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TJ-SP anula multa a motorista que se recusou a passar pelo bafômetro

TJ-SP anula multa a motorista que se recusou a passar pelo bafômetro

A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que em uma situação conflitiva, há de prevalecer, sobre a norma do § 3º do artigo 277 do CTB, a regra do artigo 186 do CPP, por ser mais benigna, por sua proximidade ao critério in dubio pro reo, e por exigir, prudentemente, a prova por quem acusa.

Veja o acórdão:

TRÂNSITO. RECUSA DE SUBMISSÃO A PROCEDIMENTOS VERIFICADORES DE INFLUÊNCIA ALCOOLICA. CONFLITO DA NORMA DO § 3º do ART. 277 do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) COM A REGRA DO ART. 186 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL -CPP. – Prevendo o CTB ser crime, suscetível de pena de detenção, “conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência” (art. 306), tem-se que, por força do sistema penal que é unitário , não se pode compungir um condutor de veículo a submeter-se a procedimento de aferição de eventual e atualizada influência de álcool em seu organismo, porquanto isto importaria em admitir a compulsão de produzir prova (fortuitamente) contra o próprio compelido. – O quadro dos autos ostenta um confronto de normas subconstitucionais, sem produzir-se, directe, uma crise de constitucionalidade: nesta específica situação conflitiva, há de prevalecer, sobre a norma do § 3º do art. 277 do CTB, a regra do CPP (art. 186), já (i) por mais benigna, (ii) já por sua proximidade do critério in dubio pro reo, (iii) já por exigir, prudentemente, a prova por quem acusa. Provimento da apelação. (TJSP –  11ª Câmara de Direito Público – Apelação Cível 1056133-85.2020.8.26.0053 –  Relator designado: Des. Ricardo Dip (Voto 58.803)

 

Extrai-se do voto do relator:

 

“5. A controvérsia estabelecida nestes autos agudiza- se para não dizer que se cifra em saber se é caso de reconhecer um conflito de constitucionalidade para, repulsada a harmonia da norma do § 3º do art. 277 com a Constituição federal de 1988, só assim admitir o afastamento de sua incidência na espécie, ou se, diversamente, pode negar-se essa incidência por meio de uma simples crise de legalidade.

Ora bem, prevê o Código de trânsito brasileiro ser crime, suscetível de pena de detenção, “conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência” (art. 306).

De ser assim, por força do sistema penal -que é unitário-, não se pode compungir um condutor de veículo a submeter-se a procedimento de aferição de eventual e atualizada influência de álcool em seu organismo, porquanto isto importaria em admitir a compulsão de produzir prova (fortuitamente) contra o próprio compelido.

Retomado com vigor na penalística de nossos tempos, o princípio in dubio pro reo tem a ampará-lo uma história não só de ideologias que o avessaram, mas também de aplicações eivada de transtornos, sob a égide de totalitarismos do século XX e de governos fortemente autoritários desse mesmo período.

Mas não faltam mesmo episódios, em regimes tidos ordinariamente por democráticos, em quais falece o in dubio pro reo em prol de supostos interesses públicos (é dizer, diante da prevalência do in dubio pro societate).

O critério in dubio pro reo equivale dizer que, nas situações de dúvida, haja de decidir-se em favor do réu não somente consagra a prudente exigência de certeza bastante para condenar (o que, na órbita penal, significa exigir certeza moral da culpa, tal o ensinaram as justamente celebradas páginas do Accogliete, illustri, de Pio XII), mas também corresponde, num território mais estritamente processual penal, à ideia de que a acusação têm o ônus de provar a culpa (nulla poena sine accusatione, culpa neque probatione).

Ou seja, a certeza suficiente para a condenação o que se tem entendido como probabilidade confirmatória da culpa quanto a um fato singular e concreto imputado ao réu é a que guarda correspondência com a prova da imputação, prova que onera quem acusa.

É neste quadro, em que atua o consequente do status da dúvida ou seja, em que a dúvida grave não deposta afasta uma condenação duvidosa , um estado em que a liberdade tem preferência sobre a restrição, em que a boa-fé (e não a má-fé) tem primazia, que se deve considerar o papel do silêncio dos arguidos.

Poderia até mesmo dizer-se, com uma reserva de provisoriedade, o papel do silêncio dos inocentes ou talvez melhor, dos não ainda convencidamente culpados. Porque é um dado universal a presunção de inocência ou mais adequadamente o status de não culpabilidade. Desta maneira, o non liquet probatório não pode ser superado por meio de uma compulsão de prova produzida pelo próprio imputado, nem de seu silêncio é dizer, da recusa lícita de produzir esta prova extrair-se a confirmação presumida da culpa.

Se o arguido, pois, pelo próprio sistema penal não está jungido a produzir prova contra si próprio (nemo tenetur edere contra se), a ponto de o vigente Código de processo penal prever, em seu art. 186:

“Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único.

O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”, não se vê como, com esta regra processual, harmonizar a do § 3º do art. 277 do Código de trânsito brasileiro.

Assim, pois, o quadro dos autos é o de um confronto de normas subconstitucionais, sem produzir- se, directe, uma crise de constitucionalidade. Nesta situação conflitiva, há de prevalecer a regra do Código de processo penal (art. 186), já (i) por mais benigna, (ii) já por sua proximidade do critério in dubio pro reo, (iii) já por exigir, prudentemente, a prova por quem acusa.

  1. Consta do auto de infração hostilizado que sua lavratura se deu em virtude de o condutor do veículo recusar-se a ser submetido a teste por etilômetro (código 7579 -e-págs. 31 e 34).

Na espécie, a autoridade administrativa preencheu o campo relativo aos sinais de alteração da capacidade psicomotora, indicando que o “condutor não apresenta sinais de embriaguez” (o realce gráfico não é do original – cf. e-pág. 31).

A aplicação do § 3º do art. 277 do Código de trânsito brasileiro exige que o condutor se tenha recusado a realizar os exames, e, para a espécie, não há prova de que o autor não se submeteu aos outros procedimentos previstos em lei.

  1. Reconhecida a nulidade da multa, cabe declarar inexigível o valor correspondente, possibilitando licenciar o referido veículo. 8. Observa-se, por fim, em ordem ao prequestionamento indispensável ao recurso especial e ao recurso extraordinário, que todos os preceitos referidos nos autos se encontram, quodammodo, albergados nas questões decididas.

POSTO ISSO, meu voto dá provimento ao recurso de Marcos Martins da Cunha, para o fim de anular o auto de infração 1N986239-3, declarando inexigível o valor da multa e possibilitando o licenciamento do veículo (autos de origem 1056133-85.2020 da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo)”.

TJSP

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Foto: divulgação da Web

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