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STJ: A qualificadora da paga não é aplicável aos mandantes do homicídio

A qualificadora da paga (art. 121, 2º, I, do CP) não é aplicável aos mandantes do homicídio, porque o pagamento é, para eles, a conduta que os integra no concurso de pessoas, mas não o motivo do crime.

Inicialmente, segundo a jurisprudência desta Quinta Turma, os motivos do homicídio têm caráter eminentemente subjetivo e, dessa forma, não se comunicam necessariamente entre os coautores. Especificamente sobre a qualificadora da paga, este colegiado sedimentou a compreensão de que tal circunstância se aplica somente aos executores diretos do homicídio, porque são eles que, propriamente, cometem o crime “mediante paga ou promessa de recompensa”. Como consequência, o mandante do delito não incorre na referida qualificadora, já que sua contribuição para o cometimento do homicídio em concurso de pessoas, na forma de autoria mediata, é a própria contratação e pagamento do assassinato.

Existem precedentes mais antigos desta Turma em sentido contrário, permitindo a aplicação da qualificadora também ao mandante do homicídio. Nem se ignora que, na Sexta Turma, já se afirmou que “é possível a aplicação da qualificadora descrita no inciso I do § 2º do artigo 121 do Código Penal ao mandante do crime de homicídio” (HC n. 447.390/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 30/4/2019).

No entanto, como destaca a doutrina, os motivos do mandante – pelo menos em tese – podem até ser nobres ou mesmo se enquadrar no privilégio do § 1º do art. 121, já que o autor intelectual não age motivado pela recompensa; somente o executor direto é quem, recebendo o pagamento ou a promessa, a tem como um dos motivos determinantes de sua conduta. Há, assim, uma diferenciação relevante entre as condutas de mandante e executor: para o primeiro, a paga é a própria conduta que permite seu enquadramento no tipo penal enquanto coautor, na modalidade de autoria mediata; para o segundo, a paga é, efetivamente, o motivo (ou um dos motivos) pelo qual aderiu ao concurso de agentes e executou a ação nuclear típica.

E, como se sabe, a qualificadora prevista no inciso I do art. 121, § 2º, do CP, diz respeito à motivação do agente, tendo a lei utilizado, ali, a técnica da interpretação analógica. Vale dizer: o homicídio é qualificado sempre que seu motivo for torpe, o que acontece exemplificativamente nas situações em que o crime é praticado mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivos assemelhados a estes.

Em conclusão, como a paga não é o motivo da conduta do mandante, mas sim o meio de sua exteriorização, referida qualificadora não se aplica a ele.

O direito penal é regido pelo princípio da legalidade, de modo que considerações sobre justiça e equidade, ponderáveis que sejam, não autorizam o julgador a suplantar eventuais deficiências do tipo penal. Outrossim, a jurisprudência mais recente deste colegiado tem se orientado pela inaplicabilidade da qualificadora ao mandante, forte nas razões de legalidade acima referidas.

