Kalleo Coura
Pedido de parcelamento não foi fundamentado. Advogados dizem que juízes locais são rigorosos neste tipo de concessão
ma decisão recente da juíza Ivete Tabalipa, da Vara de Órfãos e Sucessões de Rio Branco, no Acre, causou estranhamento na comunidade jurídica local. O desembargador aposentado Adair Longuini requereu, junto com seu advogado Raimundo Nonato de Lima, o parcelamento em seis vezes das custas processuais num cumprimento de sentença, cuja execução é da ordem de R$ 304 mil.
Em despacho datado de 6 de abril, a juíza recebeu a inicial, intimou os herdeiros do polo passivo para se manifestarem sobre a execução e, além disso, concedeu “a gratuidade judiciária temporariamente” ao advogado e a Longuini. Em março último, o desembargador aposentado recebeu uma pensão líquida de R$ 53.240.
Longuini ficou conhecido nacionalmente ao presidir o julgamento dos assassinos do ativista ambiental e líder sindical Chico Mendes, em Xapuri. O fazendeiro Darly Alves da Silva e o filho dele, Darci Alves Pereira, foram condenados a 19 anos de prisão em dezembro de 1990.
Advogados acreanos ouvidos pela reportagem afirmam que o Tribunal de Justiça do Estado do Acre é extremamente rígido na concessão da gratuidade judiciária. “Há várias exigências para o deferimento, mesmo que em parte. Os juízes pedem extratos bancários, declaração de imposto de renda, certidão negativa de imóveis. Então, essa decisão é um tanto quanto contraditória quanto ao costume da magistratura estadual”, diz um advogado que não quis ser identificado. O caso tramita sob o número 0702988-19.2018.8.01.0001.
Na visão de Luiz Dellore, professor de Processo Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decisão da juíza foi extra petita, ou seja, ela decidiu fora do que foi pedido. “Além disso, a figura da gratuidade de justiça temporária não tem previsão legal. Não existe no Código. Ou se tem a gratuidade ou não se tem”, afirma.
+JOTA: Justiça gratuita no Novo CPC: Lado A
Embora o Código de Processo Civil discipline a concessão da gratuidade de Justiça no artigo 98, não há a definição de um critério mínimo objetivo para fazê-lo. “É uma falha de nossa legislação”, critica Dellore. “A justiça gratuita não é para classe média, nem para classe alta. Um desembargador não deveria ter esse direito.”
Já o professor de Processo Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rodrigo Barioni acredita que a decisão não deve ter sido extra petita e que a juíza provavelmente se enganou quanto à terminologia correta do parcelamento das custas processuais.
JOTA: O lado B da Justiça Gratuita
“Acredito que, com uma terminologia tecnicamente errada, ela tenha diferido o pagamento das custas”, diz. “Em tese, ela poderia ter feito isso, mesmo que a pessoa tenha uma receita de R$10 mil, R$ 20 mil mensais. Mas quem pede tem de provar uma momentânea indisponibilidade financeira”, afirma Barioni.
No caso, o advogado Raimundo Nonato de Lima apenas pediu para, “com fulcro no art. 98, § 6º, do CPC, parcelar em 6 (seis) parcelas ou diferir o recolhimento das custas no ato do recebimento do crédito”, sem expor nenhuma fundamentação.
Para o advogado Paulo Henrique Lucon, professor de Direito Processual Civil da USP, o advogado errou ao não fundamentar o requerimento da Justiça gratuita e a juíza errou em dar uma decisão extra petita, que também não foi fundamentada.
“A regra é o pagamento das custas processuais à vista. Ao pedir o parcelamento, a parte teria que justificar, tem que provar uma dificuldade, mesmo que temporária”, afirma Lucon. “E o magistrado também tem de fundamentar a decisão, como prevê o artigo 93, inciso IX, da Constituição”.
Procurado, o advogado Raimundo Nonato de Lima disse que não iria comentar a decisão judicial e que pediu o que a lei lhe permite pedir. O Tribunal de Justiça do Acre não retornou os contatos da reportagem.
FONTE: JOTA.INFO