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Plano de Direitos Humanos não avançará no Congresso

Com ano reduzido pelas eleições, é muito pouco provável que parlamentares se debrucem em 2010 sobre as propostas do PNDH3

 
Muito barulho por nada. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), recorre ao título da peça de William Shakespeare para comentar a polêmica em torno do Plano Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo governo no final do ano passado. Patrocinado pela Secretaria de Direitos Humanos, o documento, a terceira versão de um plano que teve duas edições anteriores no governo Fernando Henrique Cardoso, trata de questões que vão desde as investigações e punições dos crimes cometidos durante a ditadura militar até o conteúdo das emissoras de televisão, passando por temas como a reforma agrária. Por sua amplitude, originou um ensaio de rebelião militar, debelado pelo presidente Lula. Mesmo alterado, porém, ainda enfrenta várias resistências. E é nesse ponto que Temer comenta que o barulho é grande para pouca conseqüência prática de fato. “O plano é uma carta de intenções. Produziu muita polêmica, mas nada do que ele sugere tem efeito imediato”, diz Temer, de acordo com sua assessoria.
De fato, o plano é apenas uma diretriz de governo, um conjunto de sugestões. O Executivo prevê que, nos próximos onze meses, encaminhará  ao Congresso 27 projetos de lei sobre os pontos que constam do plano. O problema é que não parece haver da parte do Congresso qualquer disposição em levar adiante, ainda este ano, temas que geraram tanta polêmica.
Dois fatores competem para dificultar a entrada do Plano de Direitos Humanos na pauta de prioridades da Câmara. E ambos estão ligados ao fato de haver eleições presidenciais e estaduais em outubro. O calendário legislativo ficará reduzido. Após o recesso parlamentar do meio do ano, em julho, até o final do segundo turno das eleições, no dia 31 de outubro, nada será votado no Congresso. Assim, a possibilidade de votações está praticamente reduzida ao que vier a acontecer no primeiro semestre.  Como já adiantara o Congresso em Foco no final do ano passado, em 2010, é consenso entre os parlamentares que a produtividade do Legislativo será baixa e que temas polêmicos estão fora da prioridade da Casa.
Congresso terá baixa produtividade em 2010
Assim, de acordo com a assessoria de Temer, a pauta da Câmara deverá ficar mesmo concentrada nos temas que já estavam definidos pelos líderes partidárias desde outubro do ano passado. E mesmo entre eles já há alguns de discussão mais complicada, que não tramitarão facilmente. Como a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais;  o fim do foro privilegiado para todas as autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; a PEC do trabalho escravo (que estabelece o confisco das terras de proprietários rurais que mantenham empregados em condições de escravidão), ou o fim do fator previdenciário.
Temas controversos
O Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), dividido em seis eixos, traz em sua essência temas controversos como a criação da Comissão da Verdade, proposta duramente criticada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e por comandantes das Forças Armadas. Os militares argumentam que a criação de uma comissão para trazer à tona os acontecimentos da ditadura fere a Lei da Anistia de 1979.
A carta de intenções do governo atinge também interesses de grandes grupos econômicos de telecomunicações. Setores da mídia têm avaliado que a proposta prevê censura e intervenção no conteúdo das empresas de rádio e TV. O programa propõe a aplicação de sanções, que incluem multas e cassação da concessão, em caso de conteúdos programáticos que ofendam os direitos humanos.
Leia a íntegra do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3)
Uma das maiores resistências que o programa do governo deve enfrentar no Congresso se refere às questões de acesso à terra. Os ruralistas têm declarado que a proposta fere o direito à propriedade, aumenta a insegurança jurídica e se mostra preconceituosa em relação ao agronegócio. Entre os pontos mais criticados, está a criação de um comitê de acompanhamento e de monitoramento para avaliar decisões judiciais e liminares de reintegração de posse.
“Quando o agronegócio reivindica uma melhor garantia do direito de propriedade, o governo ao invés de melhorar, faz um decreto que traz mais insegurança jurídica. Isso é chocante. Posso ter uma invasão e antes de falar com a Justiça, tenho que falar com o invasor. Esse é um rompimento de parâmetros da legislação e da democracia”, afirma o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho da Silva.
