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Ações de despejo e a teoria do adimplemento substancial

 ALei 8.245/91, também conhecida como a Lei de Locações, permite ao locatário extinguir a ação de despejo por falta de pagamento, depositando em juízo as quantias em aberto no prazo da defesa (trata-se da “purga da mora”). Ocorre que a própria lei estabelece de maneira expressa, no artigo 62, que isso só pode ser feito a cada 24 meses. Ou seja, nos termos da Lei de Locações, o locatário pode purgar a mora, e extinguir a ação de despejo por falta de pagamento, apenas uma vez a cada 24 meses. Antes disso, qualquer inadimplemento, por menor que seja, permite ao locador rescindir o contrato e despejar seu inquilino, sem que este último tenha a possibilidade de pagar em juízo.

Da mesma forma, é comum que, em ações de despejo, locador e locatário façam acordos para pagamento de eventual saldo em aberto, ficando estabelecido que o inadimplemento do inquilino resultará na imediata expedição de mandado de despejo, sem a possibilidade de purgação da mora. Essa espécie de acordo, homologada judicialmente, pode ser cumprida de forma imediata, bastando que o locador informe o inadimplemento em juízo: o inquilino fica sem qualquer chance de defesa.

Em ambas as situações, entretanto, é importante considerar que a Lei de Locações não existe em um vazio. Deve ser interpretada em conjunto com os princípios legais que regulamentam os contratos de maneira geral, especialmente os princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva (artigos 421 e 422 do Código Civil).

Os contratos de locação possuem valor social e devem ser preservados, tendo em vista o direito à moradia, no caso das locações residenciais, e a preservação do fundo de comércio, no caso das locações comerciais — tudo nos termos da Lei de Locações. E, no caso específico das ações de despejo, o remédio que a Lei 8.245/91 oferece aos locatários é a purgação da mora, que permite o pagamento em juízo das obrigações em aberto, extinguindo o processo de despejo.

Disso se conclui que as possibilidades de purgação da mora devem ser interpretadas da maneira mais ampla possível. É nesse contexto que se deve considerar a teoria do adimplemento substancial, já bem fixada na doutrina e na jurisprudência. Tal teoria estabelece que, em um contrato de prestações continuadas, como é o caso do contrato de locação, o inadimplemento deve ser significativo, considerando o valor total da obrigação, para que seja possível a rescisão do acordo.

Havendo o inadimplemento não significativo, cabe ao credor apenas cobrar (executar) as quantias em aberto, e não rescindir o acordo. Veja-se nesse sentido o conceito apresentado por Clóvis Couto e Silva para o adimplemento substancial: “Constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)”.

Essa teoria tem encontrado respaldo nos Tribunais brasileiros, especialmente em ações de rescisão contratual movidas por construtoras e incorporadoras imobiliárias: nessas situações, o Poder Judiciário tem entendido que, se houve o pagamento da maior parte do valor estabelecido no acordo, não é razoável que o contrato seja rescindido, e cabe ao vendedor apenas cobrar as parcelas em aberto. São nesse sentido as seguintes decisões, ambas do Superior Tribunal de Justiça: Resp nº 1.200.105 – AM (2010/0111335-0) e Resp nº 1.215.289 – SP (2010/0177513-3).

Veja-se o conceito utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça, para aplicar a teoria do adimplemento substancial: “Atualmente, o fundamento para aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil de 2002, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Ocorrendo o inadimplemento da obrigação pelo devedor, pode o credor optar por exigir seu cumprimento coercitivo ou pedir a resolução do contrato (art. 475 do CC). Entretanto, tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, e daí a expressão adimplemento substancial, limita-se esse direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma iniquidade. Naturalmente, fica preservado o direito de crédito, limitando-se apenas a forma como pode ser exigido pelo credor, que não pode escolher diretamente o modo mais gravoso para o devedor, que é a resolução do contrato.

Poderá o credor optar pela exigência do seu crédito (ações de cumprimento da obrigação) ou postular o pagamento de uma indenização (perdas e danos), mas não a extinção do contrato.”- (STJ – Recurso Especial n.º 1.200.105 – AM (2010/0111335-0), Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgamento 19/06/2012)

No caso específico das ações de despejo por falta de pagamento, a teoria do adimplemento substancial possui aplicação prática importantíssima no que diz respeito à purgação da mora, em caso de inadimplemento pelo locatário.

Da mesma maneira, a teoria do adimplemento substancial, combinada com o princípio da função social dos contratos, pode permitir a purgação da mora em caso de descumprimento de acordos judiciais. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresenta decisões nesse sentido, mesmo em situações nas quais o acordo excluiu expressamente a possibilidade de purgação: “Embora previsto no acordo que o não pagamento de qualquer parcela autorizaria o prosseguimento da ação com a decretação do despejo, fato é que não pode ser suprimido do locatário o direito de purgar a mora no prazo legal. (…) Da análise dos autos, no entanto, nota-se que, informado o inadimplemento do acordo, foi determinada a imediata expedição do mandado de despejo, sem oitiva da parte contrária e sem lhe oportunizar a purgação da mora, nos termos do art. 62, inc. II da Lei 8.245/91.

Houve o pagamento de parte substancial da avença, não havendo notícia do inadimplemento dos locativos que se venceram desde então. Tal fato não pode ser desprezado pelo julgador, especialmente porque a lei confere prazo para o locatário purgar a mora. O adimplemento substancial é fato importante, a ser levado em conta na decisão.”- (TJSP – Agravo de Instrumento nº 0225540-52.2012.8.26.0000, Rel. Des. Edgard Rosa, julgamento 20/02/2013)

Diante do quadro acima exposto, conclui-se que as normas sobre purgação da mora, em ações de despejo por falta de pagamento, devem ser interpretadas de maneira ampla, considerando a teoria do inadimplemento substancial.

 

Autor: Francisco dos Santos Dias Bloch
Membro do escritório Cerveira Advogados Associados nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Contencioso Cível (www.cerveiraadvogados.com.br)

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