É ilícita a prova obtida por meio de revista íntima realizada com base unicamente em denúncia anônima
De início, é inarredável a afirmação de que a revista íntima, eventualmente, constitui conduta atentatória à dignidade da pessoa humana, em razão de, em certas ocasiões, violar brutalmente o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso. Em verdade, a adoção de revistas íntimas vexatórias e humilhantes viola tratados internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil e contraria recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, das Organizações das Nações Unidas e da Corte Europeia de Direitos Humanos. Para compatibilizar os direitos e deveres envolvidos na questão relativa ao controle de ingresso de visitantes em estabelecimentos penitenciários, existem, basicamente, duas correntes. A primeira considera não ser possível a realização de revista íntima em presídios, por ser ela vexatória e atentatória à dignidade da pessoa humana, valor básico ensejador dos direitos fundamentais. Ainda, invoca a proibição constitucional de se submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III). Há, no entanto, uma segunda corrente, para a qual é possível, sim, a realização de revista íntima em estabelecimentos prisionais, com base em uma ponderação de interesses, pois existe a necessidade de controlar a entrada de produtos proibidos nos presídios – armas, bebidas, drogas etc. -, de forma que, por questão de segurança pública e em nome da segurança prisional, estaria autorizada a medida (desde que, obviamente, fossem tomadas as cautelas devidas, tais como a realização de revista em mulheres por agentes públicos do sexo feminino). No caso, a acusada foi submetida à realização de revista íntima com base, tão somente, em uma denúncia anônima feita ao presídio no dia dos fatos informando que ela tentaria entrar no presídio com drogas, sem a realização de outras diligências prévias para apurar a veracidade e a plausibilidade dessa informação. Portanto, se não havia fundadas suspeitas para a realização de revista na acusada, não há como se admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior à revista, justifique a medida, sob pena de esvaziar-se o direito constitucional à intimidade, à honra e à imagem do indivíduo.
Veja o acórdão:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. REVISTA ÍNTIMA PARA INGRESSO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. PRÁTICAS E REGRAS VEXATÓRIAS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO DA INTIMIDADE, DA HONRA E DA IMAGEM DAS PESSOAS. OFENSA. ILICITUDE DA PROVA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ARE 959.620/RS. TEMA 998/STF.
SOBRESTAMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Nos autos do ARE 959.620/RS, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da questão referente à adoção de práticas e regras vexatórias com a revista íntima para o ingresso em estabelecimento prisional (Tema 998/STF).
2. Tratando-se de reconhecimento da repercussão geral, ainda não julgada no mérito, imperioso o sobrestamento dos processos que versem sobre controvérsia semelhante, à luz do artigo 1.030, inciso III, do Código de Processo Civil.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RE no REsp 1695349/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/05/2020, DJe 15/05/2020)
STJ
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