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Restrição recursal nos juizados especiais

O Agravo de Instrumento

No âmbito dos Juizados Especiais Federais somente cabe Agravo de Instrumento das decisões que deferem a liminar, consoante art. 5º, da Lei 10259/01, repetida pela Lei 12153/09, art. 4º, que trata dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, nos Estados e no DF.

Questões atinentes à rediscussão de decisões interlocutórias que têm por objeto, dentre outras, o indeferimento de liminar, justiça gratuita, competência, produção de provas, execuções, ultrapassam os estritos limites da via recursal admitida nos JEF’s.

A restrição recursal, de base legal, ora destacada, justifica-se em razão dos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, próprios dos juizados especiais, definidos pela Lei 9099/95. Mais do que critérios, tais aspectos traduzem autênticos valores dessa jurisdição especial e que devem ser prestigiados com afinco, de modo a não se afastar a jurisdição especial do compromisso que lhe fora reservado de ser uma Justiça eficiente e de autêntica efetividade para a solução de conflitos e promoção da paz social.

Não há nada de novo em se admitir a delimitação recursal imposta pela Lei 10259/01. Outras excepcionalidades processuais, impensáveis na jurisdição ordinária, também aplicam-se nos JEF’s, como o exercício da capacidade postulatória sem advogado, a impossibilidade de intervenção de terceiros, a impossibilidade de prazos diferenciados para as pessoas de direito público, a mitigação do ônus da prova, a impossibilidade de liminar em agravo de instrumento, a inexistência de reexame necessário, a inexistência de ação rescisória e a impossibilidade de Recurso Especial.

Esse descabimento do agravo de instrumento das liminares indeferidas não decorre da mera opção legislativa. Mais do que isso, tal limitação encerra uma lógica recursal e que se associa à ideia da convalidação da situação de fato. Como a decisão de deferimento da liminar é que implica alteração do estado de fato anteriormente existente, é razoável então que dessa decisão se permita sua rediscussão por um novo juízo, no caso, por um órgão colegiado, exatamente para se alcançar um momento de fato convalidado, seja confirmando-se o novo fato resultante da decisão agravada, seja restabelecendo a situação de fato anterior que foi modificada por aquela decisão. Por sua vez, quando se está diante de decisão indeferitória, a situação anterior de fato mantém-se inalterada, o que significa dizer que a decisão de primeiro grau convalidou-a, ainda que provisoriamente.

É importante destacar que as restrições que se impõem ao cabimento do Agravo de Instrumento nos JEF’s não implicam suprimir o direito constitucional de acesso à Justiça e à ampla defesa (CF, art. 5º, XXXV e LV), pois tais garantias constitucionais realizam-se com os “meios e recursos a ela inerentes”, consoante art. 5º, LV, da CF. E esses meios e recursos, no caso dos juizados especiais, são os explicitamente definidos pelas Leis 9099/95, 10259/01e 12153/09. Além disso, todas as questões decididas em primeiro grau, e das quais não cabe o recurso de Agravo de Instrumento, comportam ser devolvidas à análise da Turma Recursal, pelo recurso interposto da sentença. Esse, aliás, o entendimento que emerge do Enunciado 107, do FONAJEF: “Fora das hipóteses do artigo 4º da Lei 10.259/2001, a impugnação de decisões interlocutórias proferidas antes da sentença deverá ser feita no recurso desta (art. 41 da Lei 9.099/95)”.

Essa meritória restrição ao Agravo de Instrumento adotada pelo modelo do JEF, não bastasse imprimir reais contornos de economia e celeridade processuais, resta por valorizar a atuação jurisdicional do juiz de primeiro grau, cuja autoridade de suas convicções deve ser melhor prestigiada, até mesmo como primado de real observância ao princípio do juiz natural, e que não pode se confundir com a atuação do juiz do segundo grau chamado a decidir, ocasional e incidentalmente, por aquele recurso.

A virtude desse novo sistema deveria até mesmo servir de norte para o aperfeiçoamento do sistema processual convencional. O que não se pode admitir é que cultura recursal ilimitada e criativa na jurisdição ordinária contamine os juizados especiais, sob pena de estes virem a ter apenas a roupagem de uma nova Justiça, pois, na sua essência, passariam a guardar os resquícios de um sistema, o da jurisdição ordinária, que o tempo já se incumbiu de chancelar como atrofiado, por sua nada discreta ou sutil morosidade.

Por fim, um essencial registro: também é da lógica das causas nos juizados especiais que a parte se conforme com o prejuízo econômico decorrente da solução judicial, e mesmo que não disponha de uma ampla gama de oportunidades para rediscussão da decisão. Isso é inerente às ações de alçada e, no modelo dos juizados especiais, sendo uma opção da sociedade expressada pelo legislador. Se isso é bom ou ruim não é no Judiciário que se tem o local apropriado para essa discussão, e sim no Legislativo. E este já reafirmou o acerto desse modelo, ao editar a Lei 12.153/09, quase 10 anos após a edição da Lei 10259/01.

Demais disso, a qualidade da prestação jurisdicional não se mede pela oportunidade de prolongamento dos debates nas mais diversas instâncias recursais, mas sim pela decisão fundamentada, o que, em última análise, é o que se exige já desde o primeiro grau de jurisdição.

 

Autor: Alexandre Vidigal de Oliveira
Doutor em direito e juiz federal em Brasília.

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