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Há possibilidade de mitigação de ação adoção de menor pleiteada pela avó

Há possibilidade de mitigação de ação adoção de menor pleiteada pela avó

Adoção de menor pleiteada pela avó. Vedação prevista no § 1º do artigo 42 do ECA. Mitigação. Possibilidade.

A controvérsia principal dos autos reside em definir se é possível a adoção avoenga à luz do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, malgrado o disposto no § 1º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

Como é de sabença, o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42) preceitua que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Tal comando foi parcialmente reproduzido no artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

Sob tal perspectiva, sobressai a norma inserta no art. 227 da Constituição da República de 1988, que consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes. O princípio da proteção integral, segundo abalizada doutrina, significa que “as pessoas em desenvolvimento, isto é, crianças e adolescentes, devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico”.

Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

No caso vertente, cumpre, de início, observar que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós (a chamada adoção avoenga).

Sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da adoção de descendente por ascendente, constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.

Com efeito, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.448.969/SC, a Terceira Turma, com base nos princípios da dignidade humana e do melhor interesse do menor, considerou legal a adoção de neto por avós que, desde o nascimento, exerciam a parentalidade socioafetiva e haviam adotado a mãe biológica aos oitos anos de idade e grávida do adotando. Em 27/02/2018, tal exegese foi confirmada pelos integrantes da Terceira Turma, em caso similar.

Ademais, vislumbra-se que a unanimidade dos integrantes da Terceira Turma não controvertem sobre a possibilidade de mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA – de modo a se autorizar a adoção avoenga – em situações excepcionais em que: (i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.

Tal exegese deve ser encampada por esta Quarta Turma, por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei n. 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento especial destinado a colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão.

Veja o acórdão:

RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MENOR PLEITEADA PELA AVÓ PATERNA E SEU COMPANHEIRO (AVÔ POR AFINIDADE). MITIGAÇÃO DA VEDAÇÃO PREVISTA NO § 1º DO ARTIGO 42 DO ECA. POSSIBILIDADE.
1. A Constituição da República de 1988 consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes, segundo a qual tais “pessoas em desenvolvimento” devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico.
2. Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90 – reconhecida internacionalmente como um dos textos normativos mais avançados do mundo -, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que significa a opção por medidas que, concretamente, venham a preservar sua saúde mental, estrutura emocional e convívio social.
3. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem por escopo salvaguardar “uma decisão judicial do maniqueísmo ou do dogmatismo da regra, que traz sempre consigo a ideia do tudo ou nada” (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 588/589).
4. É certo que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós, a fim de evitar inversões e confusões (tumulto) nas relações familiares – em decorrência da alteração dos graus de parentesco -, bem como a utilização do instituto com finalidade meramente patrimonial.
5. Nada obstante, sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da chamada adoção avoenga, revela-se cabida sua mitigação excepcional quando: (i) o pretenso adotando seja menor de idade;
(ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os – adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando. Precedentes da Terceira Turma.
6. Na hipótese dos autos, consoante devidamente delineado pelo Tribunal de origem: (i) cuida-se de pedido de adoção de criança nascida em 17.3.2012, contando, atualmente, com sete anos de idade;
(ii) a pretensão é deduzida por sua avó paterna e seu avô por afinidade (companheiro da avó há mais de trinta anos); (iii) os adotantes detém a guarda do adotando desde o seu décimo dia de vida, exercendo, com exclusividade, as funções de mãe e pai da criança;
(iv) a mãe biológica padece com o vício de drogas, encontrando-se presa em razão da prática do crime de tráfico de entorpecentes, não tendo contato com o filho desde sua tenra idade; (v) há estudo psicossocial nos autos, atestando a parentalidade socioafetiva entre os adotantes e o adotando; (vi) o lar construído pelos adotantes reúne as condições necessárias ao pleno desenvolvimento do menor;
(vii) o adotando reconhece os autores como seus genitores e seu pai (filho da avó/adotante) como irmão; (viii) inexiste conflito familiar a respeito da adoção, contra qual se insurge apenas o Ministério Público estadual (ora recorrente); (ix) o menor encontra-se perfeitamente adaptado à relação de filiação de fato com seus avós; (x) a pretensão de adoção funda-se em motivo mais que legítimo, qual seja, desvincular a criança da família materna, notoriamente envolvida em criminalidade na comarca apontada, o que já resultou nos homicídios de seu irmão biológico de apenas nove anos de idade e de primos adolescentes na guerra do tráfico de entorpecentes; e (xi) a adoção apresenta reais vantagens para o adotando, que poderá se ver livre de crimes de delinquentes rivais de seus parentes maternos.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1587477/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 27/08/2020)

STJ

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