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Justiça decide que multa tributária superior a 20% tem efeito confiscatório

A multa tributária superior a 20% não é adequada como efeito sancionatório e tem, na verdade, efeito confiscatório e viola o princípio da proporcionalidade. Essa foi a posição da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, do Juiz Luis Manuel Fonseca Pires, ao julgar procedente o pedido para reduzir o percentual da multa cobrada em um auto de infração tributária.

Veja trechos da sentença proferida pelo MM. Juiz da 3ª. Vara Fazendária de São Paulo:

“Cuida o mérito em saber se é válida a multa aplicada em sua totalidade.

O Supremo Tribunal Federal admitiu multa de 20% sobre o tributo ao argumento de não ter este percentual o indesejável efeito confiscatório (RE 582.461) foi dito:

1.Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Taxa Selic. Incidência para atualização de débitos tributários. Legitimidade. Inexistência de violação aos princípios da legalidade e da anterioridade. Necessidade de adoção de critério isonômico. No julgamento da ADI 2.214, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 19.4.2002, ao apreciar o tema, esta Corte assentou que a medida traduz rigorosa igualdade de tratamento entre contribuinte e fisco e que não se trata de imposição tributária. 3. ICMS. Inclusão do montante do tributo em sua própria base de cálculo. Constitucionalidade. Precedentes. A base de cálculo do ICMS, definida como o valor da operação da circulação de mercadorias (art. 155, II, daCF/1988, c/c arts. 2º, I, e 8º, I, da LC 87/1996), inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação. A Emenda Constitucional nº 33, de 2001, inseriu a alínea “i” no inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, para fazer constar que cabe à lei complementar “fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”. Ora, se o texto dispõe que o ICMS deve ser calculado com o montante do imposto inserido em sua própria base de cálculo também na importação de bens, naturalmente a interpretação que há de ser feita é que o imposto já era calculado dessa forma em relação às operações internas. Com a alteração constitucional a Lei Complementar ficou autorizada a dar tratamento isonômico na determinação da base de cálculo entre as operações ou prestações internas com as importações do exterior, de modo que o ICMS será calculado “por dentro” em ambos os casos. 4. Multa moratória. Patamar de 20%. Razoabilidade. Inexistência de efeito confiscatório. Precedentes. A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos. O acórdão recorrido encontra amparo na jurisprudência desta Suprema Corte, segundo a qual não é confiscatória a multa moratória no importe de 20% (vinte por cento). 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento[1].

 

A doutrina reconhece que é preciso haver limites à imposição de multas tributárias, sob pena de violar-se o princípio da vedação ao confisco. Diz Luciano Amaro:

No campo das sanções administrativas pecuniárias (multas), é preciso não confundir (como faz, frequentemente, o próprio legislador) a proteção ao interesse da arrecadação (bem jurídico tutelado) com o objetivo de arrecadação através da multa. Noutras palavras, a sanção deve ser estabelecida para estimular o cumprimento da obrigação tributária; se o devedor tentar fugir ao seu dever, o gravame adicional representado pela multa que lhe é imposta se justifica, desde que graduado segundo a gravidade da infração. Se se tratar de obrigação acessória, a multa igualmente se justifica (pelo perigo que o descumprimento da obrigação acessória provoca para a arrecadação de tributos), mas a multa não pode ser transformada em instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos[2].

De modo similar, Paulo César Bária de Castilho:

Num Estado Democrático de Direito, devidamente fundamentado no art. 1º da nossa Carta Política, não há espaços para confisco, seja de que ordem for, tributária ou não. As multas tributárias não refogem a isso[3].6

 

No entender do ilustre Sanha Coelho, a multa exacerbada que excede os limites da razoabilidade, é confiscatória e, portanto, inconstitucional. Vejamos seus ensinamentos sobre o tema: “(…) uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações lícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. Este só poderá se efetivar se e quando atuante a sua hipótese de incidência e exige todo um processus. A aplicação de uma medida de confisco é algo totalmente diferente da aplicação de uma multa. Quando esta é tal que agride violentamente o patrimônio do cidadão contribuinte, caracteriza-se como confisco indireto e, por isso, é inconstitucional” (Teoria e prática das multas tributárias, p. 67)[4].

