.717/65, que regula a ação popular, estabelece como requisito elementar que “a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda”.

A inicial se encontra instruída com o documento hábil à preencher o requisito da legitimidade preceituada (fl. 16).

DAS PRELIMINARES SUSCITADAS

a) DA PERDA DO OBJETO DA AÇÃO

O Promovido e os Litisconsortes Passivos argúem em preliminar, a perda do objeto da ação em razão da edição da Lei Complementar Estadual nº 48, de 24 de abril de 2003, que promoveu modificações na Lei Complementar nº 39/2002.

A Lei Complementar Estadual nº 39/2002, preceituava que:

“Art. 10 – A Defensoria Pública Geral é dirigida pelo Defensor Público Geral, nomeado pelo Governador, entre os membros da ativa da Defensoria Pública, em final de carreira”

“Art. 16 – A Corregedoria da Defensoria Pública é o órgão de fiscalização, disciplinamento e orientação das atividades funcionais integrantes da carreira, e dirigida por um Defensor Público Especial eleito juntamente com o Defensor Público Geral e o Defensor Público Geral Adjunto, a partir do segundo mandato”

A nova Lei Complementar nº 48/2003, implementou nova redação aos referidos dispositivos:

“Art. 10 – A Defensoria Pública Geral é dirigida pelo Defensor Pública Geral, nomeado juntamente com o Defensor Público Geral Adjunto, pelo Governador do Estado.

Art. 16 – A Corregedoria da Defensoria Pública é órgão de fiscalização, disciplinamento e orientação das atividades funcionais dos integrantes da carreira, e dirigida pelo Corregedor.

A novel legislação local deixou de exigir que o Defensor Público-Geral e o Adjunto fossem cargos privativos de membros da Defensoria Pública, é o que se depreende do cotejo das redações dos referidos artigos.

Pretendem assim, sugerir que houve perda de objeto da ação porque a legislação estadual não mais impõe que os dirigentes da Defensoria Pública sejam membros desta categoria profissional, o que legitimaria os provimentos dos atos dos Litisconsortes Passivos, pessoas estranhas aos quadros daquela Entidade.

Entrementes, a exordial está gizada, principalmente, na Lei Orgânica da Defensoria Pública, a Lei Complementar Federal nº 80/94, cujo art. 99, prescreve:

“Art. 99 – A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre os integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos, na forma disciplina pela legislação estadual”.

Como se vê, a recente norma estadual supramencionada não esgotou a causa centrada nesta ação, conquanto a exigência da privatividade para o exercício dos cargos de Defensor Público-Geral da Defensoria Pública e de Adjunto, é uma exigência de uma Lei Maior, a regedora da Organicidade da Defensoria Pública.

O fato da nova Lei Estadual não mencionar que os cargos mencionados são privativos de membros da Defensoria Pública foi apenas para não ser redundante, visto que, é uma condição estabelecida pela Lei Complementar Federal, norma superior à qual está submissa.

Diante do exposto, é desprovida de densidade jurídica a pretensiosa preliminar de perda de objeto desta demanda.

Ante o exposto, REJEITO A PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO DA AÇÃO.

b) DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO

Os Litisconsortes Passivos postulam, em preliminar, a suspensão do processo em virtude da impetração do mandado de segurança nº 2003.000.057-4, que tem como relator o eminente Desembargador João Antônio de Moura, invocando para tanto, o art. 265, inciso IV, letra “a” do Código de Processo Civil, sob o pálio de que a sentença desta dependeria do julgamento daquele.

Aqui, um aclaramento da situação processual proclamada pelos Litisconsortes. Primeiro, os autores do mandamus não são os mesmos desta ação popular e a causa de pedir são distintas e diferentes uma da outra.

No writ os impetrantes buscam o direito subjetivo da reintegração nos cargos de Defensor Público-Geral e Adjunto da Defensoria Pública, são, portanto, direitos individuais em causa própria.

Nesta ação popular, o autor, pessoa que não figura no mandamus tem o seu pedido mais amplo, porquanto visa a decretação da nulidade dos atos de provimentos para os referidos cargos que têm os Litisconsortes Passivos, os seus beneficiários.

