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Expedição de notificações por infrações de trânsito

Uma das regras que já trouxe muita polêmica, e continua trazendo, é aquela relativa ao prazo para ciência da autuação; ou seja, quando o suposto infrator é autuado à revelia, há um prazo para que tome ciência dessa autuação. Se for autuado numa abordagem direta, não há que se falar nesse prazo. Essa regra consta do art. 281, parágrafo único, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). No texto original da Lei 9503/97 o prazo era de 60 dias para “expedição da notificação”. Durante os 120 dias da vacatio legis, entre 24 de setembro de 1997 a 22 de janeiro de 1998, o prazo era de 60 dias. A Lei 9602/98, que alterou alguns dispositivos do CTB, modificou esse prazo de 60 para 30 dias. Como ela entrou em vigor na mesma data do código, o prazo de 60 dias nunca chegou a vigorar.

Antes de analisar essa regra, é importante destacar que ela não se aplica quando há abordagem do veículo e o suposto infrator assina o auto de infração, pois nesse momento se daria simultaneamente autuação e sua respectiva notificação. Ainda que o infrator seja abordado, colhida sua identificação, mas não a sua assinatura (recusou-se), ele deve ser notificado da autuação nos termos que abordaremos adiante. Muito se discute também acerca da recusa em assinar a autuação por discordar dela, como se a assinatura fosse reconhecimento de sua procedência. Isso não procede, pois não apenas a assinatura não é reconhecimento da procedência da autuação como sua recusa é um direito. O PL 3710/93 que culminou no CTB previa que a recusa em assinar a autuação se constituiria em indício do cometimento da infração, mas obviamente não se sustentou. Opinando como advogado de defesa, acho interessante assinar o auto de infração e desde logo ficar de posse da via preenchida no momento e evitar que eventuais erros formais precisem ser corrigidos posteriormente, os quais podem comprometer a subsistência da autuação.

Um questionamento que se instalou à época foi com relação à expressão “expedição” da notificação, que não possuía uma definição. Seria sustentável que a expressão se referia na verdade, à “notificação”, até porque o art. 316 do CTB reza que “o prazo de notificação previsto no inciso II do parágrafo único do art. 281 só entrará em vigor após duzentos e quarenta dias contados da publicação desta Lei”, ou seja, duas expressões distintas relativas à mesma regra. Creio que a interpretação deveria ser feita de forma mais favorável ao usuário, até porque o objetivo principal dela é a ciência o mais breve possível, e não a elaboração de técnicas de informações para extrapolar os prazos legais e ferir os reais objetivos da regra.

Diante dessa incerteza na definição e com a clara intenção de proteger os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito de estarem sujeitos à demora na entrega (notificação) que se daria pelo órgão responsável pela remessa é que o Contran definiu inicialmente na Resolução 149/03 o que se entenderia por “Expedição da Notificação”, como sendo “a entrega da Notificação da Autuação pelo órgão ou entidade de trânsito à empresa responsável por seu envio”. Essa mesma definição permaneceu na Resolução 404 que começou a vigorar em julho deste ano. Portanto, mesmo que os Correios estejam em greve, mesmo que as notificações fiquem nele represadas, a Autoridade de Trânsito cumpre o prazo e não compromete a validade das autuações caso entreguem (postem) as notificações no prazo.

A Resolução 404/12 do Contran criou um precedente perigosíssimo ao atropelar a lei, pois em seu art. 4º cria a possibilidade para que a autoridade que receba a indicação do condutor no formulário apropriado possa fazer uma autuação caso detecte alguma irregularidade relacionada à habilitação (categoria diferente, por exemplo), fazendo uma autuação muito posterior ao fato ocorrido e, nesse caso, “inventa” ilegalmente um novo prazo para expedição da notificação ao estabelecer: “ocorrendo a situação prevista no parágrafo anterior, o prazo para expedição da notificação da autuação de que trata o inciso II, parágrafo único, do art. 281 do CTB, será contado a partir da data do protocolo do Formulário de Identificação do Condutor Infrator junto ao órgão autuador ou do prazo final para indicação”. Essa é uma das maiores ousadias (para não dizer excrescências) já feitas pelo Contran em seu mal hábito de ultrapassar as barreiras de seu papel normativo de órgão do Poder Executivo, ultrapassando sem qualquer constrangimento as atribuições do Poder Legislativo.

A situação é tão anômala que, se uma pessoa cega, em coma na UTI, que nunca teve habilitação, possuir um veículo em seu nome (nada impede que alguém sem CNH possua um veículo), pode ser autuada por dirigir sem possuir carteira de habilitação. Para isso basta que o veículo seja autuado e não haja indicação do condutor no prazo legal (até porque não poderia assinar o formulário nesse exemplo), assim o proprietário passa a ser o condutor presumido por força do art. 257, § 7º do CTB.

Autor: Marcelo José Araújo, advogado e professor de Direito de Trânsito, é presidente da Comissão de Trânsito, Transporte e Mobilidade da OAB-PR. E-mail: marceloaraujotransito@gmail.com

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