Não há inconstitucionalidade de lei por conveniência financeira. O ministro Barroso votou favorável ao piso.
A Lei nº 3.999/61, que altera o salário-mínimo dos médicos e cirurgiões dentistas, foi objeto de questionamento quanto à sua recepção pela Constituição Federal de 1988, e o Supremo Tribunal Federal reconheceu e declarou a sua constitucionalidade para assegurar o piso salarial para médicos, cirurgiões dentistas e respectivos auxiliares.
A referida lei no seu art. 5º fixou o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vezes e o dos auxiliares a duas vezes mais o salário-mínimo comum das regiões ou sub-regiões em que exercerem a profissão
A decisão da ADPF 325 foi agora em 28 de abril de 2022.
Vê-se, assim, que o Supremo manteve o piso salarial da categoria, diferentemente do que fez com o piso dos enfermeiros, ante a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso em suspender a Lei aprovada pelo Congresso Nacional, e sancionada pelo Presidente da República, que assegura o piso salarial para a categoria dos enfermeiros.
A suspensão de uma lei tem base judiciosa quando embasada em sua inconstitucionalidade, ou seja, que afronte a Constituição Federal, mas não por questões subjetivas outras de natureza administrativa e financeira; não há suposta inconstitucionalidade por conveniência administrativa ou de relação trabalhista.
Na votação a ADFP 325, que manteve o piso salarial dos médicos, o ministro Luís Roberto Barroso votou favorável a sua manutenção.
A composição de votantes foi a seguinte: Ministros Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça, conforme extraído da ata de julgamento.
Ao manter o piso dos médicos na ADFP 325, a ministra relatora pontuou seu voto da seguinte forma, no que interessa:
Ementa: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Piso salarial dos médicos, cirurgiões dentistas e respectivos auxiliares (Lei nº 3.999/61). Salário profissional fixado em múltiplos do salário-mínimo nacional. Alegada transgressão à norma que veda a vinculação do salário-mínimo “para qualquer finalidade” (CF, art. 7º, iv, fine). Inocorrência. Cláusula constitucional que tem o sentido de proibir o uso indevido do salário-mínimo como indexador econômico. Precedentes. Jornada especial de trabalho. Competência da União para legislar sobre direito do trabalho (CF, art. 22, I). Precedentes. 1. Distinções entre o tratamento normativo conferido pelo texto constitucional às figuras jurídicas do salário-mínimo (CF, art. 7, IV) e do piso salarial (CF, art. 7, IV). 2. A cláusula constitucional que veda a vinculação do salário mínimo “para qualquer finalidade” (CF, art. 7, IV, fine) tem o sentido proibir a sua indevida utilização como indexador econômico, de modo a preservar o poder aquisitivo inerente ao salário mínimo contra os riscos decorrentes de sua exposição às repercussões inflacionárias negativas na economia nacional resultantes da indexação de salários e preços. 3. Além disso, a norma protetiva inserida no quadro do sistema constitucional de garantias salariais (CF, art. 7, IV, fine) protege os trabalhadores em geral contra o surgimento de conjunturas político- -econômicas que constituam obstáculo ou tornem difícil a implementação efetiva de planos governamentais de progressiva valorização do salário- -mínimo, motivadas pela aversão aos impactos econômicos indesejados que, por efeito da indexação salarial, atingiriam as contas públicas, especialmente as despesas com o pagamento de servidores e empregados públicos. 4. O texto constitucional (CF, art. 7º, IV, fine) não proíbe a utilização de múltiplos do salário-mínimo como mera referência paradigmática para definição do valor justo e proporcional do piso salarial destinado à remuneração de categorias profissionais especializadas (CF, art. 7º, V), impedindo, no entanto, reajustamentos automáticos futuros, destinados à adequação do salário inicialmente contratado aos novos valores vigentes para o salário-mínimo nacional. 5. Fixada interpretação conforme à Constituição, com adoção da técnica do congelamento da base de cálculo dos pisos salariais, a fim de que sejam calculados de acordo com o valor do salário-mínimo vigente na data da publicação da ata da sessão de julgamento. Precedentes (ADPF 53-MC-Ref, ADPF 149 e ADPF 171, todos da minha Relatoria). 6. Compatível com o princípio da autonomia da vontade coletiva (CF, art. 7º, XXVI) a estipulação, em lei nacional (CF, art. 22, I), de jornada especial a determinada categoria de trabalhadores, consideradas as peculiaridades e as condições a que estão sujeitos no desempenho de suas atividades profissionais. Precedentes. 7. Arguição de descumprimento conhecida. Pedido parcialmente procedente.
