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A usucapião familiar entre ex-cônjuges

 O abandono ensejador da usucapião é o abandono simultâneo do imóvel e da família.

A usucapião familiar é uma espécie de aquisição da propriedade que foi criada no Brasil pela Lei n° 12.424/2011, ao incluir o artigo 1.240-A no Código Civil, prevendo que aquele que exercer por dois anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano próprio de até duzentos e cinquenta metros quadrados, cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, terá adquirido o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural[1].

De acordo com Mário Delgado, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM “a usucapião conjugal exige a copropriedade do bem, ou seja, o imóvel usucapiendo deve obrigatoriamente pertencer a ambos os parceiros conjugais, por força de condomínio tradicional ou do regime de bens do casamento ou da união estável. Se o bem pertencer com exclusividade ao cônjuge que abandonou o lar, descabe a invocação da usucapião conjugal”[2]

A situação observada decorre muitas vezes do abandono do lar sem a implementação de medidas processuais ou judiciais de notificação, separação judicial ou divórcio, e ainda, pela falta de requerimento de partilha dos bens do casal.

Nessas circunstâncias, aquele detentor do bem imóvel ou móvel, exercendo por longo período o direito de usufruto, posse e administração, poderá requerer a aquisição daquela pela via da usucapião familiar.

A prescrição só não ocorre na vigência da sociedade conjugal (art. 197, I, do Código Civil)

O Código Civil prescreve esse direito da usucapião familiar:

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

Aqui uma ressalva; se o afastamento do lar foi por ordem legal não corre a prescrição, como no caso de medidas protetivas que determinar a saída de um dos cônjuges por lar ou residência, nesse sentido:

“PARTILHA BENS. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. ÚNICO IMÓVEL A SER PARTILHADO, ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. Separação judicial das partes em 1991 com a determinação, em sentença proferida nos autos, de que o requerente se afastasse do imóvel. Ré que alega prescrição aquisitiva sobre o imóvel comum, pois o mesmo fora abandonado pelo autor por quase 20 anos. Alega, ainda, a ré desídia do requerente em relação à propriedade, pois o mesmo deixou de pleitear a partilha do bem no prazo determinado na r. sentença proferida nos autos da ação de separação judicial das partes. Ausência de abandono do imóvel, diante da desocupação forçada. Requerente que mantinha a posse indireta sobre o imóvel, pois se afastara do mesmo apenas por determinação judicial. Demora no ajuizamento da partilha não serve para conferir à requerida o domínio da meação do requerente, pois se trata de direito potestativo, não que pode ser exercido a qualquer tempo[3].”

A doutrina, também, tem se posicionado nesse sentido, como veremos a seguir na lição de Cezar Peluso e Nestor Duarte[4]:

“Razões de ordem moral impedem que o prazo prescricional corra entre cônjuges na constância da sociedade conjugal (…), porquanto, no dizer de Clóvis Beviláqua, a afeição e confiança, que devem existir entre as pessoas a que o Código se refere, não permitiriam que se criasse a situação jurídica da prescrição.

A dissolução da sociedade conjugal se dá nas hipóteses do art. 1.571, em que não se encontra o caso da separação de fato, contudo, sendo esta separação voluntária, não se deve dar por suspenso ou impedido o curso do prazo prescricional depois de um ano do rompimento da convivência sem ânimo de reconciliação, pois já seria causa de separação judicial (art. 1.573, IV, CC), além do que se presume o desaparecimento da afeição que era o fundamento da regra legal (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil)”.

Registre-se, por oportuno, que a cessação do regime matrimonial os bens e dívidas adquiridos e contraídos por um dos cônjuges após a separação fática não se comunicam um com o outro.

Sobre a temática vale assinalar os seguintes julgados:

“APELAÇÃO CÍVEL. REAIS E FAMÍLIA. USUCAPIÃO ENTRE CÔNJUGES. SEPARAÇÃO DE FATO. SENTENÇA EXTINTIVA, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. – RECURSO DA AUTORA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL CARACTERIZADA. ALEGADO ABANDONO DA FAMÍLIA E PATRIMÔNIO PELO MARIDO HÁ MAIS DE 20 ANOS. PRESCRIÇÃO E PRAZO PARA O USUCAPIÃO. NATUREZAS JURÍDICAS DISTINTAS. INAPLICABILIDADE LITERAL DO ART. 168, I, DO CC/16 OU ART. 197, I, DO CC/02. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS DISPOSITIVOS INVIÁVEL. FIM DA NORMA DE SUSPENSÃO NÃO ATENDIDO. POSSE APARENTEMENTE EXERCIDA EXCLUSIVAMENTE E NÃO EM RAZÃO DA MANCOMUNHÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. – SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. A considerar a natureza jurídica distinta da prescrição e do prazo para aquisição propriedade por usucapião, sendo equívoca a utilização da expressão “prescrição aquisitiva” como ensinam Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, não há aplicar, em razão da interpretação literal, as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 168, I, do CC/16 ou no art. 197, I, do CC/02. Não obstante se reconheça a possibilidade de aplicação extensiva dos dispositivos citados, por meio de interpretação teleológica, ao prazo da usucapião, inviável utilizar desse expediente quando, em tese, não há relação afetiva familiar ou harmonia entre as partes a serem preservadas – fim precípuo da causa de suspensão da prescrição entre os consortes. Nessas hipóteses excepcionais, se a posse exercida por um dos cônjuges sobre o bem não decorre da mancomunhão (como acontece, e.g., na mera tolerância do outro enquanto não realizada a partilha ou somente em razão da medida de separação de corpos), mas sim de forma exclusiva em virtude do abandono pelo esposo da família e bens há mais de 20 anos, não se vê impossibilidade jurídica do pleito de usucapião entre cônjuges[5].”

