seu conteúdo no nosso portal

Nossas redes sociais

Espírito Santo: 9 juízes punidos com altos salários

Nos últimos 10 anos, este é o número de magistrados condenados com aposentadoria compulsória no Estado do Espirito Santo. Pela lei, recebem até R$ 27 mil

Acusados de cometerem irregularidades no exercício do cargo, nove magistrados foram punidos nos últimos 10 anos pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) com a pena máxima em processo administrativo, a aposentadoria compulsória.

Prevista na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), essa punição garante a juízes condenados uma situação bem diferente da vivida por trabalhadores em geral após cometerem uma infração: eles deixaram o cargo, mas garantiram aposentadorias de até R$ 27 mil por mês e auxílio-saúde para o resto da vida.

Em março, o pagamento de salário mais benefícios atrasados rendeu a esses magistrados até R$ 48,8 mil brutos de aposentadoria, fato que gera discussão sobre se a aposentadoria compulsória é uma punição de verdade ou um privilégio concedido a juízes punidos por atos irregulares.

Com a aplicação cada vez mais frequente da pena – o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aposentou 33 magistrados compulsoriamente desde 2007 –, há propostas no Congresso Nacional para excluí-la da lista de punições disciplinares e incluir a perda do cargo, que hoje só é possível após sentença definitiva em processo judicial. Também há estudo no Supremo Tribunal Federal (STF) para rever a Loman, que é de 1979.

O professor de Direito da Ufes Julio Pompeu sustenta que é preciso rever esse tratamento desigual a magistrados, em relação aos demais trabalhadores. Ele lembra que a vitaliciedade nasceu para garantir a independência do juiz no cargo. “As prerrogativas são para garantir o exercício da magistratura, não para garantir o exercício para prática de crime”, destaca o professor.

Os condenados pelo TJES rejeitam o rótulo de prêmio para a pena de aposentadoria compulsória e a consideram um “castigo doloroso”. A maioria ainda está recorrendo da condenação, seja ao próprio Tribunal, ao CNJ ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Enquanto aguardam o julgamento, há juiz aposentado que mudou-se para a Itália, outro dando palestras motivacionais, entre outras atividades.

A lista
Pelo levantamento feito pelo Tribunal, a pedido de A GAZETA, nos últimos 10 anos sete juízes e dois desembargadores foram condenados a se aposentar, com salário proporcional ao tempo de serviço, em Processo Administrativo Disciplinar (PAD). As outras penas possíveis são advertência, censura, remoção e disponibilidade.

Na lista dos condenados estão os desembargadores Josenider Varejão Tavares, falecido em novembro de 2011, e Frederico Guilherme Pimentel, que presidia o TJES quando foi deflagrada a Operação Naufrágio, em 2008. Ambos foram punidos com aposentadoria devido a fatos revelados na operação, assim como a juíza Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel.

Com mais de 30 anos de magistratura, Pimentel manteve salário de R$ 24,1 mil e é visto em caminhadas na praia e tem cuidado da fazenda da família em São Mateus.

A relação dos punidos com aposentadoria tem ainda os juízes Antônio Leopoldo Teixeira, Catarina Ramos Antunes, João Miguel Filho, Luiz Guilherme Ribeiro, Sebastião Mattos Mozine e Silvio de Oliveira.

MBA e decepção
Mais jovem da lista, com 37 anos, Larissa foi aposentada em 2010, após sete anos de magistratura, e recebe R$ 7,2 mil por mês. Ela se diz vítima de “perseguição pessoal”, por causa da Naufrágio, alega que o processo em que foi condenada “é todo nulo”, porque não pôde fazer perícia e afirma que fatos da sua vida pessoal, como desfilar no carnaval e sair com frequência em colunas sociais, foram citados no caso “por falta de argumentos jurídicos”.

Os desembargadores do TJES a condenaram por intermediar interesses particulares e de terceiros, cooperar para o recebimento de vantagens indevidas do marido – o ex-juiz Frederico Luís Schaider Pimentel, demitido por causa de fatos ligados à operação – e familiares, “com exploração de prestígio, além de autopromoção em razão do cargo”.

