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Inadimplência e cadastros restritivos

Tem sido bastante comum a propositura de ações judiciais por apontados devedores bancários para discutirem a existência (ou, ao menos, o patamar) das dívidas.

Tem sido bastante comum a propositura de ações judiciais por apontados devedores bancários para discutirem a existência (ou, ao menos, o patamar) das dívidas e verem seus nomes excluídos desde logo dos órgãos de restrição ao crédito, mesmo antes de apurado em definitivo se têm eles razão, ou não.
Durante muito tempo, liminares foram concedidas como genuína panacéia, mediante presunção judicial de que a restrição se afiguraria ilegítima quando o apontado devedor ajuizava ação com o objetivo de discutir a obrigação ou o seu valor. Tal entendimento, todavia, causou inegáveis prejuízos ao mercado financeiro e à própria sociedade, vindo a ser posteriormente reformado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que passou a exigir, como contrapartida para a exclusão da anotação, o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao se dizente credor. Em outras palavras, atendia-se o interesse do apontador devedor, sem largar de mão o interesse do credor.
Semelhante exegese, não raras vezes, é acusada de criar embaraço aos apontados devedores e de fomentar injustiças, sob o pretexto de que a existência de restrição financeira implica afastamento daqueles do acesso ao crédito, os quais, por isso, aceitariam se submeter ao pagamento de valores questionáveis apenas por não disporem de garantias aptas a suspender as negativações nos cadastros restritivos.
Este artigo se propõe a refletir sobre a referida situação concreta, assim como a demonstrar a existência de outra alternativa jurídica para os apontados devedores que não dispõem de numerário suficiente ao depósito do valor controvertido.
Antes de prosseguir nesse raciocínio, contudo, convém registrar que a existência de bancos de dados que armazenam informações alusivas à solvabilidade e à conduta negocial de pessoas e empresas, habilitando-as a posteriormente prestarem informações às instituições financeiras perante os quais pretendem aquelas empresas obter novos créditos, apresenta-se como atividade não só lícita como necessária ao normal funcionamento dos sistemas de crédito, estando tais cadastros previstos na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei nº 9.507/97 (que dispõe sobre o acesso a informações e regula o habeas data).
A comunicação que o credor faz aos entes de proteção ao crédito, destina-se à tutela do instituto do crédito bancário, a fim de (i) diminuir os riscos inerentes aos negócios, prevenindo eventuais ‘créditos podres’ e, destarte, também evitando majorações dos encargos inerentes aos financiamentos, bem como (ii) afastar, mediante o apontamento, a necessidade de as instituições de crédito exigirem dos pretendentes a mútuos maiores garantias, atestados e certidões alusivos a suas possibilidades de pagamento e sua conduta negocial pretérita.
Assim, a inscrição do nome do apontado devedor nos cadastros de inadimplentes permite que o fato enquadrável como não-adimplemento ou mau adimplemento possa ser considerado, no futuro, em outros financiamentos que aquelas mesmas devedoras venham a postular junto às instituições bancárias. Como acontece em situações em que ponderáveis interesses entram em conflito, também aqui cumpre observar a lógica do razoável, vale dizer, o critério da proporcionalidade entre o interesse de caráter público, de tutela ao instituto do crédito em si, e o interesse na proteção ao crédito pessoal do apontado devedor.
Por conta disso, o apontado devedor não pode ter seu nome excluído dos cadastros negativos pelo simples fato de haver proposto ação judicial para discutir a dívida, até porque o direito de ação em juízo é um direito abstrato, que a todos socorre, tanto aos que têm quanto aos que não têm razão, sendo certo que a concreta existência do direito material alegado somente será definida na decisão de mérito, após cognição exauriente.
Todavia, quando não dispuser de valor que possa ser depositado judicialmente em garantia do pagamento da dívida, o apontado devedor poderá postular que as entidades de proteção ao crédito efetuem, à margem dos registros, anotação relativa à pendência da demanda onde se questiona a exigibilidade ou o montante da dívida, conforme prevê o art. 7º, inciso III, da Lei nº 9.507/97.
A norma legal é expressa no sentido de permitir “a anotação, nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável”, em vistas a contemplar, da melhor forma possível, todos os interesses em jogo.
Assim, permite que o se dizente credor mantenha a anotação feita em nome do apontado devedor e, de outro turno, permite a este último que averbe a declaração de que a dívida está sendo objeto de discussão judicial. Ao ver deste articulista, essa é a solução mais justa e equilibrada para os interesses envolvidos, na medida em que se, por um lado, não se mostra legítimo ao apontado devedor reivindicar o impedimento à comunicação das pendências aos registros de proteção ao crédito, quando nenhum depósito se digna a fazer em favor do se dizente credor, por outro ângulo, é razoável que possa pugnar pela averbação, nos mesmos registros, de que está impugnando judicialmente a existência da dívida ou o seu montante.
O que não se pode tolerar é que a abstenção quanto às anotações signifique verdadeiro salvo-conduto para que qualquer devedor inadimplente consiga outros financiamentos por ignorância do novo credor, pondo em risco todo o sistema criado para a proteção ao crédito.
 
Autor: RENATO AYRES MARTINS DE OLIVEIRA
Procurador do Estado do Rio de Janeiro, professor de Direito Tributário da Universidade Veiga de Almeida, Sócio do C. Martins & Advogados Associados

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