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Juiz descarta prisão de mulheres que fizeram aborto em MS

O pedido de investigação sobre cerca de 10 mil mulheres em Campo Grande (MS) não deve resultar em punições mais graves. Essa é a conclusão do juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Mato Grosso do Sul, responsável pelo caso.

O pedido de investigação sobre cerca de 10 mil mulheres em Campo Grande (MS) não deve resultar em punições mais graves. Essa é a conclusão do juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Mato Grosso do Sul, responsável pelo caso. Ele atendeu pedido do promotor de Justiça Paulo César dos Passos e decidiu que as fichas médicas de 9.896 mulheres encontradas na Clínica de Planejamento Familiar, acusada de praticar abortos, serão investigadas pela Polícia Civil.

“Caso sejam culpadas, existem alternativas que não seja a detenção e que são mais adequadas para esse caso. Nem condenadas elas vão ser. Nossa legislação é bem branda nessa parte”, afirmou o magistrado ao Congresso em Foco.

O juiz se refere à Lei dos Juizados Especiais Federais, que prevê nos casos de crimes com menor potencial ofensivo a possibilidade de suspensão do processo mediante o cumprimento de algumas condições, como a prestação de serviços comunitários. Em todo o país, há cerca de 25 mil mulheres presas. Nenhuma delas, porém, pela prática de aborto.

De acordo com o magistrado, no primeiro processo sobre o caso, no qual 26 mulheres foram acusadas de praticar aborto, apenas uma não aceitou acordo com a Justiça, alegando não ter cometido o crime. As outras optaram por fazer trabalhos comunitários em creches por um ano, em troca da suspensão do processo. Após esse período, a ação poderá ser extinta pela Justiça.

Adjetivo pesado

A polêmica começou em abril do ano passado, quando a TV Morena, afiliada da Rede Globo, mostrou uma reportagem em que a dona da clínica negocia o valor da interrupção da gravidez.

Aluízio disse que seu despacho foi claro e que apenas as fichas com indício da prática do crime serão investigadas, sendo praticamente impossível a aplicação da punição máxima prevista para este caso, que é a prisão de um a três anos.

“Criminoso é um adjetivo pesado para o caso delas. Elas não merecem essa pecha. Não estamos perseguindo ninguém. Se for crime, tem que apurar. Existe um pedido de investigação e a gente não pode prevaricar”, defende.

O promotor de Justiça que iniciou o processo, Paulo César dos Passos, afirmou que o episódio em Campo Grande irá reacender o debate sobre a legalização do aborto. “Com certeza esse episódio vai reavivar o debate em relação à descriminalização do aborto”, declarou ao Congresso em Foco.

Passos é categórico em relação à punição a ser aplicada às clientes e, principalmente, à dona da clínica. “Foram usados medicamentos veterinários, e psicólogos induziam as clientes ainda em dúvida a abortar”, diz. Ele acusa as clínicas clandestinas de formarem um “mercado funesto” de interrupção de gravidez.

O promotor estima que cerca de 2 mil mulheres devem ser processadas. O número não será maior, segundo ele, por causa da dificuldade em se comprovar a prática do aborto.

Exposição

Para a professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz, que produziu o relatório “Aborto e saúde pública: 20 anos de pesquisas no Brasil”, em conjunto com a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Marilena Cordeiro Dias, o caso de Campo Grande é único no país, não só pela quantidade, mas também pela exposição das mulheres.

“A ficha médica é o documento do paciente. Ele é uma peça de sigilo. Este ato violento põe em risco todo o sistema de saúde”, acredita.

Essa preocupação também já chegou ao Congresso. No início da semana, a bancada feminina pediu ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), a criação de uma comissão externa para acompanhar o caso em Mato Grosso do Sul (leia mais).

Chinaglia disse ao Congresso em Foco que o pleito das deputadas é válido, uma vez que visa a preservar a identidade e o direito à defesa das mulheres que não praticaram aborto. “A preocupação central é mais do que legítima, porque elas estão preocupadas quanto ao fato de uma mulher, por exemplo, que fez curetagem uterina com indicação terapêutica, isso possa, eventualmente, numa ação genérica, caracterizar uma prática ou ilegal ou contrária àquilo que a própria mulher pensa e pratica.”

Questão de gênero

De acordo com o estudo, o perfil das mulheres que praticam aborto no país é formado por jovens entre 20 e 29 anos, católicas, com filho, e que tomaram a decisão como forma de planejamento reprodutivo. O levantamento indica que pelo menos 3,7 milhões de mulheres realizaram aborto no Brasil nas duas últimas décadas.

Para Dulce Xavier, secretária-executiva da Jornada pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro e da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, a situação das mulheres de Campo Grande reflete a atuação de setores religiosos que atuam contra os direitos reprodutivos.

“São 10 mil mulheres que estão sendo processadas e não 10 mil homens. Essas mulheres não engravidaram sozinhas. A resposta da lei é a cadeia e não a resolução do problema. Não é criminalizando que a gente resolve”, defende.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Pompeo de Mattos (PDT-RS), considera que a série de processos movidos em Campo Grande criminaliza o gênero e não as pessoas. O promotor Paulo César dos Passos rebate a crítica e diz que o Código Penal coloca a mesma pena para quem contribui para o crime, como namorados ou marido que incentivaram ou financiaram a interrupção da gravidez.

“Mas é muito difícil, porque muitas vezes a pessoa não colabora”, disse o promotor ao Congresso em Foco. Ele cita que entre as mulheres processadas está uma mãe que pagou o aborto para sua filha adolescente.

O promotor, o juiz e o delegado que cuidam do caso foram convocados pela Comissão de Direitos Humanos para explicar o andamento dos processos.

Embate

O assunto também é cercado de polêmica no Congresso, o que faz com que as propostas que regulamentam a questão fiquem paradas por muito tempo nas comissões. Na quarta-feira (7), em reunião tensa, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara rejeitou o projeto de lei que previa a descriminalização do aborto e o que permita a prática em qualquer circunstância até o terceiro mês de gestação (leia mais).

Dulce Xavier, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, acredita que a pressão dos grupos religiosos foi decisiva na votação da Câmara. “Esses grupos insuflam contra direitos já conquistados, como os contraceptivos de emergência. O argumento deles têm base religiosa. É um descaso com a democracia, com a condição laica do Estado”, argumenta.

Levantamento feito em junho do ano passado pelo Congresso em Foco mostrou que a maioria das proposições sobre o tema torna a legislação mais dura no caso de quem pratica o aborto. Das 22 proposições sobre o tema que tramitavam na Câmara, 12 tornavam a punição para esse tipo de crime mais rígida.

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