Perguntado se tinha saudades do Supremo Tribunal Federal, onde passou quase 30 anos, o ministro José Carlos Moreira Alves, que se aposentou em abril deste ano, sorrindo, respondeu: “Quando bate a saudade, ligo a TV Justiça e pronto.”
Moreira Alves, um juiz brilhante e conservador, receava que a transmissão dos julgamentos do STF influenciasse a maneira de agir dos ministros. A bem da verdade, ele era contra. Mas hoje não se inibe em elogiar a emissora com entusiasmo. Esse dado, na gênese da TVJ é importante. Mesmo os mais céticos — quanto às possibilidades de uma emissora destinada a tratar de temas jurídicos tornar-se interessante — elogiam a iniciativa.
Entre as proezas desse canal da justiça está a de harmonizar a convivência da Magistratura, do Ministério Público e da Advocacia em um mesmo espaço sem que os antagonismos naturais que os separam impeçam essa co-habitação. Ainda que a TVJ não venha a ser uma mídia de massa, o que não é sua meta, seu destino como fomentadora da “tecnologia de ponta” do Direito está selado.
A TV Justiça — que se consolidou no meio jurídico como um canal de prestação de serviços — pode passar a ser transmitida em canal aberto. O STF já começou a tratar do assunto com o Ministério das Comunicações e com a Anatel. Atualmente, ela somente pode ser vista em TV por assinatura ou pela Internet. A TVJ deve começar aberta em Brasília e depois se expandir.
O STF já investiu cerca US$ 900 mil na TV Justiça desde 1997 quando foram adquiridos os primeiros equipamentos. A criação do canal do Judiciário foi sancionada pelo ministro Marco Aurélio de Mello no ano passado. Na ocasião, o ministro estava no exercício da Presidência da República enquanto o então presidente Fernando Henrique Cardoso viajava.
Lição de casa
Professores, ministros e advogados entrevistados pela revista Consultor Jurídico são unânimes: A TVJ aproxima o Judiciário e o cidadão e é útil para o trabalho jurídico. Um entusiasta da TVJ desde o seu início é o ministro Celso de Mello.
Sua definição é eloqüente. “A TVJ é um importante instrumento de controle social dos atos do Poder Judiciário porque expõe, de modo amplo, a própria intimidade do funcionamento dos tribunais. Notadamente do STF. Sob tal aspecto, a TVJ — cujos programas costumo assistir — constitui verdadeiro instrumento de legitimação das decisões emanadas do Poder Judiciário, pois, em se tratando de juízes e tribunais, não pode haver espaço qualquer reservado ao mistério, consoante assinalado por Norberto Bobbio em lúcida reflexão sobre a essência do regime democrático.”
Para Celso de Mello, foi fundamental a ação de seu colega Marco Aurélio, não só pela coragem e pelo arrojo de criar a TV, como pela sensibilidade de ter conduzido a linha editorial como “um espaço democrático de livre debate e reflexão dos grandes temas que afetam a vida do país”. Nesse papel, destaca Celso de Mello, foi importante o executivo escalado pelo então presidente do STF: o chefe do serviço de imprensa do Tribunal, Renato Parente, “um profissional empenhado nas tarefas que assume”.
Diferentemente das demais emissoras setorizadas, como a TV Senado e a TV Câmara, a TV do STF optou por compartilhar sua grade de programação com todos os setores da comunidade jurídica e não apenas com o noticiário da casa.
Os professores também aplaudem a iniciativa do STF. “A TV Justiça — assim como alguns canais americanos no estilo Court Television — presta inegável serviço não apenas para a comunidade jurídica, mas também para a sociedade em geral. Com programas, palestras, quadros, esquetes, notícias e comentários que remetem ao mundo legal, o canal é seguramente hoje o mais sólido meio de informação a todos que desejam conhecer um pouco mais do ordenamento jurídico brasileiro — leigos ou não”, afirmou o advogado especializado em Direito Autoral e CyberLaw, Nehemias Gueiros, professor da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.
Para Gueiros, a TV Justiça repercute fortemente — em especial junto a um público bastante qualificado. A sua palestra — “O direito autoral na era digital” — foi exibida no canal do Judiciário no ano passado e reprisada algumas vezes. “A simples exibição me abriu contatos em nível nacional com estudantes, professores universitários, colegas advogados, juízes e leigos interessados nos meandros do direito autoral e do direito na Internet, bem como em conhecer o meu primeiro livro publicado e detalhes da coleção que gradualmente estou escrevendo para publicar”, relatou.
Ele lembrou a qualidade da série de filmes de advogados, tribunais e julgamentos — especialmente os do regime do ‘common-law’ norte-americano — exibidos pela TVJ. Para Gueiros, “o que falta na TV Justiça é uma abordagem um pouco mais intensa nas audiências e julgamentos de casos importantes e rumorosos”. Segundo ele, audiências jurídicas são mais interessantes do que “os enfadonhos discursos de senadores e deputados no Congresso”.
O professor Luiz Flávio Gomes disse que a TV Justiça tem cumprido seu papel social e é “a mais nova fonte de conhecimento” para os operadores do Direito. “Creio que ela aproxima a Justiça da população porque permite que seja visto como são julgados os processos e isso é democracia”, ressaltou.
Luiz Flávio tem um programa semanal de uma hora na TV Justiça — o Espaço Ielf. A avaliação que o professor faz do canal da Justiça é positiva, apesar de uma ressalva. “Só penso que ela deveria ser aberta, facultando o acesso a todos os interessados”.
Para o juiz Fernando Moreira Gonçalves, diretor da Associação dos Juízes Federais, a gestão do ministro Marco Aurélio foi marcada pela transparência e pela ousadia. A criação da TV Justiça se inscreveu nesse contexto.
Segundo ele, a implantação da TV Justiça é um grande exemplo, “entre muitos outros”, das conquistas obtidas em favor do Poder Judiciário pelo ex-presidente do STF. “O Judiciário não é um poder alheio à realidade. Ao discutir, de maneira franca e transparente, assuntos de grande relevância, sem se esquivar da ousadia, o ministro Marco Aurélio deu uma grande contribuição para demonstrar que o juiz do século 21 não deve ter receio de prestar esclarecimentos à sociedade, por meio da imprensa, a respeito de seus posicionamentos, ao contrário do magistrado do século 19, que, amordaçado, somente podia falar nos autos”, ressaltou.
Ator principal
O ministro Marco Aurélio disse à revista Consultor Jurídico, que “apesar do elevado número de processos”, tenta otimizar o tempo para assistir a programação do canal do Judiciário. “Vejo que, a cada dia, há o aprimoramento na veiculação das matérias”, afirmou.