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STJ decide que não recolhimento de ICMS só é crime quando há dolo e contumácia

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que deixar de recolher tributo ou contribuição social só configura crime contra a ordem tributária quando comprovado o dolo e a contumácia delitiva. A decisão é de 22 de setembro.

O acórdão está assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RELATOR. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E DA COLEGIALIDADE NÃO CONFIGURADO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA SENTENÇA. MARCO INTERRUPTIVO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS NOS MESES DE JULHO, AGOSTO E OUTUBRO DE 2011. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RHC N. 16.334/SC. CONTUMÁCIA DELITIVA NÃO DEMONSTRAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO.

  1. A jurisprudência consolidada desta Corte estabeleceu-se no sentido de que não viola o princípio do juiz natural ou da colegialidade a decisão monocrática do relator calcada em jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a possibilidade de submissão do julgado ao exame do órgão colegiado, mediante a interposição de agravo regimental.

Precedentes.

  1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 176.473/RR, por maioria de votos, concluiu que “somente há se falar em prescrição diante da inércia do Estado”, de modo que o art. 117, IV, do Código Penal “não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão”, constituindo marco interruptivo da prescrição punitiva estatal.
  2. Não se verifica a superação do lapso prescricional, de 3 anos (art. 109, IV, do CP), tendo o recorrente sido condenado a 7 meses e 6 dias de detenção, se houve o recebimento da denúncia em 26/5/2014, a publicação da sentença condenatória em 26/9/2016 e do acórdão que julgou a apelação em 13/8/2019, pelo que fica afastada a alegação de prescrição da pretensão punitiva.
  3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC n.

163.334, passou a considerar para a incidência do tipo previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, a contumácia delitiva e o dolo de apropriação, decidindo que o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

  1. Tendo o recorrente sido condenado por deixar de recolher o tributo por três meses, nos meses de julho, agosto e outubro de 2011, inexistindo referência a ser agente contumaz ou sobre a existência de processo administrativo fiscal para apurar apropriação em períodos posteriores a esse lapso temporal, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta.
  2. Agravo regimental provido para absolver o recorrente nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

(AgRg no REsp 1865750/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 29/09/2020)

Sobressai-se do voto do Ministro Relator a substanciosa manifestação:

“No caso, as instâncias de origem decidiram tratar-se e conduta tipificada no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, pois o réu deixou de entregar ao fisco, apesar de devidamente escriturado, o valor de ICMS cobrado do consumidor nas vendas realizadas no interior do estabelecimento comercial no período de julho, agosto e outubro de 2011, condenando-o a 7 meses e 6 dias de detenção, em regime aberto, além do pagamento de 30 dias-multa, substituída por restritivas de direitos. Com efeito, no julgamento do HC 399.109/SC, pacificou-se a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a ausência de recolhimento do ICMS em operações próprias configura o delito previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, não sendo necessária a comprovação do dolo específico, in verbis:

HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS POR MESES SEGUIDOS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO PELO RÉU DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS ‘DESCONTADO E COBRADO’. ABRANGÊNCIA. TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. ORDEM DENEGADA. 1. Para a configuração do delito de apropriação indébita tributária – tal qual se dá com a apropriação indébita em geral – o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade. 2. O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação, no entanto, não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial. 3. A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão ‘descontado ou cobrado’, o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, mas somente aqueles que ‘descontam’ ou ‘cobram’ o tributo ou contribuição. 4. A interpretação consentânea com a dogmática penal do termo ‘descontado’ é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo ‘cobrado’ deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira Documento: 1985386 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 29/09/2020 Página 9 de 4 Superior Tribunal de Justiça que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito. 5. É inviável a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica e não há excludentes de ilicitude, como ocorreu no caso. Eventual dúvida quanto ao dolo de se apropriar há que ser esclarecida com a instrução criminal. 6. Habeas corpus denegado. (HC 399.109/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PARCIONIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2018, DJe 12/09/2018.)