Uma decisão não tem nada haver com a outra, conquanto são independentes e com objetos diversos.

E mais, a citada ação de mandado de segurança quando do seu julgamento pelo Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba, na sessão pública do dia 08 de outubro de 2003, NÃO FOI CONHECIDA.

O não conhecimento pelo E. Tribunal de Justiça é fato público e notório (art. 334, inciso I, do Código de Processo Civil).

Assim, afora a diversidade de causas de pedir, o julgamento projetou a prejudicidade da suposta dependência processual.

Ante o exposto, REJEITO A PRELIMINAR SUSCITADA.

c) DA LITISPENDÊNCIA

Os Litisconsortes Passivos procuram enxergar a configuração do pressuposto processual negativo da litispendência pelo fato da impetração do mandamus acima referido e da presente ação popular.

O art. 301, XI, § 3º do Código de Processo Civil, define o instituto da litispendência “quando se repete ação, que está em curso”.

Como já foi explanado acima, o objeto da ação mandamental é a proteção de direito individual subjetivo de reintegração aos cargos mencionados pelos impetrantes, enquanto nesta ação popular o pedido é mais amplo, pois, visa a decretação da invalidação dos atos que favoreceram os Litisconsortes.

Ademais, o writ não foi conhecido pelo E. Tribunal de Justiça da Paraíba, conforme já esclarecido acima, o que gera prejudicidade a tese esposada.

Ante o exposto, REJEITO A PRELIMINAR.

NO MÉRITO

O cerne da controvérsia desta demanda é saber se os cargos de Defensor Público-Geral e de Adjunto da Defensoria Pública são privativos de membros da Defensoria Pública.

Isso porque, os atuais dirigentes da Defensoria Pública que foram nomeados pelo Governador do Estado são bacharéis em Direito, mas fora aos quadros da Defensoria Pública. Eles não são Defensores Públicos, conforme demonstram os autos. Este é o ato impugnado pela ação popular.

Isso porque, nos termos do art. 302 do Código de Processo Civil, cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumindo-se verdadeiros os fatos não impugnados.

A condição de serem os Litisconsortes Passivos pessoas estranhas aos quadros da Defensoria Pública não foi objeto de impugnação nas peças contestatórias.

A Constituição Federal ao tratar das funções essências à Justiça, no seu Capítulo IV, Seção III, no qual está inserido o art. 134, preconiza verbo ad verbum:

“Art. 134 – A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreiras, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”.

Em atendimento ao comando constitucional foi editada a Lei Complementar Federal nº 80/94, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências, entre elas:

Art. 1º A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei.

Art. 2º A Defensoria Pública abrange:

I – a Defensoria Pública da União;
II – a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
III – as Defensorias Públicas dos Estados.
Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Título IV

DAS NORMAS GERAIS PARA A ORGANIZAÇÃO
DA DEFENSORIA PÚBLICA DOS ESTADOS

Capítulo I

DA ORGANIZAÇÃO
Art. 97. A Defensoria Pública dos Estados organizar-se-á de acordo com as normas gerais estabelecidas nesta Lei Complementar.

Art. 98. A Defensoria Pública dos Estados compreende:
I – órgãos de administração superior:
a) a Defensoria Pública-Geral do Estado;
b) a Subdefensoria Pública-Geral do Estado;
c) o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado;
d) a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado;
II – órgãos de atuação:
a) as Defensorias Públicas do Estado;
b) os Núcleos da Defensoria Pública do Estado;
III – órgãos de execução:
a) os Defensores Públicos do Estado.

Seção I
Do Defensor Público-Geral e do Subdefensor
Público-Geral do Estado

Art. 99. A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos, na forma disciplinada pela legislação estadual.

§ 1º O Defensor Público-Geral será substituído em suas faltas, licenças, férias e impedimentos pelo Subdefensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre os integrantes da carreira, na forma da legislação estadual.

