seu conteúdo no nosso portal

Nossas redes sociais

A prestação de contas de pensão alimentícia na ótica do STJ

Uma questão que ainda gera posições divergentes no tribunal diz respeito à possibilidade de o genitor que paga pensão alimentícia mover ação de prestação de contas contra o outro.

Em dezembro de 2021, a Terceira Turma entendeu que o alimentante não possui interesse processual para exigir contas do detentor da guarda do alimentando.

No caso, um homem ajuizou ação para que sua ex-mulher tivesse de prestar contas da administração da verba alimentar paga ao filho do casal nos dois anos anteriores, alegando que assim poderia exercitar seu poder familiar e conferir a prática de atividades escolares e extracurriculares da criança. Após o juízo de primeiro grau indeferir a petição inicial, por carência da ação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença, entendendo que o pai possuía legitimidade e interesse de agir para ajuizar a ação.

O relator do recurso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a verba alimentar, uma vez transferida pelo alimentante, ingressa definitivamente no patrimônio do alimentando. Dessa forma, segundo o ministro, ainda que o alimentante discorde da aplicação dos recursos, a guardiã da criança, embora tenha o dever de bem empregá-los, não poderá ser condenada a devolver quantia alguma, devido ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

De acordo com o ministro, eventual má administração do dinheiro destinado à manutenção e à educação do filho e consequente enriquecimento sem causa devem ser objeto de uma análise global na via adequada, com ampla instrução probatória, até mesmo para evitar abusos por parte de quem a alega.

“A via adequada para se questionar o valor da dívida alimentar é a ação revisional ou a ação de modificação da guarda ou suspensão do poder familiar, não servindo a ação de prestação de contas para tal intento. A desconfiança de uso nocivo da verba alimentar desafia providências necessárias em defesa do alimentando, e não a apuração aritmética mensal de gastos exatos com o menor, o que é incompatível com a rotina de quem administra a guarda do filho”, concluiu.

Imagem de capa do card  Imagem de capa do card

A possibilidade de se buscarem informações a respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título de alimentos em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha aritmética de gastos ao alimentante, que não é credor de nada.
Processo em segredo judicial

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Contudo, alguns meses antes – em agosto de 2021 –, a Quarta Turma decidiu que um genitor pode propor ação de prestação de contas contra o outro genitor relativamente aos valores de pensão alimentícia. Para o colegiado, “bastam indícios, não sendo necessária a comprovação prévia do mau uso da verba alimentar, para o cabimento da fiscalização”.

O relator desse recurso, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que o poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda visa impedir abusos e desvios de finalidade na administração da pensão alimentícia, mediante a verificação dos gastos realizados com a manutenção e a educação dos filhos, tendo em vista que, se os alimentos foram fixados em prol somente dos descendentes, estes são seus únicos beneficiários.

Segundo o ministro, a ação de exigir contas propicia que os valores da pensão sejam mais bem utilizados, prevenindo intenções maliciosas de desvio do dinheiro para finalidades alheias às necessidades do alimentando; e tem, também, um caráter educativo em relação ao administrador, induzindo-o a conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião.

“Por fim, a Lei 13.058/2014, que incluiu o parágrafo 5º no artigo 1.583 do Código Civil, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante, com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos”, afirmou.

É possível exigir contas se a finalidade não é apurar eventual crédito

Em outro caso, a Terceira Turma flexibilizou seu entendimento e admitiu a ação de exigir contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentando, para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito.

Um homem moveu a ação de prestação de contas contra a ex-esposa, sustentando ser parte legítima e ter interesse processual em saber como estava sendo empregada a pensão alimentícia paga ao filho, que nasceu com graves problemas de saúde – síndrome de Down associada a deficiência mental moderada e transtorno de desenvolvimento – e necessitava de cuidados médicos constantes e especiais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que o pedido não era cabível.

O ministro Moura Ribeiro, cujo voto prevaleceu no julgamento do STJ, comentou que a Lei 13.058/2014 introduziu a polêmica norma do parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil, que versa sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações ou prestação de contas do guardião unilateral. Para o magistrado, a questão deve ser analisada com especial ênfase nos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.

Moura Ribeiro apontou que a função supervisora, por qualquer detentor do poder familiar, em relação ao modo como a verba alimentar é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente.

De acordo com o ministro, o interesse processual nesse tipo de ação se justifica exclusivamente pela finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou a preparação de ação revisional, pois não há hipótese de devolução da verba alimentar.

“Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentando que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades materiais e imateriais, essenciais ao seu desenvolvimento físico e psicológico, e aferindo o real destino da verba alimentar que paga mensalmente”, disse.

Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

STJ

Foto: Divulgação da Web

 

 

Compartihe

OUTRAS NOTÍCIAS

Trabalhador que passa por desvio de função tem direito à diferença de salário entre os cargos
Embargos de declaração não são meio para reabrir questões de prova
Negada indenização a transexual que teria sido impedida de usar banheiro feminino