seu conteúdo no nosso portal

Nossas redes sociais

O valor da vida nos tribunais

O juiz Antonio José Machado Dias, 48 anos, então corregedor dos presídios de Presidente Prudente, no interior paulista, foi assassinado por bandidos de uma facção criminosa em março de 2003. O Tribunal deJustiça de São Paulo (TJSP) entendeu que seus dois filhos, à época com 17 e 19 anos, têm direito a receber indenização por danos morais de valor bem maior do que o estipulado pelo juiz de primeira instância, que foi de 300 salários mínimos. Por isso, elevou, em 2008, a quantia a ser paga pelo governo paulista para 2 mil salários mínimos, calculada com base no piso vigente na data do pagamento. Dá algo em torno de R$ 3,2 milhões atualmente, com a aplicação dos juros de mora de 12% ao ano desde a morte do juiz. O governo paulista ainda tenta recorrer da decisão.

Os pais do menino João Roberto Amorim, 3 anos, que morreu com um tiro na cabeça em 2008, quando o carro dirigido por sua mãe foi metralhado por policiais militares após ser confundido com o de bandidos, receberão R$ 800 mil de indenização do governo fluminense, além de pensão mensal. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) confirmou a sentença de primeira instância e ainda concedeu R$ 50 mil de reparação ao irmão de Paulo Roberto, que tinha 9 meses à época do crime, e R$ 25 mil para cada um dos avós.

A viúva e os três filhos de um detento que se suicidou enrolando um lençol do pescoço dentro de um presídio no Rio, em 2005, foram contemplados com R$ 210 mil de indenização paga pelo governo do estado. Os pais de um preso de 19 anos que também se enforcou, com o cordão do agasalho, na delegacia de Santa Maria, no Distrito Federal, em 2002, tiveram direito à reparação de R$ 3 mil, mais pensão de um salário mínimo a ser paga por 46 anos, o que dá um total de R$ 346 mil, considerando o piso atual. Nesses casos, o Judiciário entendeu que o Estado era responsável pela integridade física das vítimas e não poderia deixar qualquer meio disponível que possibilitasse o suicídio.

É por causa de tantas decisões que estabelecem indenizações mais altas para os mais diversos casos de morte que o carreteiro Natanael Rodrigues de Magalhães, 35 anos, e a mulher, a empregada doméstica Francina Magalhães, 39, não conseguem entender por que a dor pela perda da vida do bebê Luan, de 3 meses, que morreu engasgado, em 2006, no berço de uma creche municipal de Muriaé (MG), foi avaliada em apenas R$ 50 mil. “É por que somos pobres?”, questiona Natanael à reportagem, tentando buscar uma resposta.

Culpa
Levantamento feito nos tribunais brasileiros revela a imensa quantidade de valores diferentes fixados a título de indenização para reparar o sofrimento de quem perde um ente querido por culpa de terceiros. Essa indenização está prevista no Código Civil. No entanto, uns podem receber quantias significativas e outros, somas bem menores.

“Essa questão é a das mais tormentosas para os juízes, de como interpretar o tamanho do dano e do sofrimento de cada um dos atingidos”, admite o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Roberto Bacellar, diretor-presidente da Escola Nacional de Magistratura (ENC) e coordenador nacional do Programa Cidadania e Justiça da Associação dos Magistrados Brasileiros. O magistrado, explica Bacellar, leva ainda em conta o grau de relacionamento e a afinidade, o grau de instrução e o poder econômico das pessoas envolvidas.

“Não pode ser muito excessiva a ponto de gerar enriquecimentos em causa de quem recebe, mas, ao mesmo tempo, não pode ser irrisória a ponto de ser desprezível para o ofensor”, afirma o desembargador. Ele pondera que o valor também não pode ser tão alto que o responsável não tenha condições de pagar sem comprometer o sustento da família. Destaca, porém, que a indenização também tem caráter pedagógico fundamental para coibir a prática de atos que possam causar a morte do outro. Por isso, tem que ser expressiva.