Como se vê, é a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, complementando a Constituição Federal, que estabelece dentre as regras gerais, a reserva legal da Chefia da Defensoria Pública privativa de membro integrante do quadro da carreira com idade maior de trinta e cinco anos, ou seja, um Defensor Público.

O imperativo constitucional outorgando à lei federal complementar “as normas gerais para organização da Defensoria Pública nos Estados” derivou o regramento cogente de que “A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre os integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos”.

Afigura-se assim, que a Constituição Federal autorizou a Lei Complementar na sua extensão normativa disciplinar a Defensoria Pública, cuja supremacia legislativa deve ser respeitada pelos Estados na organização de suas Defensoria, tais como, que a Entidade seja dirigida por um membro da sua categoria.

Ademais, o art. 2º da mencionada Lei define que a Defensoria Pública “abrange as Defensorias Públicas dos Estados”.

Com efeito, cabem aos Estados em obediência ao art. 25 da Carta Magna observar os princípios nela estabelecidos, na qualidade de Estados Federados:

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.

As normas gerais destinadas à Defensoria Pública são de índole constitucional, emergidas da Lei Maior que foi complementada por Lei na forma por ela prevista, resultando assim, na sua soberania jurídica diante de outras leis, a exemplo das estaduais, quer sejam complementares ou ordinárias.

Portanto, é uma norma complementar superior que adotou como requisito basilar que os cargos de Defensor Público-Geral e de Adjunto sejam privativos de membros da Defensoria Pública com mais de trinta e cinco anos de idade.

A nomeação ou exoneração dos cargos comissionados pelo Chefe de Poder, no caso o Governador de Estado, é pessoal e da sua livre escolha, mas dentre os membros da Defensoria Pública com mais de trinta e cinco anos de idade.

Mutatis Mutandis – os cargos de direção Ministério Público são privativos dos membros dessa Instituição, igualmente, essencial à Justiça como a Defensoria Pública.

A propósito, o atual Governador do Estado intentou Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 2829 MC/PB, que teve a relatoria do ilustre ministro Ilmar Galvão proferindo o seguinte despacho:

“Vistos, etc. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado da Paraíba, tendo por objeto expressões constantes dos arts. 10; 16; 27, IV; e 95, todos da Lei Complementar estadual n.º 39, de 15 de março de 2002, que dispôs sobre a organização da Defensoria Pública paraibana.

Alega o requerente que as regras impugnadas, ao limitar sua faculdade de escolha dos cargos de Defensor Público-Geral do Estado e de Defensor Público Corregedor, contrariam os art. 37, II e V; bem como o art. 84, I e XXV; da Constituição Federal. Registre-se, de início, que a lei complementar paraibana foi editada tendo em vista o disposto no Título IV da Lei Complementar federal n.º 80/94, que instituiu normas gerais a serem observadas pelos Estados na organização de suas Defensorias Públicas.

Tal diploma normativo, em seus arts. 99 e 104, dispõe que os Defensores Públicos-Gerais dos Estados e os Defensores Públicos Corregedores devem, necessariamente, integrar os quadros da Defensoria Pública Estadual, fixando, inclusive, mandato de dois anos para os Corregedores. Assim, sendo a lei complementar federal de observância compulsória pelos Estados, a impugnação de normas locais que a reproduzem configura medida inócua, uma vez que seus preceitos permaneceriam em vigor independentemente da sorte dos correspondentes estaduais.

Por outro lado, o inciso IV do art. 27 da Lei Complementar n.º 39/2002, ao atribuir ao Conselho Superior da Defensoria Pública paraibana a eleição do Defensor Público-Geral, do Defensor Público-Geral Adjunto e do Corregedor da Defensoria Pública, extrapola os limites fixados pelo modelo federal, retirando do Chefe do Executivo estadual sua prerrogativa de escolha dos titulares de tais cargos, em violação aos incisos I e II do art. 84 da Carta da República.

Desse modo, defiro, ad referendum do Plenário, a medida cautelar pleiteada, tão-somente para suspender, até julgamento final da presente ação direta, a eficácia do inciso IV do art 27 da Lei Complementar n.º 39, de 15 de março de 2002, do Estado da Paraíba. Comunique-se, com urgência, solicitando informações. Publique-se.Em 24 de janeiro de 2003. Ministro ILMAR GALVÃO Vice-Presidente (art. 37, I, do RI/STF).”

