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Danos morais coletivos e a responsabilidade das beneficiárias dos serviços

No caso analisado pela 7ª Turma do TRT-MG, com base no voto do desembargador Marcelo Lamego Pertence, os empregados de uma fazenda de produção de carvão situada na zona rural do Município de Juvenília-MG foram encontrados em condições aviltantes e desumanas de trabalho, consideradas análogas às vividas pelos escravos. O interessante no julgamento dessa Ação Civil Pública foi que tanto os donos da fazenda quanto as empresas de aço e siderurgia, que se valiam da produção, foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. A decisão de 1º Grau nesse sentido foi confirmada pela Turma de julgadores, que ainda elevou a indenização por para R$200 mil.

As empresas foram condenadas de forma subsidiária por terem se beneficiado dos serviços prestados pelos trabalhadores. Os julgadores consideraram que as funções por eles exercidas, dada a sua natureza, estavam incluídas na atividade principal das reclamadas, uma vez que o ferro gusa, produto final das rés, pressupõe a produção do carvão.
Tudo começou quando, no final do ano de 2007, após denúncia realizada por um dos trabalhadores no DETRAE (Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo), foram realizadas fiscalizações na Fazenda, que se destinava à exploração do carvoejamento de mata nativa. Os auditores fiscais do trabalho constataram que havia um grupo de mais de dez empregados trabalhando em condições análogas à de escravos.

As irregularidades encontradas foram inúmeras, como carteiras de trabalho sem anotação e falta de pagamento de salários. Também não eram fornecidos EPIs. Alguns trabalhadores foram encontrados descalços e em alojamentos precários: os empregados residiam em barracões de pau-a-pique, lonas pretas ou palhas que eles próprios construíam, em piso de terra batida, sem atendimento às exigências da NR-31. Os fiscais apuraram que um dos trabalhadores prestava serviços há mais de 10 anos nessas condições. Ele foi aliciado pessoalmente pelos fazendeiros réus em outra cidade, juntamente com a esposa e os filhos.

Não existiam instalações sanitárias adequadas. Os empregados satisfaziam suas necessidades fisiológicas “no mato” e tomavam banho ao ar livre, utilizando baldes e bacias, atrás dos barracões e sem nenhuma privacidade. Os fiscais registraram que as mulheres e crianças também estavam submetidas à mesma situação. Não havia sequer água potável para consumo próprio e para cozinhar alimentos no fogões improvisados a céu aberto. Também não havia exame de saúde admissional ou ocupacional e nem treinamentos para os empregados que operavam a motosserra. Por fim, os auditores encontraram um menor de idade trabalhando e um empregado enfermo há, pelo menos, 7 meses, vivendo em um barracão sem qualquer higiene, conforto ou privacidade e sem receber benefício previdenciário, já que a carteira não foi anotada.

No processo, ficou evidente que a produção do carvão vegetal se dava exclusivamente para as empresas rés, que exerciam ingerência e fiscalização direta sobre a fabricação do insumo. O desembargador não acreditou que as tomadoras dos serviços não tivessem conhecimento das deploráveis condições vivenciadas pelos trabalhadores e repudiou o fato de as empresas não terem tomado providências para reverter o triste cenário com o qual se depararam os auditores fiscais. Na avaliação do julgador, seria o caso até de reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com as empresas rés. Mas como não houve pedido nesse sentido, foi mantida a responsabilidade subsidiária reconhecida em 1º Grau.

De acordo com as conclusões expostas no voto, os réus ofenderam gravemente os princípios constitucionais da proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho, consubstanciados nos artigos 1º, inciso III e IV, 3º, inciso I e III, 6º, 7º e 170, incisos III e VII, da Carta Magna, bem como da não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) e da proibição de imposição de pena de trabalhos forçados e cruéis (art. 5º, XLVI). Ele ponderou que a interpretação sistemática do artigo 7º, XXII, e dos artigos 6º, 196 a 200 e art. 225, §1º, V da CR/88 realça o destaque conferido pelo constituinte à saúde do trabalhador e ao meio ambiente do trabalho digno, direitos sociais de cujo cumprimento não pode se furtar o empregador.

A decisão ressaltou também que o trabalho escravo ou degradante vem sendo combatido de há muito no ordenamento jurídico internacional. Seja no tratado internacional da Liga das Nações Unidas, de 1928, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ou nas Convenções 29 e 105 da OIT, que dispõem sobre a eliminação e erradicação do trabalho forçado. Todos esses tratados e convenções foram ratificados pelo Brasil, lembrando o relator que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, todos ratificados pelo Brasil em 1992, preveem mecanismos de combate à escravidão e compromisso dos signatários em erradicá-la.

No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, foi criada a PEC 438/2001 (PEC do Trabalho Escravo), com a previsão, no artigo 243 da Constituição de que imóveis rurais e urbanos de qualquer região do País onde for localizada a exploração de trabalho escravo sejam expropriados e destinados à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

“O trabalho escravo é prática repugnante e intolerável, mormente em uma sociedade democrática que caminha rumo ao desenvolvimento e à justiça social. Não se pode fazer ouvidos moucos à conduta dos réus que, na contramão do ordenamento jurídico pátrio e internacional, permitiram que pessoas humildes e desprovidas de qualquer outra fonte de subsistência, que não o árduo trabalho, sofressem privações de diversos gêneros, tudo pela busca desenfreada do lucro. Cuida-se de atitudes que agridem toda uma sociedade, merecendo ser exemplarmente coibidas”, registrou o julgador, ao reconhecer no caso a caracterização do dano coletivo e a lesão de bens jurídicos tutelados pela Constituição da República e que constituem direitos indisponíveis.

Ele ressaltou que essa atitude abala o sentimento de dignidade, revelando falta de apreço e consideração para com os trabalhadores daquela coletividade, tendo reflexos na sociedade. E explicou que o caráter e a intenção da reparação através do dano moral coletivo é de repressão e de desencorajamento dos atos ilícitos praticados pelo empregador.

Foi por tudo isso que os julgadores decidiram confirmar a condenação por dano moral coletivo, elevando o valor da indenização para R$200 mil. O dinheiro foi destinado a entidades públicas ou privadas que promovam atividades na região da fazenda (ou em comunidades próximas) ligadas à defesa dos direitos dos trabalhadores. Se inexistentes, o valor deverá ser repassado a entidades filantrópicas de saúde/assistência social da mesma região ou regiões vizinhas. O desembargador lembrou, no aspecto, o o Enunciado 12 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, cujo conteúdo é o seguinte:

“AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. TRABALHO ESCRAVO. REVERSÃO DA CONDENAÇÃO ÀS COMUNIDADES LESADAS. Ações civis públicas em que se discute o tema do trabalho escravo. Existência de espaço para que o magistrado reverta os montantes condenatórios às comunidades diretamente lesadas, por via de benfeitorias sociais tais como a construção de escolas, postos de saúde e áreas de lazer. Prática que não malfere o artigo 13 da Lei 7.347/85, que deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais fundamentais, de modo a viabilizar a promoção de políticas públicas de inclusão dos que estão à margem, que sejam capazes de romper o círculo vicioso de alienação e opressão que conduz o trabalhador brasileiro a conviver com a mácula do labor degradante. Possibilidade de edificação de uma Justiça do Trabalho ainda mais democrática e despida de dogmas, na qual a responsabilidade para com a construção da sociedade livre, justa e solidária delineada na Constituição seja um compromisso palpável e inarredável”.

( 0009900-65.2008.5.03.0083 AIRR )

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