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A vítima de violência doméstica pode “retirar a queixa” ?

Por Victor Emídio

É bastante comum, no contexto dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, que a vítima reconcilie-se com o agressor ou manifeste desinteresse que ele seja processado criminalmente.
As razões são variadas.
Estão ligadas, principalmente, a um quadro de dependência econômica e afetiva, cujo maior detalhamento foge às pretensões deste texto.
Em outra oportunidade, já analisamos a (im) possibilidade de o agressor ser absolvido após o casal reatar o relacionamento.
A discussão que agora proponho é diferente. Imagine que o agressor tenha ameaçado a vítima, praticando, em tese, o crime previsto no art. 147 do Código Penal (ameaça), que consiste em:
Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave.
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.
Agora, imagine que, ouvida na Delegacia de Polícia, por algum motivo a vítima manifestou desinteresse na persecução penal, ou seja, disse que não deseja que seu algoz seja investigado e/ou processado criminalmente.
Isso é possível? As autoridades são obrigadas a concordar com o desejo da vítima ou, ainda assim, podem investigar (no caso da Polícia Judiciária) e denunciar (no caso do Ministério Público?
Veja que o parágrafo único do artigo 147 do CPB prevê que, no crime de ameaça, somente se procede mediante representação.
E o que isso significa?
A representação é uma autorização que a vítima concede ao Estado para que ele promova a persecução penal (investigue e/ou denuncie). Sem ela, as autoridades nada poderão fazer. É o que determinam o artigos 5º, § 4º, e 24, ambos do Código de Processo Penal.
No caso da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) há uma peculiaridade, prevista em seu artigo 16:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.(grifei)
A redação do dispositivo legal é péssima, o que leva inúmeros juízes, a pedido do Ministério Público, a marcarem uma audiência; ainda que, na Delegacia de Polícia, a vítima tenha afirmado não pretender que o feito prossiga.
Trata-se de um equívoco, pois, obviamente, só se renuncia àquilo que se tem.
Ou seja, se a vítima optou por não representar contra o agressor, então ela não tem nada a renunciar em audiência perante o juiz.
Assim, a audiência do art. 16 da Lei 11.340/2006 somente deverá ser designada se, num primeiro momento, a vítima manifestou o seu interesse em representar contra o agressor, mas, tempo depois, antes de recebida a denúncia pelo juiz, ela expressou o seu desejo de não mais representar. É o que se chama de retratação (e não de renúncia, razão pela qual a redação do art. 16 é falha).
É o que acertadamente vem decidindo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA – LEI MARIA DA PENHA – PRELIMINAR – AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 11.340/06 – INOBRIGATORIEDADE – DESIGNAÇÃO SOMENTE QUANDO HOUVER MANIFESTAÇÃO DA VÍTIMA NO SENTIDO DE DESISTIR DO FEITO – PRELIMINAR REJEITADA – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – PALAVRA DA VÍTIMA – RELEVÂNCIA – CONDENAÇÃO MANTIDA – CONFISSÃO ESPONTÂNEA EXTRAJUDICIAL – ATENUANTE – RECONHECIMENTO – POSSIBILIDADE. – A correta interpretação do art. 16, da Lei 11.340/06, estabelece a excepcionalidade da audiência para a retratação da representação oferecida pela vítima, devendo, então, ser designado tal ato somente nas hipóteses em que a vítima manifeste o desejo de se retratar, antes do oferecimento da denúncia (…).
(TJMG – Apelação Criminal 1.0079.17.001924-8/001, Relator (a): Des.(a) Agostinho Gomes de Azevedo , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/06/2020, publicação da sumula em 26/06/2020) (grifei)
Basta pensar na situação de o casal ter reatado o relacionamento.
Por fim, um outro ponto precisa ser analisado com cuidado!
Caso a vítima tenha sido agredida fisicamente, a ação penal será de iniciativa pública incondicionada à representação. Significa dizer que, nesse caso, é irrelevante que a vítima manifeste o seu (des) interesse em ver o agressor sendo investigado ou processado criminalmente.
Ainda que ela diga que não pretende representar contra ele, o processo caminhará normalmente. Havendo, inclusive a possibilidade de que ele venha a ser condenado.
Se, por exemplo, o agente, no mesmo contexto, na mesma discussão, agrediu a vítima fisicamente e proferiu ameaças de causar a ela mal injusto e grave, ainda que, em relação à ameaça, a vítima deixe de representar contra ele, ou, uma vez que representou, tenha se retratado, o processo seguirá normalmente quanto à agressão física, que pode ser tanto um crime de lesão corporal (art. 129, § 9º, do CPB) quanto uma contravenção penal de vias de fato (art. 21 da Lei das Contravencoes Penais).
Vai depender da existência de lesões, bem como de sua gravidade.
jurisbrasilnoticias

Vanessa Rocha
ADVOGADA DESDE 2002
Escritório especializada na Área Cível, com ampla atuação profissional desde 1999, em Direito de Família, Civil, Empresarial, Consumeirista. Atendimento a pessoa física ou jurídica, com consultoria e assessoria na área contratual. A confiança depositada na qualidade de seu serviço tem resultado na representação legal de algumas das mais importantes empresas nacionais.

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Foto: pixabay

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