Dessa manifestação judiciosa sobressai a orientação do eminente Ministro da observância compulsória da Lei Complementar Federal nº 80/94 pelos Estados no preenchimento dos cargos diretivos da Defensoria Pública.

Ademais, a concessão da liminar foi pontual, apenas, para sustar o critério de escolha pelo Conselho Superior da Defensoria, o que afetaria o poder discricionário do Governador do Estado.

Vislumbrando um desfecho desfavorável, o Governo do Estado desistiu da aludida ação sob o pretexto de prejudicidade decorrente da alteração legislativa.

Evidente que foi um reconhecimento tácito de um futuro insucesso, conquanto os dispositivos alterados em nível estadual foram preservados no substancioso despacho monocrático, conforme se vê numa leitura superficial.

No que se refere a hierarquização das leis, assinale-se pelo alcance jurídico, o argumento iluminado do jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, expondo que:

“É de se sustentar, portanto, que a lei complementar é um tertium genus interposto, na hierarquia dos atos normativos, entre a lei ordinária (e os atos que têm a mesma força que esta – a lei delegada e o decreto-lei (hoje medida provisória) e a Constituição (e suas emendas).

Não é só, porém, o argumento de autoridade que apóia essa tese; a própria lógica o faz….a lei ordinária, o decreto-lei (a medida provisória) e a lei delegada estão sujeitos à lei complementar, em consequência disso não prevalecem contra elas, sendo inválidas as normas que a contradisserem”.

A parla de relevante análise e oportunização, é a invocação do postulado inserido na Constituição Federal no seu art. 37, senão vejamos:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”

O princípio da legalidade foi violado pelos atos de provimentos dos cargos mencionados quando desatendeu a Lei Complementar Federal nº 80/94, pela nomeação pessoas sem os requisitos e qualificação profissional indispensável para os mesmos, numa afronta direta à norma constitucional derivada.

Configura-se assim, um desvio de finalidade quando o Promovido atuando nos limites de sua competência praticou atos por motivos e fins diversos dos objetivados pela lei e exigido pelo interesse público.

Ensina Hely Lopes Meirelles que desvio de finalidade “é a violação ideológica da lei, a sua violação moral, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal”.

A lei regulamentadora da ação popular (Lei nº 4.717/65) consigna o desvio de finalidade como vício nulificador do ato administrativo lesivo ao patrimônio público e o considera caracterizado quando “o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência” (art. 2º, “e”, e parágrafo único, “e”).

Arremata o renomado jurista “com essa conceituação legal, o desvio de finalidade entrou definitivamente para nosso Direito Positivo como causa de nulidade dos atos da Administração”.

Dissertando sobre ato nulo, o mestre do Direito Administrativo leciona que “é aquele que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo e que o ato é ilegítimo ou ilegal e não produz qualquer efeito válido entre as partes, pela evidente razão de que não se pode adquirir direitos contra a lei” (STF, RDA 38/259, 51/274; RT 227/602, 258/591; TASP, RT 299/518).

Preleciona ainda, que “a sua declaração de invalidade opera ex tunc, isto é, retroage às suas origens e alcança todos os seus efeitos passados, presentes e futuros em relação às partes”.

Sobreleva ressaltar que o ato jurídico perfeito é aquele que reúne todos os elementos necessários à sua exeqüibilidade ou operatividade, apresentando-se apto a produzir seus regulares efeitos.

É cediço na vida acadêmica forense que o ato jurídico perfeito requer “agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei” (art. 104 do Código Civil).

A resultante da nomeação de administradores desatendendo aos requisitos estabelecidos pela Lei Complementar Federal nº 80/94, é que os atos por eles praticados qualificam-se emanados de agentes incapazes, portanto, nulos de pleno direito.

Essa nulidade contamina todos os atos administrativos por eles editados ou realizados, desde a nomeação e posse nos cargos privativos de Defensor Público.

