seu conteúdo no nosso portal

Nossas redes sociais

Cabe ação monitória por dívida de jogo em cassino norte-americano

Ação monitória. Cobrança. Dívida de jogo. Cassino norte-americano. Possibilidade

A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional.

Inicialmente, ressalte-se que o tema merece exame a partir da determinação da lei aplicável às obrigações no domínio do direito internacional privado, analisando-se os elementos de conexão eleitos pelo legislador. Com efeito, o art. 814 do Código Civil de 2002 trata das dívidas de jogo e repete praticamente o conteúdo dos art. 1.477 a 1.480 do Código Civil de 1916, afirmando que as dívidas de jogo não obrigam a pagamento. Inova com a introdução dos parágrafos 2º e 3º, buscando corrigir omissão anterior, esclarecendo que é permitida a cobrança oriunda de jogos e apostas legalmente autorizados. O art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, por sua vez, estabelece, no que se refere às obrigações, duas regras de conexão, associando a lei do local da constituição da obrigação com a lei do local da execução. No caso em debate, a obrigação foi constituída nos Estados Unidos da América, devendo incidir o caput do referido dispositivo segundo o qual deve ser aplicada a lei do país em que a obrigação foi constituída, já que não incide o segundo elemento de conexão. Sob essa perspectiva, a lei material aplicável ao caso é a americana. Todavia, a incidência do referido direito alienígena está limitada pelas restrições contidas no art. 17 da LINDB, que retira a eficácia de atos e sentenças que ofendam a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Em primeiro lugar, não há que se falar em ofensa aos bons costumes e à soberania nacional, seja porque diversos jogos de azar são autorizados no Brasil, seja pelo fato de a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retirar o poder soberano do Estado. No tocante à ordem pública – fundamento mais utilizado nas decisões que obstam a cobrança de dívida contraída no exterior – cabe salientar tratar-se de critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade, procurando-se certa correspondência entre a lei estrangeira e o direito nacional. Nessa perspectiva, verifica-se que ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo quanto a esses, admitida a cobrança. Consigne-se, ademais, que os arts. 884 a 886 do Código Civil atual vedam o enriquecimento sem causa – circunstância que restaria configurada por aquele que tenta retornar ao país de origem buscando impunidade civil, após visitar país estrangeiro, usufruir de sua hospitalidade e contrair livremente obrigações lícitas. Não se vislumbra, assim, resultado incompatível com a ordem pública, devendo ser aplicada, no que respeita ao direito material, a lei americana.
Veja o acórdão:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. COBRANÇA. DÍVIDA DE JOGO. CASSINO NORTE-AMERICANO. POSSIBILIDADE. ART. 9º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. EQUIVALÊNCIA. DIREITO NACIONAL E ESTRANGEIRO. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. INEXISTÊNCIA. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VEDAÇÃO. TRIBUNAL ESTADUAL. ÓRGÃO INTERNO. INCOMPETÊNCIA. NORMAS ESTADUAIS. NÃO CONHECIMENTO. PRESCRIÇÃO. SÚMULA Nº 83/STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA.
1. Na presente demanda está sendo cobrada obrigação constituída integralmente nos Estados Unidos da América, mais especificamente no Estado de Nevada, razão pela qual deve ser aplicada, no que concerne ao direito material, a lei estrangeira (art. 9º, caput, LINDB).
2. Ordem pública é um conceito mutável, atrelado à moral e a ordem jurídica vigente em dado momento histórico. Não se trata de uma noção estanque, mas de um critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade.
3. Na hipótese, não há vedação para a cobrança de dívida de jogo, pois existe equivalência entre a lei estrangeira e o direito brasileiro, já que ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo quanto a esses, admitida a cobrança.
4. O Código Civil atual veda expressamente o enriquecimento sem causa. Assim, a matéria relativa à ofensa da ordem pública deve ser revisitada sob as luzes dos princípios que regem as obrigações na ordem contemporânea, isto é, a boa-fé e a vedação do enriquecimento sem causa.
5. Aquele que visita país estrangeiro, usufrui de sua hospitalidade e contrai livremente obrigações lícitas, não pode retornar a seu país de origem buscando a impunidade civil. A lesão à boa-fé de terceiro é patente, bem como o enriquecimento sem causa, motivos esses capazes de contrariar a ordem pública e os bons costumes.
6. A vedação contida no artigo 50 da Lei de Contravenções Penais diz respeito à exploração de jogos não legalizados, o que não é o caso dos autos, em que o jogo é permitido pela legislação estrangeira.
7. Para se constatar se houve julgamento do recurso de apelação por órgão incompetente e se, no caso, a competência é absoluta, seria necessário examinar a competência interna da Corte estadual a qual está assentada em Resolução e no Regimento Interno, normas que não se revestem da qualidade de lei federal, o que veda seu conhecimento em recurso especial. 8. A juntada dos originais de documento digital depende de determinação judicial e, no caso dos autos, tanto o juiz de primeiro grau quanto a Corte estadual dispensaram a providência, dada a ausência de indícios de vício, não restando comprovada a violação do art. 365, § 2º, do CPC/1973.
9. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, sedimentada em recurso repetitivo, a ação monitória fundada em cheque prescrito está subordinada ao prazo de 5 (cinco) anos, previsto para a cobrança de dívidas líquidas. Incidência da Súmula nº 83/STJ.
10. Apesar de se tratar de processo monitório, havendo dúvidas acerca do contexto em que deferido o crédito, de valor vultoso, sem a exigência de garantias, deve ser permitida a produção de provas em sede de embargos, sob pena de cerceamento de defesa.
11. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.
(REsp n. 1.628.974/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/6/2017, DJe de 25/8/2017.)
STJ
Foto: divulgação da Web

Compartihe

OUTRAS NOTÍCIAS

havendo o reconhecimento do tráfico privilegiado, oferecimento do acordo de não persecução penal deve ser possibilitado
Caução locatícia gera preferência de recebimento sobre a expropriação do imóvel
TRT-MG reconhece fraude à execução e mantém penhora sobre imóvel que teria sido vendido à irmã do devedor