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O impedimento do juiz como julgador e testemunha

O impedimento do juiz — A lei diz que o juiz tem impedimento para depor na condição de testemunha. A restrição se aplica ao juiz da causa, sob sua competência e sua jurisdição.

O impedimento do juiz — A lei diz que o juiz tem impedimento para depor na condição de testemunha. A restrição se aplica ao juiz da causa, sob sua competência e sua jurisdição. O juiz que haverá de analisar ou valorar o fato jurídico, como condição para resolver o conflito de interesse, sofre inibição em atuar com dupla categoria: a) como julgador; e b) como testemunha.
No caso, existe o vínculo jurisdicional que conecta o juiz à testemunha, em posição processual diferente, mas que poderia confundi-los numa só pessoa, caso se lhe admitisse o testemunho, situação absolutamente estranha. O juiz da causa ouviria o juiz da causa, como testemunha… O juiz não deve ouvir a própria voz, mas a própria consciência, fruto do exercício de uma operação de dialética jurídica que se nutre da lei e do fato jurídico, projetado em teses e provas que se pretendem antagônicas.
Como julgador, exige-se a neutralidade no processo de produção e arrecadação das provas, premissa que faltaria ao juiz que se apresenta como testemunha e como magistrado, em dual tarefa. Converter a ciência privada de um fato jurídico em domínio judicial, por meio de uma operação comandada por juiz, na condição de testemunha e julgador, parece fomentar o descrédito da imparcialidade, mesmo quando a reserva de memória do magistrado for prodigiosa, porque se desconfia da pureza da transposição e consolidação da prova, por um único caminho.
A convicção íntima do fato jurídico não deve se misturar com projeção pública da prova, quando o sujeito que o testemunhou será o juiz que a julgará. Um juiz pode, contudo, servir como testemunha para depor sobre fato jurídico de que tenha ciência, mas o faz na condição de simples cidadão, despido de prerrogativas funcionais, salvo quanto ao direito de ser ouvido em dia, hora e local previamente ajustados (1).
Se for arrolado como testemunha, o juiz deve se declarar impedido para processar e julgar a causa (2). Cumpre, assim, o mister de testemunha e renuncia o de juiz da causa, mediante a declaração de impedimento, se tiver conhecimento do fato jurídico.
O impedimento do advogado — A relação entre advogado e o cliente, parte na relação jurídica, de natureza processual ou extraprocessual, se assenta em vínculos pelos quais fluem comunicações e manifestações que ultrapassam o campo profissional, posto que se entrelaçam compreensões pessoais com temperos subjetivos. Pela relação de fidúcia, o cliente deposita no advogado informações e confidências reservadas, quase sempre de caráter sigiloso, como elementos necessários para a compreensão do problema e, por conseguinte, para a defesa do direito envolvido, segundo a relação jurídica existente.
O advogado constitui a expressão da confiança e da segurança de que o cliente necessita para ser corretamente representado e assistido, situação em decorrência da qual arrecada dados e fatos revelados pelo representante, sob a fortaleza do sigilo (3), certeza segundo a qual se pressupõe que serão usados apenas nos limites da técnica profissional, em operações jurídicas que interessam ao constituinte.
Ao aceitar o encargo do mandato, tem o advogado o direito e o dever de utilizar ou preservar os fatos de que tem ciência sempre em benefício do cliente, sem, contudo, desabrigar a preservação da ética, principalmente transformar o patrocínio em espaço para que práticas ilícitas prosperem, com confusão do perímetro da atuação profissional, que dispensa o arrivismo.
Advogado e cliente abrigam-se numa relação de confidencialidade que inibe, pela lei e pela ética, indiscrições que comprometam os interesses recíprocos. Como confidente do cliente, o advogado deve proteger as informações que recebe em confiança, sob o compromisso da intimidade, razão por que não se pode dispor a testemunhar em juízo sobre fato jurídico recepcionado com as reservas da profissão.
Num cenário onde impera o dever do sigilo, a transformação do advogado em testemunha, a favor ou contra a parte com quem tem vínculo profissional na modalidade de mandato, tem impropriedade que desaconselha a dubiedade funcional. Ao depor, o advogado enfrentaria o desafio, na forma de imperativo ético e legal, de preservar o sigilo sobre os fatos conhecidos mediante o tácito compromisso de guardar segredo. O impedimento deve persistir mesmo cessado o mandato, haja vista que o dever de sigilo se projeta além da vigência e conservação da relação entre advogado e cliente.
O impedimento do assistente — Também se reputam impedidas as pessoas que assistam ou tenham assistido as partes. A expressão assistência significa: a) a situação jurídico-processual segundo a qual um terceiro, munido de interesse jurídico em que a sentença seja favorável à parte que assiste, intervém no processo com o objetivo de ajudá-la (4); b) a situação jurídica pela qual uma pessoa, indicada pela parte, funciona como seu assistente técnico, com o oferecimento de parecer (5).
No caso de assistência na forma intervenção processual, a própria regra jurídica já exibe a falta de imparcialidade do assistente, haja vista que somente intervém no processo se demonstrar ter interesse jurídico segundo o qual a sentença seja favorável à parte. Ora, a pessoa que maneja esforço para atuar na relação processual, municiado do interesse em que a sentença seja favorável à parte, carece do predicativo da neutralidade para testemunhar.
Se há interesse — sentença favorável à parte em favor de quem atua —-, a testemunha está impedida de depor, pelo franco facciosismo. Na hipótese de assistente técnico, há apenas suposição de interesses comuns ou confluentes, que retiram a necessária independência para prestar depoimento como testemunha, após ter trabalhado na assistência técnica da parte, sem os compromissos da verdade.
O perito e assistente técnico podem ser instados a prestar esclarecimentos em audiência (6), se a parte desejar que questões sejam esclarecidas, mas se trata apenas de renovação de manifestação sem o caráter de testemunho, posto que não há, na hipótese, prova testemunhal.
(1) Lei Complementar 35/79, Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
(2) O art. 409 do CPC diz: “Quando for arrolado como testemunha o juiz da causa, este: I — declarar-se-á impedido, se tiver conhecimento de fatos, que possam influir na decisão; caso em que será defeso à parte, que o incluiu no rol, desistir de seu depoimento; II — se nada souber, mandará excluir o seu nome”
(3) O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94, estabelece regras claras relacionadas ao dever de guarda do sigilo profissional: art. 7º, II, e art.34, VII.
(4) O art. 50 do CPC diz: “Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la. Parágrafo único. A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus da jurisdição; mas o assistente recebe o processo no estado em que se encontra”.
(5) Art. 421, § 1º, I, do CPC e art.433, parágrafo único do CPC.
(6) Art. 435 do CPC: “A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos. Parágrafo único. O perito e o assistente técnico só estarão obrigados a prestar os esclarecimentos a que se refere este artigo, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência”.
Autor: Luís Carlos Alcoforado
Advogado, ex-examinador em Direito Civil do Exame de Ordem da ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, Seção do Distrito Federal
[url=mailto:luis.alcoforado@alcoforadoadvogados.com.br][color=#000066]luis.alcoforado@alcoforadoadvogados.com.br[/color][/url]
 

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