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A advocacia e a lei de lavagem de dinheiro

Conquanto louvável a tentativa de se dificultar a prática desse crime silencioso, não podem alcançar a atividade da advocacia.

A nova Lei n° 12.683/12 introduziu significativas alterações na Lei n° 9.613/98, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro. Entre outras medidas, o diploma impõe àqueles que prestam qualquer tipo de consultoria o dever de delatar aos órgãos competentes qualquer atividade ilícita com a qual se deparem, sob pena de sua abstenção configurar crime.

 Desde a sua promulgação, no curso de um dos julgamentos mais polêmicos da Suprema Corte, em que se discutiu, entre outros, o crime de branqueamento de capitais, a nova lei, que pretende colocar os advogados no banco dos réus, tem ganhado a atenção dos juristas, reascendendo a discussão acerca das garantias desses profissionais.

Não demorou muito, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil saiu em defesa dos seus representados e decidiu pelo ajuizamento, perante o STF, de uma ação direta de inconstitucionalidade, na busca pelo reconhecimento da inaplicabilidade da Lei de Lavagem de Dinheiro à atividade advocatícia.

E não poderia ser diferente. A Constituição de 1988, arduamente conquistada, representou o rompimento com o duro período da ditadura militar, em que os direitos e garantias fundamentais encontravam-se escancaradamente fragilizados. Surgia uma nova era, a era das liberdades, das garantias do particular em face do Estado e da submissão do Estado às suas próprias leis: O Estado Democrático de Direito.

E, para além de permitir e assegurar a legitimidade da aplicação da nascente realidade institucional, a nova ordem jurídica que se inaugurava — a Constituição Cidadã— cuidou de forma clara que não se permitisse nova tentativa de regresso ou despontasse qualquer resquício do Estado opressor com o qual se rompia definitivamente. Por isso mesmo, reconheceu o profissional da advocacia como um dos pilares indispensável à administração da Justiça.

A Lei n° 8.906/94, que disciplina o Estatuto da Advocacia, em conformidade com o previsto na Constituição, fidelizou a função social da advocacia. E mais: assegurou a esse profissional, todo peculiar, as necessárias prerrogativas imprescindíveis ao fiel cumprimento do mandamento constitucional. Entre elas, destacam-se a inviolabilidade de seu local e instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática e o direito de recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.

Além disso, não é muito mencionar que a Constituição Federal, lei maior da República, traz no art. 5° um elenco todo especial de direitos e garantias fundamentais, entre os quais figuram a intimidade e a vida privada, além de assegurar a todos o direito à ampla defesa e ao contraditório na sua plenitude.

Nada mais adequado, pois é o advogado o profissional capaz de ingressar em juízo para pleitear o resgate de direitos outrora desrespeitados. Em análise aos já mencionados direitos constitucionais relativos à vida privada e à intimidade, tanto do cliente quanto do profissional, verifica-se, desde logo, que as novas alterações introduzidas pela Lei n° 12.683/12, conquanto louvável a tentativa de se dificultar a prática desse crime silencioso, não podem alcançar a atividade da advocacia.

Entendimento contrário seria legitimar a violação de direitos constitucionais fundamentais, pétreos, insuperáveis até mesmo por emenda constitucional, tampouco por uma lei geral ordinária promulgada no calor de um dos mais polêmicos julgamentos enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal. 

Não fosse isso o bastante, assiste razão à Ordem dos Advogados de defender o princípio constitucional da ampla defesa, que estaria afetado acaso fosse aplicável a Lei de Branqueamento de Capitais ao advogado, nos termos em que proposto. Isso porque é basilar à democracia que a todos se confira a máxima oportunidade de defesa, incluída a defesa técnica — fazer-se representar por advogado, a quem o cliente credita a mais ampla e irrestrita confiança.

Com base no preceito da Constituição, de que o advogado é essencial à administração da Justiça, e em se afetando a forma com que o advogado atua, no que tange ao sigilo de informações que recebe, não há dúvida de que estará comprometida a própria Justiça em todas as suas acepções.

Transformar o advogado em delator dos crimes eventualmente cometidos pelos seus clientes é quebrar a confiança que permeia a relação entre o advogado e o cidadão, superando todas e quaisquer garantias que poderiam lhe assegurar a Constituição. É deixá-lo desamparado, jogando-o, novamente, à sorte da vontade única do poder soberano do Estado.

E mais uma vez, ouviríamos ressoar as palavras do saudoso mestre Ruy Barbosa, que um dia chegou a dizer que “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Autores:

Marcelo Hugo de Oliveira Campos
Advogado do Escritório Henriques, Veríssimo & Moreira Advogados, membro da ABRADT-JUOVEMe do IEFi, pós -graduado em Direito Tributário pelo IBET
Rogério Abdala Bittencourt Júnior
Advogado do Escritório Almeida Corporate Law, pós-graduando em Direito Tibutário pelo IBET

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