Os beneficiários são “agentes incapazes e desprovidos de qualificação profissional” de realizarem atos jurídicos perfeitos, porque suas designações foram ilegais e irregulares.

Saliente-se, por oportuno, que é norma cogente: “os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos” (Art. 4º da Lei nº 8.429/92)

Ao incorrer no cometimento da ilegalidade de nomear pessoas de forma afrontosa à Lei Complementar Federal nº 80/94, o Promovido desrespeitou o princípio da moralidade administrativa traduzida no significado de “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (art. 2º, parágrafo único, IV, da Lei 9.84/99), relegada pela conduta deliberada de contrariar à ordem jurídica.

DO CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR

A Lei nº 4.717/65, que regula a ação popular, no seu art. 2º considera que “são nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: c) ilegalidade do objeto, que ocorre quando o resultado do ato impugnado importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo, e e) desvio de finalidade, que se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência”.

No caso em tela, os atos impugnados importaram em violação direta à lei e foram praticados visando fim diverso daquele previsto na regra de competência legislativa, norma dotada de supremacia sobre as demais pela autorização constitucional para sua implementação definidora dos princípios gerais disciplinadores da organização da Defensoria Pública nos Estados.

Ao depois, é importante mencionar que a ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio público.

O art. 11 da referida Lei preceitua que “a sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele”, de modo que, a lesividade provém da ilegalidade cometida.

Aqui, os atos de nomeações estão sendo invalidados e os atos administrativos praticados pelos beneficiários decretados nulos em razão de terem sido realizados por agente incapaz proveniente da violação da norma para o provimento dos cargos já referidos.

Assim sendo, a causa de pedir tem previsão legal na ação eleita, que é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade sendo utilizado por um de seus membros em prol dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, entre eles a legalidade e a moralidade administrativa.

Por fim, ressalte-se a manifestação jurisprudencial consagrada no invalidamento de ato administrativo por ofensa à ordem jurídica, que têm nos Julgados, a seguir transcritos, a melhor interpretação para a justa aplicação da lei de ação popular, que estão assim redigidas:

AÇÃO POPULAR – Interposição sob o fundamento da ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública – Admissibilidade – Cabimento da ação que não está jungido à ocorrência de prejuízo material aos cofres públicos, pois também pode ser intentada quando presente lesão ao patrimônio moral, cultural e histórico do Poder Público – Inexistência de ofensa ao art. 5º, LXXIII, da CF.

– A admissibilidade da ação popular não está jungida à ocorrência de prejuízo material aos cofres públicos, pois também pode ser intentada quando presente lesão ao patrimônio moral, cultural e histórico do Poder Público, razão pela qual não ofende ao art. 5º, LXXII, da CF, o entendimento de que para o cabimento da ação popular basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública”. ( STF – RE 170.768-SP – 1ª Turma – j. 26.03.1999 – rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 13.08.1999 – RT 769/146).

“AÇÃO POPULAR. ATOS LESIVOS. ANULAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES DE SERVIDORES MUNICIPAIS. RESSARCIMENTO. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DOS RESPONSÁVEIS E RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. LEI 4.717/65. CÓDIGO CIVIL, ART. 158, SÚMULAS 7/STJ, 282 e 356/STF.

– A palma da demonstração de lesividade e, anulado o ato malsinado, o ressarcimento é conseqüência inafastável, obviando-se a restituição dos valores indevidamente recebidos, com os acréscimos estabelecidos e consectários legais. Recurso improvido” (STJ – REsp nº 10.338-SC – 1ª Turma – DJU 14.10.1996 – rel. Min. Milton Luiz Pereira).

Como se vê, a ação popular é remédio jurídico que pode se utilizada como meio preventivo ou repressivo e, nesta segunda forma, possível é a decretação da indenização para reparação do dano causado ao erário, cuja previsão está determinada pelo seu art. 11.

Diante de tudo que foi exaustivamente debatido, cotejado e interpretado, não resta outra alternativa para uma decisão exclusivamente judiciosa, senão a procedência desta ação acolhendo a nulidade perquirida com seus naturais efeitos jurídicos.

