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STJ desclassifica tráfico por faltar provas de vendas de drogas

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que cabe ao Ministério Público provar que o acusado promovia o tráfico de drogas e não apenas que era usuário, e que o juízo condenatório é de certeza e não pode ser substituído pelo de probabilidade.

Com esse entendimento restabeleceu a sentença de primeira instância que desclassificou a acusação de tráfico para posse de drogas para consumo.

O acórdão ficou assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INSURGÊNCIA CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. MANEJO DO WRIT COMO REVISÃO CRIMINAL. DESCABIMENTO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA E, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ILEGALIDADE PATENTE APTA A ENSEJAR A CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). EXCEPCIONAL AFASTAMENTO DA IMPUTAÇÃO MINISTERIAL. DESCLASSIFICAÇÃO. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU RESTABELECIDA. AGRAVO DESPROVIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Não deve ser conhecido o habeas corpus, manejado como substitutivo de revisão criminal, em hipótese na qual não houve inauguração da competência desta Corte. De fato, nos termos do art. 105, inciso I, alínea e, da Constituição da República, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, originariamente, “as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados”, o que não obsta a concessão de habeas corpus, de ofício, nas hipóteses em que se constata manifesta ilegalidade, como na espécie. 2. Na distribuição estática do ônus da prova, no processo penal, compete ao Ministério Público provar os elementos do fato típico, e, na hipótese em apreço, não se pode concluir pela prática do crime de tráfico de drogas somente com base na quantidade de entorpecente apreendido na residência do Agravante, sobretudo diante da conclusão do Juízo de primeiro grau de que as testemunhas não souberam informar que o Acusado praticava o comércio e, ainda, que a perícia na balança de precisão resultou negativa para resquícios de entorpecentes. Vale dizer, o juízo condenatório é de certeza, não pode ser substituído por juízo de probabilidade. 3. Concluir que o Tribunal de origem não se valeu do melhor direito na condenação do Agravante não implica reavaliar fatos e provas, mas apenas reconhecer que, no caso, não estão descritos os elementos do tipo do art. 33 da Lei de Drogas. No sistema acusatório, repita-se, constitui ônus estatal demonstrar de forma inequívoca a configuração do fato típico. 4. À luz do contexto fático destacado nos julgados das instâncias de origem, deve ser restabelecida a sentença de primeiro grau que promoveu a desclassificação para o delito previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006. 5. Agravo regimental desprovido. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para restabelecer a sentença que desclassificou a conduta. (STJ – 6ª Turma – AgRg no HABEAS CORPUS Nº 664.403 – SC (2021/0135805-7) – Rel. Min.  Laurita Vaz – 14 de setembro de 2021(Data do Julgamento)

 

Extrai-se do voto da d. Relatora o seguinte, no que interessa:

“Como já exposto, o Paciente foi denunciado pela prática do ilícito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, pois guardava 58,7 gramas de crack e 28,2 gramas de maconha (fls. 42-44).

O Magistrado sentenciante julgou parcialmente procedente a acusação, desclassificando a conduta criminosa para a prevista no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006 e condenando o Paciente à pena restritiva de direitos concernente à prestação de serviços à comunidade pelo período de 2 (dois) meses (fls. 230-235).

De fato, nos termos do art. 105, inciso I, alínea e, da Constituição da República, compete ao Superior Tribunal de Justiça, originariamente, “as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados”. Sobre a questão, cito os seguintes precedentes das Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte:

“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO JÁ TRANSITADA EM JULGADO. SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Uma vez que se trata de condenação já transitada em julgado, este habeas corpus é sucedâneo de revisão criminal. 2. Como não existe, neste Tribunal, julgamento de mérito passível de revisão em relação à condenação sofrida pela paciente, forçoso reconhecer a incompetência desta Corte Superior para processar e julgar o presente pedido. 3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC 632.108/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 05/03/2021; sem grifos no original.)

No entanto, após percuciente análise dos autos, verifico ilegalidade apta a ensejar a concessão de habeas corpus de ofício.

Não se desconhece a copiosa manifestação desta Corte Superior no sentido de que o pleito de absolvição ou de desclassificação do crime de tráfico exige, em tese, o revolvimento fático-probatório, providência não cabível no espectro de cognição do recurso especial.

Contudo, esse não é o caso dos autos.