………..

Neste contexto, entendo ser o princípio da proporcionalidade, norma-constitucional implícita no sistema jurídico-constitucional pois nenhuma ordem jurídico-democrática pretende ser desproporcional , orientação adequada em busca da definição de limites à prescrição de multas tributárias. As medidas elaboradas pelo fisco em especial, as multas tributárias devem atender à proporcionalidade, é dizer, precisam ser adequadas e necessárias. Existe adequação quando há um nexo de pertinência lógico entre o motivo, o meio e a finalidade da norma. A necessidade é atendida se é imposta uma medida compatível à situação ao se considerar que não há outro recurso válido ao mesmo efeito almejado.

No caso em particular entendo haver violação à adequação subpostulado do princípio da proporcionalidade.

Lembre-se, com Virgílio Afonso da Silva, que “A diferença entre o exame da necessidade e o da adequação é clara: o exame da necessidade é um exame imprescindivelmente comparativo, enquanto o da adequação é um exame absoluto”[5] .

É neste exame ‘absoluto’ quer dizer, confinado em si que me parece ser possível perceber que multas que isoladamente ultrapassam o percentual de 20% não se mostram adequadas à repreensão por violação de obrigações tributárias principais e acessórias. Pois acima deste percentual não se pode simplesmente justificar em um país com economia estável, que se atinja um desestímulo maior ao cometimento da infração do que se alcança com os 20%. Não é o aumento do percentual um elemento apto a evitar a infração.

Em outras palavras, se a sanção administrativa em 20% e a multa tributária é uma espécie de sanção administrativa não é suficiente a evitar a prática da infração que autoriza a sua incidência, então não o é a multa de 30, 40, 50% ou mais a consequência suficiente a garantir a absoluta submissão dos contribuintes aos deveres tributários.

Isto porque qualquer norma jurídica pressupõe a possibilidade de sua violação. O seu descumprimento é natural porque em qualquer sistema cultural as normas não esperam alijar integralmente qualquer comportamento infrator. Tipificam-se situações como condutas ilícitas, prescrevem-se as respectivas sanções, mas o ilícito permanece sempre possível e em alguma intensidade recorrente. Enfim, seja qual for o percentual da sanção, infrações continuarão a ser cometidas.

Por isto, o critério a definir a multa confiscatória não pode ser a esperança (equivocada) de que infrações tributárias desapareçam. O critério deve ser a identificação de um valor que considere a realidade sócio-econômica do país de modo a não servir a multa para além da reprimenda à infração tributária, isto é, um valor que além da reprovação ainda implique inviabilizar ou significativamente abalar o patrimônio do contribuinte por sua representação em relação ao valor de sua atividade tributável.

À mingua de outros critérios no sistema jurídico, entendo ser o percentual de 20% um quinto do valor da atividade tributável!, o que não é pouco quantia adequada a repreender pelo cometimento da infração. O que talvez seja preciso é uma fiscalização mais eficiente, apta a apurar em um percentual mais satisfatório as ocorrências de violações de conduta. Mas quanto à sanção em si, mais do que 20% não é adequado como efeito sancionatório poderia ser para efeito confiscatório , portanto, acima deste percentual viola-se o princípio da proporcionalidade.

Por consequência, as multas devem ser reduzidas ao percentual de 20%.”

1056584-13.2020.8.26.0053-SP

[1] Supremo Tribunal Federal. RE nº. 582461. Min. Relator Gilmar Mendes. J.: 18.05.2001.

[2] Direito Tributário Brasileiro. p. 412.

[3] Confisco tributário, p. 124

[4] Op. cit., p. 125.

[5] O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais ano 91 vol. 798 abril de 2002, p. 38.

Justiça de São Paulo

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Foto: divulgação da Web

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