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As empresas áreas são obrigadas a cancelar e reembolsar milhas pela internet

A empresa aérea que disponibilizar a opção de resgate de passagens aéreas com “pontos” pela internet é obrigada a assegurar que o cancelamento ou reembolso dessas seja solicitado pelo mesmo meio.

A controvérsia recursal consiste em analisar se a empresa aérea que disponibiliza a opção de resgate de passagens aéreas com “pontos” pela internet, é obrigada a oferecer a mesma funcionalidade nos casos de cancelamento e reembolso das passagens.

Os programas de fidelidade, contudo, não dispõem de previsão normativa específica no ordenamento jurídico.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a natureza da relação jurídica no caso concreto é que definirá o regramento legal a ser aplicado.

Assim, tendo em vista que se sobressai o debate acerca da conduta da companhia na emissão/resgate de passagens, está configurada a relação de consumo entre os envolvidos, companhia aérea e consumidores, nos exatos termos da previsão dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, após a pontuação obtida pelo aderente do programa, é a empresa área que emite as passagens. Por sua vez, o gerenciamento dos bilhetes, tanto para a emissão, alteração ou cancelamento é realizado pela própria companhia, seja por meio de seu call center, em suas lojas físicas ou pela sua página na internet (nos casos de alteração e emissão). Embora o programa de fidelidade não seja ofertado aos seus clientes de maneira onerosa, não se dúvida que proporciona a lucratividade da empresa pela adesão dos consumidores ao programa.

No caso, a conduta da empresa aérea revelou-se abusiva, nos termos do art. 39, inciso V, do CDC. Isso porque, sob a alegação de que seria prática negocial, inerente às escolhas e prática de comércio, ela, muito embora tenha envidado esforços para implementar a opção do resgate de passagens aéreas obtidas pelo programa de milhagens em sua plataforma digital – prática, de fato, que nem sequer estaria obrigada a adotar -, assim não o fez quanto à opção de cancelamento. Ou seja, inseriu no mercado prática facilitadora para ao resgate de passagem aérea, mas, em contrapartida, não disponibilizou a funcionalidade para as hipóteses de cancelamento.

A conduta, além de se revelar contraditória e desprovida de fundamento técnico ou mesmo econômico, como se poderia cogitar, impunha ônus excessivo ao consumidor, na medida em que este teria que se deslocar às lojas físicas da empresa (e apenas aquelas localizadas nos aeroportos) ou utilizar o call center, medidas indiscutivelmente menos efetivas quando comparadas ao meio eletrônico.

Disso se conclui que a conduta serviria mesmo como um desestímulo ao consumidor no caso do cancelamento da passagem adquirida pelo programa de fidelidade e, assim, reaver os pontos utilizados para a compra – situação que geraria, por outro lado, vantagem ao fornecedor.

A adoção da medida – oferecer a mesma funcionalidade nos casos de cancelamento e reembolso das passagens – não decorre de ingerência desmotivada na atividade empresarial, mas sim, da necessidade de observância a um comportamento coerente pela companhia aérea e que não cause danos ou inconvenientes aos consumidores.

A conduta abusiva da companhia, portanto, revela-se dissociada da boa-fé que deve reger todas as relações jurídicas privadas, e não apenas aquelas sob os influxos do CDC.

Na linha do que já se afirmou, é sabido que o abuso do direito se caracteriza sempre que identificada determinada ação pelo seu titular, que ultrapassa os limites do direito que lhe foi concedido e, nessa esteira, ofende o ordenamento, acarretando um resultado ilícito. “O abuso ocorre sempre que, aparentemente usando de um direito regular, haja uma distorção do mesmo, por um ‘desvio de finalidade’, de modo a prejudicar a outra parte interessada ou a terceiros”.

Sobressai, assim, a exegese de que os direitos do consumidor e a livre iniciativa não são, em linha de princípio, excludentes, devendo, na verdade, ser conciliados, na busca de uma solução que atenda a ambos, num cenário em que os abusos não têm espaço.

Nessa linha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido da inviabilidade de se valer do princípio da livre iniciativa para afastar as normas protetivas de defesa do consumidor, com base na premissa de que ambos os interesses jurídicos são relevantes e devem concordar entre si.

Assim, não se pode extrair legitimidade na prática comercial adotada, impondo-se à companhia, portanto, que implemente a ferramenta para os casos de cancelamento das passagens aéreas adquiridas com pontos.

 

Veja o acórdão:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA DE FIDELIDADE. LATAM. AQUISIÇÃO DE PASSAGEM AÉREA. RELAÇÃO DE CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE DE CANCELAMENTO DE PASSAGENS PELA INTERNET. MEDIDA DISPONIBILIZADA PELA EMPRESA APENAS NOS CASOS DE AQUISIÇÃO/RESGATE DE PASSAGENS. PRÁTICA ABUSIVA. ART. 39, INCISO V, DO CDC. ÔNUS EXCESSIVO. MEDIDA QUE TRANSCENDE A ESFERA DA LIVRE ATUAÇÃO DAS PRÁTICAS NEGOCIAIS E AS REGRAS DE MERCADO. INTERVENÇÃO JUDICIAL ADEQUADA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

  1. Os programas de fidelidade, embora não sejam ofertados de maneira onerosa, proporcionam grande lucratividade às empresas aéreas, tendo em vista a adesão de um grande número de pessoas, as quais são atraídas pela diversidade dos benefícios que lhes são oferecidos.

Relação de consumo configurada, portanto, nos termos dos arts. 2º e 3º do CDC.

  1. O fato de a empresa aérea não disponibilizar a opção de cancelamento de passagem por meio da plataforma digital da empresa (internet) configura prática abusiva, na forma do art. 39, inciso V, do CDC, especialmente quando a ferramenta é disponibilizada ao consumidor no caso de aquisição/resgate de passagens.
  2. A conduta, além de ser desprovida de fundamento técnico ou econômico, evidencia a imposição de ônus excessivo ao consumidor, considerando a necessidade de seu deslocamento às lojas físicas da empresa (apenas aquelas localizadas nos aeroportos) ou a utilização do call center, medidas indiscutivelmente menos efetivas quando comparadas ao meio eletrônico.
  3. Nesse passo, configurada a prática de conduta lesiva ao consumidor, não há falar em ingerência desmotivada na atividade empresarial.
  4. Recurso especial não provido.

(STJ – REsp n. 1.966.032/DF, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 9/9/2022.)

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Foto: divulgação da Web

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