O CNJ manteve a decisão e ela vai buscar a esfera judicial para tentar revertê-la. O marido foi demitido e desligado definitivamente da magistratura porque não havia completado ainda o estágio probatório, de dois anos.

Enquanto aguarda, a juíza aposentada decidiu cursar MBA em área não informada e foi madrinha de bateria da Novo Império este ano. Alegando “decepção grande com a magistratura e o Judiciário estadual”, Larissa quer conhecimentos em outras áreas. Sobre a aposentadoria, argumenta que o magistrado contribui a vida inteira e tem direito: “Não entendo por que as pessoas veem como prêmio. Não estão me premiando, estão me podando de exercer meu trabalho”.

Palestra em igrejas
Condenado em PAD em 2005, por várias irregularidades à frente da Vara de Execuções Penais, Antônio Leopoldo agora canta, dá palestras em igrejas e faz seminários sobre motivação pessoal, tema de livro que lançou.

Ele não comenta sobre a ação penal em que é acusado de ser mandante da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho e alega que não recorreu da condenação no PAD porque levou tudo “para o lado espiritual”. Porém, considera a aposentadoria de R$ 27,3 mil, após 24 anos como juiz, “um castigo”.

“Ser juiz é sacerdócio. A sociedade fala da aposentadoria compulsória, mas se a pessoa contribuiu tem que receber proporcional. A aposentadoria é um castigo doloroso. Você vive como um lixo social, é execrado publicamente. Minha família sofre”, alega Leopoldo.

Outro que se diz injustiçado é Sebastião Mozine, punido por ceder sua propriedade para um condenado pela Justiça guardar veículos adulterados. Ele recorre ao STJ, tem orientado o filho e advogado Augusto Mozine, e também presta consultoria jurídica a amigos. “Pretendo retornar à magistratura com a força de trabalho que tinha. A aposentadoria é uma garantia para o juiz”, afirma Mozine, que ganha R$ 17,4 mil após 15 anos como juiz e 12 anos como defensor público.

A advogada Caroline Antunes Bastos, que defende a juíza Catarina Ramos, condenada por irregularidades à frente da Comarca de Muniz Freire, alega que houve nulidades no caso e vai recorrer. A defesa de Silvio de Oliveira aguarda julgamento de recurso no TJES e a de João Miguel deve recorrer ao CNJ.

Mesmo condenados, esses três e Luiz Guilherme Ribeiro ainda recebem salário integral, R$ 22.911, como se estivessem na ativa, pois aguardam o cálculo do valor da aposentadoria no Instituto de Previdência dos Servidores (IPAJM). Somando atrasados e outros benefícios, Catarina recebeu R$ 48,8 mil brutos em março; João Miguel R$ 40,1 mil; Oliveira, R$ 39,1 mil; e Luiz Guilherme, R$ 39,6 mil.

Avaliação
O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), juiz Sérgio Ricardo de Souza, diz que é preciso discutir a aplicação da perda do cargo como pena disciplinar, em casos mais graves. Mas ele defende que o juiz deve receber de volta o dinheiro que contribuiu para a previdência ou ter direito a uma aposentadoria proporcional.

Sobre o número de aposentadorias aplicadas pelo TJES, Sérgio Ricardo avalia que é um percentual grande e “extremamente negativo” para a categoria. Ele destaca, contudo, que isso reflete uma “mudança na mentalidade nos últimos anos no Tribunal e necessidade de mais transparência”.

“É produto de uma correção histórica. Antes, o Tribunal não tinha mentalidade de dar resposta à sociedade. A criação do CNJ foi fundamental para o aperfeiçoamento do Judiciário, e no caso do TJES, a renovação do quadro de desembargadores ajudou nessa mudança de mentalidade”, disse.

Procurados, o corregedor-geral da Justiça, Carlos Henrique Rios do Amaral, estava de licença médica, e a vice-corregedora, Catharina Barcellos, assim como a presidência do Tribunal, não quiseram comentar o tema.