Na inicial acusatória, foi imputada ao Agravante a conduta de guardar e manter em depósito, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 1 (uma) embalagem plástica contendo 58,7g (cinquenta e oito gramas e sete decigramas) de crack e 1 (uma) porção envolta em fita adesiva e plástico filme contendo 28,2g (vinte e oito gramas e dois decigramas) de maconha. Porém, o quadro fático incontroverso consignado no acórdão recorrido não demonstra satisfatoriamente o fim comercial da droga apreendida, nem afasta a afirmação do Recorrente de que a substância apreendida se destinava ao consumo pessoal.

Nesse ponto, vale considerar que o Juízo de origem destacou que, tanto na delegacia, como em Juízo, o Agravante afirmou ser usuário e, como também confirmaram os policiais, indicou espontaneamente onde se encontrava a droga.

Para uma abordagem do que representa o tráfico de drogas especificamente em relação ao crack, apenas para estabelecer minimamente uma baliza objetiva para este caso, registro que a Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (2014), em uma pesquisa nacional do uso de crack, estabeleceu a média de uso diário do referido entorpecente no Brasil, sendo de 13,42 pedras num dia normal (padrão), observando, contudo, não haver “como definir de forma minimamente precisa o peso em gramas e conteúdo do que cada usuário denomina pedra” (Disponível em ; pág 60; acesso em 1º./07/2021).

Não obstante, compulsando o estudo técnico para sistematização de dados sobre informações do requisito objetivo da Lei n. 11.343/2006, em trabalho capitaneado pela Dra. MARIA TEREZA UILLE GOMES, então Secretária de Estado de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado do Paraná (2014), podem ser extraídos alguns índices suplementares no que diz respeito ao uso diário do crack. Por exemplo, há referência a um estudo realizado na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba/PR, com 18 pacientes, para aferir as repercussões otorrinolaringológicas do abuso de cocaína e/ou crack em dependentes de drogas, através de anamnese e exame clínico. Apesar do resultado inconclusivo para o fim que se destinava, consta que “[a] freqüência no uso do crack era semelhante: dos 14 pacientes viciados nesta droga, 11 (78,6%) a utilizavam todos os dias e os três pacientes restantes (21,4%) afirmaram utilizá-la numa freqüência de cerca de cinco vezes por semana. A quantidade variou de 1 a 15 No caso, da simples leitura do acórdão recorrido, sobreleva o fato de o Recorrente ter sido condenado por tráfico de drogas, a despeito de não haver sido mencionado nenhum elemento concreto nos autos que indique a efetiva destinação comercial das substâncias apreendidas.

Na distribuição estática do ônus da prova, no processo penal, compete ao Ministério Público provar os elementos do fato típico e, na hipótese em apreço, não se pode concluir pela prática do crime de tráfico de drogas somente com base na quantidade de gramas, sendo, em média, de 5,2 gramas de crack por dia.” (A. C. N. Nassif Filho, S. G. Bettega, S. Lunedo, J. E. Maestri, F. Gortz; disponível em ; acesso em 1.º/07/2020).

entorpecente apreendido na residência do Agravante, como bem reconheceu o julgador monocrático. Vale dizer, o juízo condenatório é de certeza, não pode ser substituído por juízo de probabilidade.

Não se confirmou a prática da traficância, pois a apreensão decorreu de busca domiciliar e os policiais (testemunhas) não confirmaram ter conhecimento de que o Agravante praticava o comércio, apenas constataram o encontro de balança cujo laudo não apontou o resquício de qualquer substância.

Nesse contexto, a toda evidência, assiste razão à Defesa. Em consequência, não havendo juízo de certeza amparado em provas indicadas no decisum, de que as drogas apreendidas na residência do Recorrente não se destinavam ao consumo pessoal – como confessou – mas para mercancia, ressai que cometeu-se a conduta de trazer consigo a droga, para consumo pessoal, tipificada no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.

Por fim, vale ressaltar que concluir que as instâncias ordinárias não se valeram do melhor direito na condenação do Recorrente (HC 172.128/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 11/06/2014) não implica reavaliar fatos e provas, mas apenas reconhecer que, no caso, não estão descritos os elementos do tipo do art. 33 da Lei de Drogas. No sistema acusatório, repita-se, constitui ônus estatal demonstrar de forma inequívoca a configuração do fato típico.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental para não conhecer do writ substitutivo de revisão criminal, CONCEDENDO, no entanto, ordem de habeas corpus, de ofício, para restabelecer a sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau”.

STJ

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Foto: divulgação da Web

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