Veja o acórdão:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. QUATRO RECURSOS ESPECIAIS E DOIS AGRAVOS. TRIBUNAL DO JÚRI. QUATRO HOMICÍDIOS DOLOSOS QUALIFICADOS. “CHACINA DE UNAÍ”. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. QUALIFICADORA DA PAGA (ART. 121, § 2º, I, DO CP). INAPLICABILIDADE AOS MANDANTES. NULIDADE NA QUESITAÇÃO DE QUALIFICADORAS. POSSIBILIDADE DE REFAZIMENTO DA DOSIMETRIA PELO TRIBUNAL, SEM NECESSIDADE DE NOVO JÚRI. ART. 593, § 2º, DO CPP. NULIDADES NÃO SUSCITADAS NOS MOMENTOS OPORTUNOS. PRECLUSÃO. ART. 571, V E VIII, DO CPP. JUNTADA TARDIA DE DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. ART. 563 DO CPP. SUPOSTA NULIDADE CAUSADA PELA PRÓPRIA DEFESA. ART. 565 DO CPP. QUESITAÇÃO DO QUANTUM DE DIMINUIÇÃO DE MINORANTE. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DE FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DIVERSA DA PREVISTA EM ACORDO DE COLABORAÇÃO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. QUALIFICADORA DA EMBOSCADA. COMUNICAÇÃO ENTRE OS COAUTORES QUE DELA SABIAM. NULIDADE DO QUESITO QUE NÃO PERGUNTA SOBRE O CONHECIMENTO DOS CORRÉUS. PRETENDIDO AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. SÚMULA 7/STJ. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS PENAS. DESCABIMENTO. ACOLHIMENTO PARCIAL DE DOIS RECURSOS DEFENSIVOS, COM EXTENSÃO AO CORRÉU. REJEIÇÃO DOS DEMAIS RECURSOS.
1. Segundo a denúncia, no episódio que ficou conhecido como “chacina de Unaí”, os réus ora recorrentes contrataram assassinos profissionais e ordenaram o homicídio de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho, em janeiro de 2004, como represália e prevenção de fiscalizações trabalhistas futuras em propriedades rurais de NORBERTO MÂNICA.
2. Não há ofensa ao art. 619 do CPP, pois o TRF se pronunciou exaustiva e fundamentadamente sobre todos os pontos que lhe foram apresentados para julgamento.
3. A qualificadora da paga (art. 121, 2º, I, do CP) não é aplicável aos mandantes do homicídio, porque o pagamento é, para eles, a conduta que os integra no concurso de pessoas, mas não o motivo do crime. Apena o receptor do pagamento é quem, propriamente, age motivado por ele. Precedentes desta Quinta Turma.
4. Diversamente do que ocorre na hipótese de contrariedade entre o veredito e as provas dos autos (art. 593, § 3º, do CPP), o afastamento de qualificadora por vício de quesitação não exige a submissão dos réus a novo júri. Afinal, em tal cenário, o único impacto da exclusão da qualificadora ilicitamente quesitada será a redução da pena, providência que cabe ao próprio Tribunal, na forma do art. 593, § 2º, do CPP.
5. Estão preclusas as nulidades processuais não suscitadas nos momentos a que se referem os incisos V e VIII do art. 571 do CPP.
6. Inexiste prejuízo aos réus, na forma do art. 563 do CPP, se parte das cartas juntadas tardiamente pela acusação nem sequer dizia respeito aos fatos criminosos – tanto que a defesa, mesmo após acessá-las, não conseguiu explicar em que medida as cartas seriam relevantes para sua atuação.
7. É inviável o reconhecimento de nulidade, por suposto cerceamento de defesa, causada pelo próprio defensor do acusado. Aplicação do art. 565 do CPP.
8. Embora seja necessária a quesitação aos jurados sobre a incidência de minorantes, a escolha do quantum de diminuição da pena cabe ao juiz sentenciante, e não ao júri. Inteligência dos arts.
483, IV, e § 3º, I, e 492, I, “c”, do CPP.
9. É justificada a redução da pena do réu colaborador em patamar (1/2) um pouco inferior ao que havia sido ajustado com o MPF (2/3), tendo em vista que o acusado prestou declarações falsas perante o plenário do júri.
10. O colaborador não comprovou o prejuízo sofrido pelo fato de ter sido julgado em júri realizado 13 dias (e não 6 meses) após a condenação dos corréus não colaboradores.
11. As qualificadoras objetivas do homicídio – neste caso, a emboscada – comunicam-se entre os coautores, desde que ingressem em sua esfera de conhecimento. Logo, há nulidade no quesito que não questiona os jurados sobre a ciência dos mandantes do crime em relação ao modus operandi qualificador adotado pelos executores diretos.
12. O exame quanto à presença do requisito subjetivo da continuidade delitiva esbarra na Súmula 7/STJ.
13. Mesmo após o advento da Lei 13.964/2019, este STJ tem considerado incabível a execução provisória das penas como consequência automática da condenação pelo tribunal do júri.
14. Recursos especiais da acusação conhecidos em parte e, nesta extensão, desprovidos. Recurso especial de NORBERTO desprovido.
Recursos especiais de JOSÉ ALBERTO e HUGO providos em parte, para afastar a qualificadora da paga e diminuir suas penas, com extensão ao corréu na forma do art. 580 do CPP.
(REsp n. 1.973.397/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 15/9/2022.)

STJ

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