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TRT-9 decide que Covid-19 caracteriza força maior para rescisão de contrato

O fechamento de atividades consideradas não essenciais devido à crise econômica causada pela Covid-19 é fato público e notório. Por isso, é desnecessário que empresas do ramo de entretenimento produzam provas para que esteja configurada a rescisão de contrato de trabalho por força maior.

Esse foi o entendimento firmado pela 6ª Turma do TRT da 9ª Região.

O acórdão ficou assim ementado:

ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA – COVID-19 – ATIVIDADE ECONÔMICA DE ENTRETENIMENTO – CINEMA – RESCISÃO POR FORÇA MAIOR RECONHECIDA – LIMITES E INTERPRETAÇÃO DO ART. 502, II DA CLT – A situação presente é muito diferente da mera alegação de adversidades na situação econômicofinanceira da empresa. A força maior advinda da pandemia de Covid-19 afeta substancialmente a atividade econômica da ré que consistia em salas de projeção de filmes (cinema), ou seja, serviço que era ofertado em ambiente fechado e com aglomeração de pessoas. Por esse motivo, até mesmo a interpretação restritiva que se impõe aos arts. 501 e 502 da CLT quanto à caracterização da força maior não é capaz de evitar o reconhecimento de que se tratou de evento imprevisível e inevitável para as rés. A pandemia é caso típico de evento catastrófico da natureza, ainda que não se assemelhe a terremotos ou enchentes. Em que pese não haja prova documental a respeito de plano de recuperação da ré, as circunstâncias de fechamento de atividades consideradas “não essenciais” é fato público e notório que vem a público pelos meios de comunicação e é levado aos Tribunais constantemente desde março de 2020, pelo que, desnecessário, que as rés, que são do ramo de entretenimento, façam prova de que formalmente houve encerramento de suas atividades perante a Junta Comercial e Receita Federal ou de que exista já em curso ação perante o Juízo Falimentar. Por fim, a Reclamada trouxe aos autos correspondências eletrônicas que comprovam seu inadimplemento perante diversos credores (e.g. fl. 228) e comunicação de protesto (fl. 230), em período que guarda relação com os fatos públicos e notórios acima vertidos. (TRT-9 – 6ª Turma – decisão unânime – PROCESSO nº 0000174-06.2021.5.09.0678 (RORSum) RECORRENTE: RELATORA: JANETE DO AMARANTE – j. 07/07/2021)

Emerge do voto da e. relatora a seguinte manifestação judiciosa:

“A extinção do contrato de trabalho por força maior encontra regulação nos arts. 501 e 502 da CLT assim redigidos:

Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. § 1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior. § 2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo. Art. 502 – Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I – sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II – não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III – havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.

A esse respeito explica Gustavo Filipe Barbosa Garcia (CLT Comentada 8. ed. 2021 p. 688):

“No caso, o fato inevitável significa aquele cuja ocorrência não está ao alcance do empregador (ou seja, de sua vontade), o qual não tem participação, direta ou indireta, na sua verificação no plano dos fatos”.

Aprofundando a análise, a palavra do Min. Alexandre Agra Belmonte (Teorias do fortuito, força maior, fato do príncipe e imprevisão nas relações de trabalho. 2020. p. 40):

“Verifica-se, assim, que a Consolidação das Leis do Trabalho não faz distinção entre caso fortuito e de força maior para a sua repercussão no contrato de trabalho. Pelo que a definição que oferece para a força maior engloba os fortuitos naturais e humanos, exceto nas hipóteses em que o legislador pontualmente atribui aos naturais efeitos diferenciados, a exemplo da morte do empregador, quando pessoa física, prevista no art. 483, §2º, LT, que permite ao trabalhador rescindir o contrato de trabalho com indenização plena, obtenível junto aos sucessores”.

A Lei 13.979/2020 e o Decreto Legislativo 6/2020 são a plataforma normativa básica da Pandemia de Covid-19.

Diante do quadro de pandemia de Covid-19, o Decreto Legislativo 6/2020 reconheceu o estado de calamidade pública naquele ano.

Nessa toada, as Medidas Provisórias 927/2020, 936/2020 e a Lei 14.020/2020 estabeleceram medidas para preservação do emprego e da renda, tendo em vista esse estado de calamidade pública. A respeito do evento pandêmico iniciado em 2020, especifica o Min. Alexandre Agra Belmonte (Op. cit. p. 39-40):

“Cuida-se, é verdade, de acontecimento de origem involuntária, extraordinária, imprevisível e inevitável, mas que não tem por fato gerador um fato humano. Logo, por cuidar-se de evento que tem origem na natureza, o vírus denominado Covid-19 e que diretamente provocou a pandemia com efeitos jurídicos mediatos de paralisação de atividades nas relações de trabalho, tecnicamente é hipótese de caso fortuito ou fortuito natural”.