D E C I S Ã O

À amostra do que foi claramente exposto, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, combinado com o art. 2º, letras “c” e “e”, e 11 da Lei nº 4.717/65, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, A DEMANDA para decretar a invalidação dos atos de nomeações de FRANCISCO GOMES DE ARAÚJO e MANFREDO PEREIRA GOUVEIA JÚNIOR, publicados no Diário Oficial do Estado, edição de 02/01/2003, para os cargos de Defensor Público-Geral e Defensor Público-Geral Adjunto, ambos da Defensoria Pública do Estado da Paraíba, como também, decretar a nulidade de todos os atos administrativos realizados ou editados, desde o momento de suas posses nos referidos cargos, por eles beneficiários-litisconsortes praticados nos exercícios das mencionadas funções públicas indevidas.

Condeno ainda, o Promovido, responsável pelos atos designatórios, e os Litisconsortes Passivos, beneficiários dos atos invalidados, ao pagamento de perdas e danos de todos os valores dispendidos com as remunerações dos favorecidos, a partir de suas posses até os seus desligamentos das mencionadas funções públicas, sendo 40% (quarenta por cento) do montante em desfavor do Promovido e o restante a ser dividido em partes iguais para os beneficiários, na forma da lei.

Condeno também, o Promovido e os Litisconsortes Passivos, no pagamento das despesas judiciais e verba advocatícia no percentual de 10% do valor da causa.

Por outro lado, com base no art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCENTE, EM PARTE, A DEMANDA referente ao pedido de reintegração de posse nos cargos de Defensor Público-Geral e Defensor Público-Adjunto, em favor de Élson Pessoa de Carvalho e Marcus Antônio Gerbasi, por ser pedido de interesse individual não contemplado pela via eleita.

Afora isso, tendo em vista o expediente do Consultor Jurídico do Tribunal de Contas do Estado (fl. 76), declarando o seu desinteresse neste feito, remeta-se cópia desta decisão e cópia dos documentos necessários, para o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, para fins de direito no pleno exercício de suas atividades institucionais.

CONCESSÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ESPECÍFICA

Nos termos do art. 461 do Código de Processo Civil e considerando a relevância dos fundamentos da presente manifestação judiciosa definitiva, bem ainda, para evitar a continuada realização de atos nulos em detrimento do interesse do Poder Público e crescente dano ao erário pela realização de despesas irregulares com o pagamento dos vencimentos aos beneficiários, CONCEDO OS EFEITOS DA TUTELA ESPECÍFICA para decretar a invalidação incontinenti das nomeações impugnadas, suspendendo o exercício funcional deles, sob pena, de nos termos do art. 461, §§ 4º e 5º, do Código de Processo Civil, aplicação de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) ao Promovido, por cada dia de exercício indevido nas funções públicas aludidas dos beneficiários na hipótese de descumprimento desta decisão, sem prejuízo de encaminhamento de representação perante o Órgão competente para fins de apuração da conduta típica descrita pelo art. 11, II, da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), visto que, é dever de todo agente público velar pela legalidade.

Inocorre no caso em tela, a vedação legal contida na Lei nº 9.494/97, conquanto não se trata de reclassificação ou equiparação de servidores, ou a concessão de aumento ou extensão de vantagens, bem ainda, pagamento de vencimentos atrasados ou vantagens pecuniárias.

Sobre a concessão da tutela especifica na prolação da sentença, esta tem sido a orientação jurisprudencial:

“A tutela antecipada pode ser concedida na sentença ou, se omitida a questão anteriormente proposta, nos embargos de declaração”(STJ-4ª Turma, REsp 279.251-SP, rel. Min. Ruy Rosado, j. 15.2.01 – DJU 30.4.01 p. 138). No mesmo sentido: RSTJ 156/369).

De modo que, intime-se o Promovido, na pessoa do seu representante legal, pessoalmente, para cumprimento imediato desta decisão.

P.R.I.

João Pessoa, 16 de dezembro de 2003.

Aluizio Bezerra Filho
Juiz de Direito