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O STF e o justicianismo penal

Em recente decisão (HC 84078), que já se pode dizer histórica e paradigmática, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos (sete contra quatro), entendeu como ilegítima a execução provisória de sentença penal condenatória.

Em recente decisão (HC 84078), que já se pode dizer histórica e paradigmática, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos (sete contra quatro), entendeu como ilegítima a execução provisória de sentença penal condenatória ainda passível de recurso junto às instâncias superiores. Vale dizer, de acordo com o entendimento de sete dos ministros que compõem o pleno do STF — entre eles o ministro Eros Roberto Grau, relator do feito —, um réu, ainda que condenado em grau de recurso junto às instâncias ditas ordinárias (isto é, tribunais de Justiça estaduais ou tribunais regionais federais), não deve ver-se submetido à pena de prisão se ainda houver a possibilidade de revisão jurídica da condenação mediante a interposição dos recursos especial ou extraordinário, junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
É por demais evidente que uma decisão com tal teor, num primeiro momento, causa surpresa àqueles que não militam no dia a dia do sistema de justiça criminal — pois, segundo a visão leiga acerca do assunto, estar-se-ia criando uma justiça penal do faz de conta. No entanto, antes de tudo — e como forma de clarificar o assunto ao grande público — torna-se fundamental remarcar: trata-se de uma decisão que apenas outorga e confere efetividade às prescrições constantes em nossa carta constitucional, especialmente àquela que estatui o princípio da presunção de inocência (também conhecido pelos profissionais da área criminal como princípio da não culpabilidade), de acordo com o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º/CF, inc. LVII).
Ou seja, no interior de um Estado de Direito verdadeiramente democrático, a liberdade é a regra; a prisão, a exceção. Noutras palavras, a prima donna de uma autêntica República é a liberdade de todo e qualquer cidadão frente à coruscante voracidade punitiva do Estado-Leviatã — liberdade esta, inclusive, que historicamente constituiu (e não é preciso voltar muitos anos atrás em nossa experiência institucional) a notável marca de atuação do Supremo Tribunal Federal.
Mais do que isso: trata-se de uma decisão que, além de dotar de validade o princípio constitucional da presunção de inocência (de modo pioneiro, ao menos no que se refere à imposição da mais gravosa de todas as sanções previstas em nosso ordenamento jurídico), sinaliza para a necessidade de releitura constitucional do instituto da prisão cautelar (e aqui estamos a falar de todas as espécies de prisões que antecedem ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, englobando, desse modo, a prisão por flagrante delito, a prisão temporária, a prisão preventiva, etc). É preciso que o magistrado da instância ordinária — e, afinal, conhecedor dos fatos — fundamente, com base nos requisitos previstos no art. 312/CPP (sobretudo no que respeita à conveniência da instrução criminal e ao asseguramento da aplicação da lei penal), a necessidade de decretação da prisão preventiva — mesmo porque tal determinação judicial pode ocorrer, enfatize-se, a qualquer tempo no processo.
Não há qualquer motivo considerável, portanto, que nos autorize — nesse caso — a adotar um discurso meramente pragmático, e de um baixo teor científico, já que revestido com um fastidioso utilitarismo (segundo o qual a ação cega deve preponderar sobre uma sábia e detida reflexão), em prol de um temerário justicianismo penal — figura arquetípica de todas as civilizações néscias, que sempre visualizaram a Justiça punitiva como um lídimo instrumento de opressão estatal dos alvos sociais de plantão. E mais: não há que se temer, e ainda que se trate de candente matéria penal, pelas inovações acalentadas no interior da principal corte do Poder Judiciário brasileiro — como que se os atuais integrantes do STF estivessem perenemente agrilhoados a entendimentos obsoletos e tecnicamente descuidados, sustentados por alguns de seus antigos pares, sobremaneira desatentos ao momento de transição histórica da sociedade brasileira rumo à afirmação da Democracia. Em suma, diante do início da campanha pública de demonização dessa inovadora e corajosa decisão do Pleno do STF, sempre restarão as palavras da canção vigorosamente interpretada por Elis Regina: “Mas é você que ama o passado e que não vê/ é você que ama o passado e que não vê/ que o novo sempre vem!”.
 
Autor: GUILHERME MEROLLI
Advogado criminalista em Florianópolis (SC) e ex-professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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