O programa também sugere maior rigor para a legislação no sentido de coibir o trabalho escravo e adotar medidas para coibir práticas de violência contra movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. O programa desagradou os ruralistas também por assegurar a demarcação de terras de quilombolas e indígenas e reforçar a necessidade de atualização dos índices de produtividade da terra.
“Aquilo não tem nada de direitos humanos. É um documento baseado em teses revanchistas, é uma espécie de golpe branco, que tentar desrespeitar e atropelar a Constituição. Foi um golpe de esperteza e vigarice do governo. O Congresso tem ampla maioria para rejeitar todos esses projetos. Eles querem revogar o direito de propriedade. Não vejo nenhuma chance de avançar”, considerou o líder do DEM na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (GO).
Trincheiras
Uma possibilidade admitida é que a discussão do plano possa eventualmente se encaixar em temas correlatos que já estão na pauta. Caso, por exemplo, da PEC do Trabalho Escravo. De qualquer modo, tanto os setores que apoiam como os que combatem as ideias contidas no plano cavam no Congresso as suas trincheiras. Na segunda-feira (18), entidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos estiveram na Câmara discutindo estratégias com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias. A intenção é se defender da artilharia que virá dos ruralistas, das grandes empresas de comunicação e dos militares, os setores que mais demonstraram reação às ideias do plano.
Segundo o presidente da comissão, deputado Luiz Couto (PT-PB), a maioria dos integrantes do colegiado vai pressionar pela retomada do texto original do decreto presidencial, alterado semana passada pelo presidente Lula para conter a reação dos militares. “Com violação de direitos humanos, não se negocia, não tem concessão”, diz o deputado.
Lula retirou a expressão “no contexto da repressão política”, que antes limitava a investigação sobre “violação dos direitos humanos” na época do regime militar. Com a expressão, a possibilidade de investigação ficava reduzida às violações cometidas pelo Estado, sem possibilidade de se analisar também eventuais delitos cometidos pelos grupos de esquerda. Sem a expressão, abre-se essa possibilidade, ainda que o foco da investigação, ao final, seja definido pela Comissão da Verdade, que será criada.
Luiz Couto diz que as entidades ligadas aos direitos humanos querem que o governo amplie a definição da Comissão da Verdade, colegiado a ser instalado para apurar os crimes políticos na ditadura. “Vamos lutar pelo direito à memória, à verdade e também à Justiça. Não basta a família saber onde estão enterrados os desaparecidos. É preciso que haja um encontro dessa verdade com a Justiça, e isso só pode haver se existir vontade política de dialogar”, defendeu o deputado.
O encontro na Comissão de Direitos Humanos foi informal. A única decisão prática tomada foi um compromisso dos deputados presentes, de organizar, ainda no primeiro semestre, um seminário para discutir os principais pontos de conflito do plano.
“Queremos um debate amplo, franco e transparente com os mais diversos representantes da sociedade civil, os ruralistas, os grandes veículos de comunicação e os religiosos”, disse o deputado. Na avaliação dele, os setores que se opõem à proposta do governo têm feito “leitura enviesada” do texto do decreto porque fugiram do debate travado nas conferências que resultaram no PNDH3.
“Tem juiz falando que vão tirar suas prerrogativas”, diz Couto, referindo-se à parte do plano que se refere às decisões sobre reintegração de posse no caso dos conflitos agrários. “O que está lá já constava do PNDH2, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E não é bem assim. O que se quer é que o magistrado tenha a sensibilidade de, antes de determinar a reintegração de posse, conhecer a área em disputa”, exemplificou.
O deputado ressalta que pontos polêmicos do programa, como a descriminalização do aborto, a união civil de pessoas do mesmo sexo e a mudança nas regras para desapropriação de terras para reforma agrária, serão decididos pelo próprio Congresso, por meio de projetos de lei já em tramitação na Câmara e no Senado.
No dia 14 de janeiro, cerca de 80 organizações e movimentos sociais ligados às questões agrárias publicaram um manifesto em defesa do programa. As entidades defendem que as manifestações contrárias ao estabelecido na proposta do governo estão cheias de “conhecidas motivações conservadoras”. “É falso o antagonismo que se tenta propor ao dizer que o Programa atenta contra direitos fundamentais”, considerou.

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