(ADPF 325, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 21/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 27-04-2022 PUBLIC 28-04-2022)
Extrai-se do voto da relatora, o que interessa:
“A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora):
- Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços – CNS, com o objetivo de dirimir relevante controvérsia em torno da compatibilidade com o texto constitucional dos arts. 5º e 8º da Lei nº 3.999/61, que instituem pisos salariais fixados em múltiplos do salário-mínimo nacional e estabelecem jornada de trabalho especial para as categorias profissionais dos médicos, cirurgiões dentistas e respectivos auxiliares. A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora):
- Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços – CNS, com o objetivo de dirimir relevante controvérsia em torno da compatibilidade com o texto constitucional dos arts. 5º e 8º da Lei nº 3.999/61, que instituem pisos salariais fixados em múltiplos do salário-mínimo nacional e estabelecem jornada de trabalho especial para as categorias profissionais dos médicos, cirurgiões dentistas e respectivos auxiliares.
- As normas impugnadas possuem o seguinte teor:
- As normas impugnadas possuem o seguinte teor: “Lei Federal nº 3.999, de 15 de dezembro de 1961 “Lei Federal nº 3.999, de 15 de dezembro de 1961
Art. 5º – Fica fixado o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vêzes e o dos auxiliares a duas vêzes mais o salário-mínimo comum das regiões ou sub-regiões em que exercerem a profissão………………..
- Insurge-se a autora contra a norma inscrita no art. 5º da Lei nº 3.999/61, alegando que tal regra não teria sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, considerada a expressa vedação constitucional à vinculação do piso salarial mínimo vigente para qualquer finalidade (CF, art. 7º, IV), especialmente a de fixar em múltiplos do salário-mínimo nacional a remuneração de determinada categoria profissional.
Voto, no que interessa:
À semelhança do salário-mínimo, o piso salarial também objetiva a fixação de um patamar retributivo mínimo ao trabalhador, em atenção a suas necessidades vitais pessoais e familiares, havendo que se ressaltar, no entanto, a existência das seguintes diferenças fundamentais entre as duas figuras jurídicas:
(a) (a) enquanto o salário-mínimo destina-se aos trabalhadores em geral, qualificando-se como direito fundamental essencial titularizado por qualquer categoria profissional (pública ou privada), o piso salarial tem o seu alcance voltado apenas a grupos determinados de trabalhadores, identificados pela atividade que exercem, compondo categorias específicas ou profissões, geralmente regulamentadas (como os engenheiros, arquitetos, veterinários, agrônomos e químicos, p. ex.);
……………
Isso significa que o art. 5º da Lei nº 3.999/1961, ao instituir um patamar salarial mínimo a ser observado apenas em relação a determinadas categorias profissionais (médicos, cirurgiões-dentistas e auxiliares), claramente adotou modelo compatível com a figura do piso salarial (CF, art. 7º, V), também denominado salário profissional, estabelecendo, ainda, a definição de um valor proporcional e compatível com o grau de especialização e o nível de complexidade inerente ao trabalho realizado pelos profissionais a que a lei se refere.
Ao assim proceder, o legislador ordinário elegeu como critério objetivo para a definição do valor inicial ou mínimo a ser pago àqueles profissionais dois parâmetros que utilizam como referência o valor do salário-mínimo nacional: piso salarial correspondente a 03 (três) salários mínimos para os médicos e cirurgiões-dentistas e 02 (dois) salários mínimos para os respectivos técnicos auxiliares.
………
Vê-se, daí, que a utilização do salário-mínimo nacional como mera referência paradigmática para a ponderação em torno do preço justo e proporcional a ser pago para determinada categoria de trabalhadores, sem que isso possa repercutir na indexação do valor inicialmente contratado a futuros reajustes do salário-mínimo, não viola nem transgride a cláusula constitucional prevista no art. 7º, IV, fine, da Constituição Federal, que veda, exclusivamente, a vinculação do salário- -mínimo como índice econômico de reajuste e atualização de preços.
Conclusão do voto:
Ante o exposto, conheço da arguição de descumprimento e julgo parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a compatibilidade do art. 5º da Lei federal nº 3.999/61 com o texto constitucional…”
STF/Equipe Jurídica
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