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Bigamia à brasileira na pauta do Supremo

As juras de amor exclusivo não resistiram ao tempo. Ao longo do casamento com Romilda Ribeiro de Amorim, Walter Coutinho de Amorim manteve, por 20 anos, uma relação paralela com Shirley da Penha, com direito a convivência pública e até a uma filha. O ato de infidelidade pôs as duas moradoras de Vitória em choque depois da morte de Sebastião, em 2004. Em 2006, elas iniciaram uma batalha judicial pelo direito de receber a pensão do falecido. A última decisão determinou o rateio do benefício entre esposa e companheira. Mas o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que faz o pagamento, apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando ser impossível reconhecer a união estável de Walter com Shirley, já que ele viveu ao lado de Romilda, com quem era casado, até o fim da vida.

Do triângulo amoroso capixaba sairá uma decisão definitiva para processos semelhantes no país, pois o STF declarou repercussão geral para o caso, cujo relator é o ministro Luiz Fux. Mais do que dar um fim ao drama vivido pelas duas mulheres, o posicionamento da mais alta Corte colocará em xeque o princípio constitucional da monogamia no Brasil. Se o STF considerar como regra o rateio da pensão entre viúva e companheira, revolucionará a jurisprudência já produzida, admitindo relacionamentos simultâneos. Embora controverso, tanto no Judiciário quanto na própria sociedade, o tema é cada vez mais recorrente nos tribunais, o que levou o Supremo a decidir pacificar, de uma vez por todas, o entendimento sobre o assunto por meio do recurso movido pelo INSS, ainda sem data para ir a julgamento.

Levantamento do Correio aponta que os tribunais de Justiça de todo o país apreciaram, já em segunda instância, pelo menos 107 ações nos últimos cinco anos envolvendo direitos da viúva e de uma segunda mulher, quase sempre chamada de concubina ou amante nos processos, sobre a questão previdenciária. Mas foi a partir do novo Código Civil, em vigor desde 2002, que equiparou a união estável ao casamento, que os casos começaram a surgir com mais frequência. Do total de 107 processos apreciados pelo Judiciário, cerca de 50% são do Nordeste. A tendência tem sido negar os direitos da parte que se apresenta como companheira fora do casamento. Para Rodrigo Pereira da Cunha, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), apesar de o ordenamento jurídico vedar uma segunda relação a quem é casado e prever o dever de fidelidade, há uma barreira moral nessas questões.

“Os moralistas de plantão dizem que acabar com a monogamia é imoral. Só que o direito não pode ter moralismo. Se aquela segunda família aconteceu, independentemente de as partes saberem da situação, há direitos. Acima do princípio da monogamia, está o da dignidade da pessoa humana”, diz Cunha. Membro também do Ibdfam, o advogado Luiz Kignel tem opinião contrária. “É converter o adultério, um ato ilícito, em direito. Reconhecer duas uniões em que as parceiras tinham conhecimento uma da outra seria institucionalizar a bigamia. Muda o conceito basilar da sociedade brasileira, que é o monogâmico. Outra coisa é quando as duas agiram de boa fé, acreditando que eram as únicas”, compara Kignel.

A juíza Andréa Pachá, diretora da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), classifica a matéria de “novíssima”. “Tem que ser caso a caso, para depois, como foi em relação às relações homoafetivas, formarmos uma normativa. A família é a instituição mais dinâmica da sociedade”, diz. Uma análise dos julgados mostra que a criatividade vai longe. No Rio Grande do Sul, foi reconhecida a união de um homem com três mulheres. Na Paraíba, outro conseguiu se casar formalmente com duas, ilegalidade descoberta após a morte dele. Uma decisão de 1982, do Supremo Tribunal Federal, anulou um testamento deixado por homem casado a outra companheira, que não a cônjuge, classificando-a de “concubina teúda e manteúda por longos anos”.

Em Brasília, uma ação ajuizada recentemente traz o enredo da vida dupla. Depois de 30 anos de casado, Carlos* iniciou relacionamento com Ana*, sem abandonar a esposa, Célia*. Ficou 16 anos com ambas, com quem teve filhos e manteve vida pública até a morte. Viajava, participava de encontros familiares, recebia correspondência nos dois endereços. Agora, Ana, 67 anos, e Célia, 80 anos, brigam na Justiça pela pensão deixada por Carlos, que era servidor público federal. Elas viveram em função do marido, do lar e dos filhos, hoje têm mais de 60 anos e necessitam do benefício, descreve o processo.

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