A lista

Antônio Leopoldo
Valor: R$ 27.378,38
Idade: 56 anos de idade e foi juiz por 24 anos
Situação: Condenado em 2005, em processo disciplinar por diversas irregularidades na Vara de Execuções Penais, teve a aposentadoria confirmada em janeiro de 2008. Foi ao Supremo para manter aposentadoria. Foi absolvido em ação penal em que era acusado de corrupção e aguarda julgamento da ação em que é acusado de mandar matar o juiz Alexandre Martins.

Catarina R. Antunes
Valor: R$ 22.911,74. Em março somou R$ 48,8 mil brutos e R$ 37,9 mil líquido.
Idade: 57 anos. Foi nomeada juíza em 2004
Situação: Foi condenada em março de 2012 pelo TJES, acusada de irregularidades na Comarca de Muniz Freire, porque não se declarou impedida ao julgar ações de pessoas próximas, tornou-se devedora no comércio local e enviou relatório com dados falsos ao CNJ. A defesa vai recorrer da decisão e a aposentadoria dela, confirmada em setembro de 2012, ainda aguarda cálculo do valor no Instituto de Previdência dos Servidores (IPAJM).

Frederico Pimentel
Valor: R$ 24.117,62
Idade: 71 anos
Situação: O processo de aposentadoria aguarda registro no Tribunal de Contas (TCES). Condenado em maio de 2010 pela criação de cartório em Cariacica por ato administrativo unilateral. O TJES entendeu que o ato visava beneficiar sua família, com base em conversas gravadas no inquérito da Operação Naufrágio. Hoje ajuda a família a cuidar de fazenda em São Mateus.

João Miguel Filho
Valor: R$ 22.911,74. Em março ganhou R$ 40,1 mil brutos e R$ 32,2 líquidos
Idade: 51 anos. Atuava como juiz há 21 anos.
Situação: O ato de aposentadoria saiu em março último e aguarda cálculo no IPAJM. O TJES o condenou por ter agido sem cautela na liberação de pagamento em favor de uma empresa, em uma ação. Ainda não recorreu.

Josenider V. Tavares
Situação: Faleceu em 2011, após ter sido condenado pelo TJES por vários atos irregulares revelados na Naufrágio. O IPAJM não informou se foi requerida pensão.

Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel
Valor: R$ 7.252,19
Idade: 37 anos e juíza por sete anos
Situação: O TJES a condenou, em fevereiro de 2010, por intermediar interesses particulares e cooperar para recebimento de vantagens indevidas do cartório criado pelo sogro. Aposentadoria está para registro no TCES. Está estudando MBA, já teve recurso negado no CNJ e agora vai ao STJ.

Luiz Guilherme Ribeiro
Valor: R$ 22.911,74. Em março recebeu R$ 39,6 mil brutos e R$ 31 mil líquidos
Idade: 74 anos
Situação: Foi condenado em junho de 2006 por irregularidades quando era juiz em Cachoeiro de Itapemirim, envolvendo a venda de veículo. Sua aposentadoria ainda está no IPAJM para cálculo.

Sebastião Mozine
Valor: R$ 17.401,92
Idade: 57 anos
Situação: Aposentado em julho de 2010, acusado de ceder terreno para condenado pela Justiça usar para guardar veículos adulterados. Está recorrendo ao STJ.

Silvio de Oliveira
Valor: R$ 22.911,74. Em março ganhou R$ 39,1 mil brutos e R$ 29,1 mil líquidos
Idade: 53 anos. Era juiz desde 1998.
Situação: Foi condenado em 2011. Acusado de dar decisões em casos que não era mais o responsável, quando era juiz em Guarapari. Aguarda cálculo do valor no IPAJM.

Compartihe

OUTRAS NOTÍCIAS

Trabalhador que passa por desvio de função tem direito à diferença de salário entre os cargos
Embargos de declaração não são meio para reabrir questões de prova
Negada indenização a transexual que teria sido impedida de usar banheiro feminino