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A insignificância nos crimes tributários

Partindo-se do estudo do Direito Penal democrático e racional, observou-se que o direito penal estava sobrecarregado pela criminalização de questões que poderiam e deveriam ser tuteladas por outras áreas do direito, contrariando princípios como da fragmentariedade, da subsidiariedade e, ao final, da intervenção mínima. A partir de tais colocações, a concepção desenvolvida é a de que não se pode esperar do Direito Penal senão o exercício razoável do controle da criminalidade.

O Direito Penal deve se preocupar com as condutas que possuam, efetivamente, potencial lesivo ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal. Em relação aos crimes tributários, trata-se do erário público. E, caso a conduta do agente não seja capaz de atingir, de forma significativa, os cofres públicos, não deve ser considerada como criminosa. Em que pese formalmente se tratar de uma conduta típica, lhe faltará materialmente o resultado jurídico relevante que, no caso, o interesse fiscal da administração pública.

Nesse sentido, formulou-se o entendimento de que só devem ser considerados como potencialmente lesivos os danos que a administração pública considerar como suficientes para justificar o ajuizamento da execução fiscal, pois se o real prejudicado pela supressão ou redução no pagamento dos tributos considera que até determinado valor não está sendo efetivamente lesionado, não será o Direito Penal competente para assim afirmar.

De modo geral, o princípio da insignificância é aplicado aos casos em que a conduta do agente atinge somente de modo ínfimo o bem jurídico tutelado pela norma penal. Em síntese, a conduta não possui potencial lesivo.

Levando em consideração que os tipos penais tutelam diferentes bens jurídicos, não é permitida a transferência dos conceitos de lesividade atribuídos a um determinado tipo legal para o outro. Por isso, o valor considerado sem importância para o ajuizamento da execução fiscal e, logo, sem sentido para impor uma sanção penal, não é o mesmo utilizado, por exemplo, no crime de furto. Isso porque, o valor capaz de ofender os cofres públicos não pode ser comparado com o valor capaz de ofender o patrimônio de uma pessoa física.

Ao longo dos últimos 15 anos, houve uma grande evolução jurisprudencial quanto à aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários, especialmente no que tange ao valor monetário a ser considerado como sem capacidade lesiva. Por questões de preservação da segurança jurídica e da legalidade, procurou-se adotar sempre um critério legal.

Na síntese necessária, de 1997 a 2001, de acordo com o disposto no artigo 1º da Lei n° 9.469, de 10 de julho de 1997, era permitido o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais para a cobrança de créditos de valor igual ou inferior a R$ 1 mil. Esse foi o critério adotado até a edição da Lei n° 10.522, de 19 de julho de 2002, que, por meio do disposto no artigo 20, previa que deveriam ser arquivados os autos de execuções fiscais de débitos de valor igual ou inferior a R$ 2 mil, critério adotado entre os anos de 2002 e 2003.

Com o advento da Lei n° 11.033/2004, a redação do artigo 20 da Lei n° 10.522, de 2002, foi alterada a fim de serem arquivados os autos de execuções fiscais de débitos de valor igual ou inferior a R$ 10 mil . Esse é o critério utilizado atualmente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Uma importante mudança está para acontecer. No dia 22 de março do ano passado, foi editada a Portaria nº 75, do Ministério da Fazenda, que prevê logo no artigo 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor seja igual ou inferior a R$ 20 mil”. Diante de toda a evolução da disciplina legislativa e jurisprudencial sobre o tema, não seria estranha a edição de uma medida provisória adotando essa orientação em matéria tributária para, posteriormente, ser convertida em lei com a alteração do artigo 20 da Lei n° 10.522/2002, em vigência até a presente data.

Com isso, o paradigma positivo adotado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça, deverá ser alterado, o que exigirá o seu reposicionamento sobre a matéria, com a aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários quando o valor do débito for igual ou inferior a R$ 20 mil reais.

 

Felipe Machado Caldeira
Advogado do escritório Luchione Advogados, mestre em Direito Penal pela UERJ e especialista em Direito Penal Econômico pelas universidades de Coimbra, Milão e Castilla La-Mancha.

Therezinha Souza Costa de Castro
Advogada do escritório Luchione Advogados.

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