Conduto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC n. 163.334/SC, em 18/12/2019, passou a considerar, para a incidência do tipo previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, a demonstração da contumácia delitiva e o dolo de apropriação, nos seguintes termos:

[…] O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.[…]

No caso, como demonstrado, o recorrente foi condenado por deixar de recolher o tributo por três meses, nos meses de julho, agosto e outubro de 2011, inexistindo referência a ser agente contumaz ou sobre a existência de processo administrativo fiscal para apurar apropriação em períodos posteriores a esse lapso temporal, devendo ser reconhecida a atipicidade da conduta.

Nesse sentido vem decidindo a Sexta Turma desta Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TESE DE AFRONTA AOS ARTS. 332 E 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOVAÇÃO NO AGRAVO INTERNO. DESCABIMENTO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE DE ANÁLISE NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SUPERVENIÊNCIA. QUESTÃO PREJUDICADA. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. TESES DE INEXISTÊNCIA DE DOLO E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INVERSÃO DO JULGADO. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ART. 2.º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS. TIPICIDADE DA CONDUTA. NECESSÁRIO COMPROVAR TAMBÉM A CONTUMÁCIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PLASMADO NO RHC N. 16334/SC. CONDUTA QUE SE RESTRINGIU AO NÃO RECOLHIMENTO DO ICMS RELATIVO A UM MÊS (NOVEMBRO/2016). ATIPICIDADE RECONHECIDA. PRECEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A tese de afronta aos arts. 332 e 1.022 do Código de Processo Civil, não foi suscitada no recurso especial, constituindo inovação recursal, descabida no âmbito do recurso interno, pela preclusão consumativa. 2. Quanto à apontada contrariedade ao art. 5.º, incisos II, XXXIX, XLVI, LIV e LV, da Constituição da República, não incumbe ao Superior Tribunal de Justiça, nem Documento: 1985386 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 29/09/2020 Página 10 de 4 Superior Tribunal de Justiça mesmo para fins de prequestionamento, examinar supostas ofensas a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência atribuída pelo texto constitucional ao Supremo Tribunal Federal. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a superveniência da sentença torna superada a tese de inépcia da denúncia. 4. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para o delito previsto no inciso II do art. 2.º da Lei n. 8.137/80, não há exigência de dolo específico, mas apenas genérico para a configuração da conduta delitiva. 5. Para se alcançar conclusão distinta daquela esposada pela Corte a quo, no tocante à alegada inexistência de dolo na conduta, seria imprescindível o revolvimento dos fatos e provas acostados ao caderno processual, desiderato esse inviável na via estreita do apelo nobre, a teor da Súmula n. 07/STJ. 6. A modificação do julgado, de modo a fazer incidir na hipótese a citada excludente de ilicitude, implicaria reexame do conjunto fático-probatório acostado aos autos, o que encontra óbice na Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 7. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 399.109/SC, pacificou o entendimento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é fato típico. 8. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RHC n. 163.334/SC, cujo acórdão ainda está pendente de publicação, fixou a seguinte tese jurídica: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”. 9. Na hipótese dos autos, portanto, inafastável a conclusão de que, conquanto o fato deletério atribuído ao ora Agravante, a princípio se subsuma à figura penal antes mencionada, a ausência de contumácia – o débito com o fisco se refere a tão somente 1 (um) mês -, conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta e, por conseguinte, à absolvição do Réu com esteio no inciso III do art. 386 do Código de Processo Penal. 10. Agravo regimental parcialmente provido para absolver o Réu. (AgRg no REsp 1.867.109/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 04/09/2020.) RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990). VIOLAÇÃO DO ART. 23, I, DO CP. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990. PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTUMÁCIA DELITIVA (RHC N. 163.334). MOLDURA FÁTICA (EXTRAÍDA DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA) QUE INDICA QUE A AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO ICMS DECLARADO OCORREU POR POUCO PERÍODO DE TEMPO (QUATRO MESES), INEXISTINDO MENÇÃO À REITERAÇÃO SUBSEQUENTE. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO.

Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, provido para absolver a recorrente, com fundamento no art. 386, III, do CPP. (REsp 1.852.129/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2020, DJe 26/06/2020.) Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo regimental para absolver o recorrente nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal”.

STJ

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Foto: divulgação da Web

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