“APELAÇÃO CÍVEL. REAIS E FAMÍLIA. USUCAPIÃO ENTRE CÔNJUGES. SEPARAÇÃO DE FATO. SENTENÇA EXTINTIVA, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. – RECURSO DA AUTORA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL CARACTERIZADA. ALEGADO ABANDONO DA FAMÍLIA E PATRIMÔNIO PELO MARIDO HÁ MAIS DE 20 ANOS. PRESCRIÇÃO E PRAZO PARA O USUCAPIÃO. NATUREZAS JURÍDICAS DISTINTAS. INAPLICABILIDADE LITERAL DO ART. 168, I, DO CC/16 OU ART. 197, I, DO CC/02. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS DISPOSITIVOS INVIÁVEL. FIM DA NORMA DE SUSPENSÃO NÃO ATENDIDO. POSSE APARENTEMENTE EXERCIDA EXCLUSIVAMENTE E NÃO EM RAZÃO DA MANCOMUNHÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. ¿ SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. – A considerar a natureza jurídica distinta da prescrição e do prazo para aquisição propriedade por usucapião, sendo equívoca a utilização da expressão “prescrição aquisitiva” como ensinam Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, não há aplicar, em razão da interpretação literal, as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 168, I, do CC/16 ou no art. 197, I, do CC/02. – Não obstante se reconheça a possibilidade de aplicação extensiva dos dispositivos citados, por meio de interpretação teleológica, ao prazo da usucapião, inviável utilizar desse expediente quando, em tese, não há relação afetiva familiar ou harmonia entre as partes a serem preservadas ¿ fim precípuo da causa de suspensão da prescrição entre os consortes. – Nessas hipóteses excepcionais, se a posse exercida por um dos cônjuges sobre o bem não decorre da mancomunhão (como acontece, e.g., na mera tolerância do outro enquanto não realizada a partilha ou somente em razão da medida de separação de corpos), mas sim de forma exclusiva em virtude do abandono pelo esposo da família e bens há mais de 20 anos, não se vê impossibilidade jurídica do pleito de usucapião entre cônjuges”[6].

“DIVÓRCIO LITIGIOSO. PARTILHA DE BENS. USUCAPIÃO FAMILIAR. 1. Sendo o casamento regido pelo regime da comunhão parcial, todos os bens adquiridos a título oneroso na constância da vida conjugal se comunicam e devem ser partilhados de forma igualitária, independentemente de qual tenha sido a contribuição individual de cada cônjuge para a consecução do resultado patrimonial, pois se presume que a aquisição seja produto do esforço comum do par. inteligência dos art. 1.658 a 1.660 do CCB. 2. Considerando que o imóvel onde a ré permaneceu residindo após a separação fática do casal pertence exclusivamente ao autor, inviável o reconhecimento da usucapião familiar, que pressupõe a propriedade comum do b em. Inteligência do art. 1.240-A do Código Civil. 3. Se o imóvel pertence ao varão, também se mostra inviável a sua partilha. Recurso desprovido”[7].

 [1] ttps://ibdfam.org.br/noticias/6295/Usucapi%C3%A3o+Familiar:+o+explica+o+que+%C3%A9+preciso+para+caracteriz%C3%A1-la

[2] ttps://ibdfam.org.br/noticias/6295/Usucapi%C3%A3o+Familiar:+o+explica+o+que+%C3%A9+preciso+para+caracteriz%C3%A1-la

[3] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 0017926-68.2011.8.26.0564, de São Bernardo do Campo, Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, DJ 26.07.2012.

[4] PELUZO, Cezar. e DUARTE, Nestor. In: Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 3ª Edição. Barueri/SP: Editora Manole, 2009, p. 149/150.

[5] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2008.023470-8, de São João Batista, Terceira Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Henry Petry Júnior. DJ 26.10.2010.

[6] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 234708 SC 2008.023470-8, de São João Batista. Relator: Henry Petry Junior, Data de Julgamento: 11/11/2010, Terceira Câmara de Direito Civil.

[7] BRASIL. Tribunal de Justiça de Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70063635593, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 25/03/2015.

Da redação por Boris Kalil

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Foto: divulgação da Web

 

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