Ao mesmo tempo, o ocorrido no plano fático evidencia que não se trata de Fato do Príncipe. O Fato do príncipe ocorre quando há discricionariedade administrativa voltada ao interesse da própria Administração Pública. Na situação da pandemia o objetivo não foi atender interesses da Administração Pública e sim preservar a vida e a saúde.

Seguindo esta linha de raciocínio, o mesmo autor confirma que tais desdobramentos da pandemia não configuram Fato do Príncipe (Op. cit. p. 45):

“As ações de governo regionais e locais de fechamento temporário de empresas foram determinadas por fatores excepcionais externos e de saúde pública, que transcendem o mero ato administrativo habitual de interesse público”.

Diante do aporte doutrinário exposto acima, é certo que a situação das rés de terem salas de cinema fechadas na cidade de sua sede (Goiânia-GO) não caracteriza nem contribuiu para caracterizar a força maior alegada. De outra banda, as restrições à circulação de pessoas e fechamento de atividades determinadas pelos governos estaduais e municipais em virtude da pandemia de Covid-19, certamente sinalizam para a ocorrência de força maior. No município em que se desenvolveu o contrato de trabalho em questão, o estado de calamidade atribuído à Covid-19 foi decretado por meio da Lei 13.682/2020 de 26/3/2020. Nesse sentido, a situação se confirma pelo Decreto municipal 18.836/2021 e outros ainda do ano de 2020, (amparados pelo Decreto municipal 17.100/2020), que decretaram situação de emergência de saúde pública. No referido município o Decreto 18.836/2021 elenca diversos “considerandos” relacionados à pandemia, ao alto índice de reprodução do vírus e altas taxas de ocupação dos leitos hospitalares, falta de recursos humanos e de equipamentos para enfrentar a pressão no sistema de saúde para manter e regular as restrições a diversas atividades dos setores secundário e terciário.

A situação presente é, dessarte, muito diferente da mera alegação de adversidades na situação econômico-financeira da empresa. A força maior advinda da pandemia de Covid-19 afeta substancialmente a atividade econômica da ré que consistia em salas de projeção de filmes (cinema), ou seja, serviço que era ofertado em ambiente fechado e com aglomeração de pessoas. Por esse motivo, até mesmo a interpretação restritiva que se impõe aos arts. 501 e 502 da CLT quanto à caracterização da força maior não é capaz de evitar o reconhecimento de que se tratou de evento imprevisível e inevitável para as rés. Ao contrário, a pandemia instalada é caso típico de evento catastrófico da natureza, ainda que não fizesse parte do senso comum como terremotos ou enchentes. Em que pese não haja prova documental a respeito de plano de recuperação da ré, as circunstâncias de fechamento de atividades consideradas “não essenciais” é fato público e notório que vem a público pelos meios de comunicação e é levado aos Tribunais constantemente desde março de 2020, pelo que, desnecessário, para configurar a força maior, que as rés, que são do ramo de entretenimento, façam prova de que formalmente houve encerramento de suas atividades perante a Junta Comercial e Receita Federal ou de que exista já em curso ação perante o Juízo Falimentar. Por fim, a Reclamada trouxe aos autos correspondências eletrônicas que comprovam seu inadimplemento perante diversos credores (e.g. fl. 228) e comunicação de protesto (fl. 230), em período que guarda relação com os fatos públicos e notórios acima vertidos.

Reconhecido o término do contrato por força maior, analisam-se as decorrências cabíveis no caso em tela.

A interpretação do contido no caput e inciso II do art. 502 da CLT já transcritos é no sentido de que, reconhecido o término do contrato por força maior tem lugar a redução pela metade da indenização que seria devida ao empregado que, no caso, corresponde unicamente à multa do FGTS. Isso porque as demais verbas devidas (TRCT fl. 158) não são indenizatórias, nem mesmo o aviso prévio, conforme dispõe a Súmula 44 do c. TST:

Súmula nº 44 do TST AVISO PRÉVIO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

A cessação da atividade da empresa, com o pagamento da indenização, simples ou em dobro, não exclui, por si só, o direito do empregado ao aviso prévio.

Reconhecida, dessarte, a rescisão por força maior em virtude da pandemia de Covid-19 reduz-se de 40% para 20% a multa do FGTS devido à Autora”.

Ao final decidiu:

“ADMITIR O RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELAS RECLAMADAS, assim como as respectivas contrarrazões. No mérito, por igual votação, DAR PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO ORDINÁRIO DAS RECLAMADAS para, nos termos da fundamentação: a) reconhecer a força maior e reduzir pela metade a multa fundial devida à Reclamante e b) reduzir os honorários advocatícios devidos ao patrono da Autora para 5% e determinar o pagamento de honorários advocatícios ao patrono das rés no percentual de 5% sobre a diferença entre o que foi pretendido e o que foi deferido”.

Processo nº o0000174-06.2021.5.09.0678

TRT9

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Foto: divulgação da Web

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