A advogada Carla Buiati, do escritório Buiati & Passos, fez uma pesquisa no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e concluiu que ainda não há consenso de qual seria o valor dos danos morais mais razoável quando ocorre morte, apesar das tentativas da Corte de estabelecer alguns referenciais. Para o tribunal, uma morte geraria reparação em torno de 300 a 500 salários mínimos aos parentes — R$ 203 mil a R$ 339 mil atualmente. No entanto, o STJ admite que tais limites não são inflexíveis. Mas a chance de alterar as quantias fixadas pelas instâncias inferiores, porém, é mínima. “Os ministros entendem que aumentar ou reduzir indenizações seria reanalisar os fatos que ensejaram a condenação, o que é vedado pela Súmula nº 7”, diz a advogada. A decisão sobre os valores ficam mesmo no âmbito dos tribunais de origem dos processos, conclui.

Na prática, o que se vê nos processos são fundamentações dos magistrados das mais variadas e prosaicas. Para aumentar em quase sete vezes a indenização de 300 salários mínimos da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo para os dois filhos do juiz assassinado, o revisor da apelação, desembargador Luís Ganzerla, alegou que o estado paulista é rico. “São Paulo é considerado o estado de maior progresso e de concentração de riquezas no país, pois já desembolsou R$ 2,5 bilhões no período de 2001 a 2007 em indenizações para pessoas consideradas perseguidas políticas na época da ditadura militar”, afirmou o revisor.

Além do valor baixo para indenizar os pais pela perda do bebê Luan, o processo do casal de Muriaé tem uma particularidade. O relator do processo, o desembargador Edilson Fernandes, argumentou que é “futurologia jurídica” deduzir que o filho colaboraria com a renda dos pais quando crescesse. Por isso, derrubou a pensão que havia sido fixada pela sentença de primeiro grau.

Porém, é a presunção de contribuição futura da vítima morta para o sustento ou padrão de vida da família um dos principais argumentos das centenas de decisões que fixam, além da indenização por danos morais, pensão mensal aos familiares atingidos, em geral, os companheiros, filhos ou pais. Ela corresponde à reparação por danos materiais que também é devida nesses casos. “São os danos materiais emergentes ou o lucro cessante. É o que a pessoa poderia vir a ganhar”, diz o desembargador Roberto Bacellar, do TJPR. O período de pagamento leva em conta a expectativa de sobrevida do brasileiro definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que vai até os 75 anos, conforme a data da decisão.

Redução
Devido a tanta discrepância na hora de avaliar os danos sofridos pelas pessoas que, apesar de intrigado com a redução expressiva pelo Tribunal de Santa Catarina da indenização de R$ 800 mil fixada em primeira instância para R$ 200 mil, o vendedor José Fernando Noronha, 52 anos, está até conformado com o valor de R$ 100 mil fixado para ele e R$ 100 mil para a sua mulher, além de uma pensão mensal.

Como o bebê Luan, Fernanda, de 3 anos, sua única filha, também teve um destino trágico. Morreu depois de beber soda cáustica em uma creche municipal em Balneário Camboriú (SC), em 2007. Ela ficou 15 dias internada na UTI e morreu na véspera de Finados. A funcionária tinha deixado no banheiro das crianças um xícara igual àquelas em que as crianças bebiam suco, só que com soda cáustica, usada na limpeza. “O advogado disse que era para eu ficar até satisfeito com o valor, pois ainda era privilegiado”, conta o pai, que teve a vida dele e a da mulher arrasadas pelo sofrimento. Ele perdeu o emprego e precisou mudar de cidade para superar o trauma.

Sonhos destruídos

Ana Clara Sena do Nascimento tinha apenas 13 anos quando morreu, em 2008, após levar uma descarga elétrica do aparelho Babyliss usado para cachear os cabelos em sua casa, em Samambaia. A mãe e os dois irmãos com quem morava nem queriam entrar na Justiça pedindo a indenização da empresa fabricante do produto, mas o pai, Luiz Araújo Nascimento, decidiu abrir processo. “Ela sempre dizia que queria estudar para ter um bom emprego e comprar uma casa para a mãe.” O TJDFT reconheceu defeito no aparelho e condenou a empresa a indenizar a família em R$ 100 mil, valor pedido na ação. Segundo ele, o dinheiro será repassado para a mãe de Ana Clara, que estava separada de Luiz na ocasião da morte da filha.

Compartihe

OUTRAS NOTÍCIAS

havendo o reconhecimento do tráfico privilegiado, oferecimento do acordo de não persecução penal deve ser possibilitado
Caução locatícia gera preferência de recebimento sobre a expropriação do imóvel
TRT-MG reconhece fraude à execução e mantém penhora sobre imóvel que teria sido vendido à irmã do devedor