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Consequências de uma traição: aspectos jurídicos relevantes

* Luciana Santiago

Iêêê, infiel

Eu quero ver você morar num motel

Estou te expulsando do meu coração

Assuma as consequências dessa traição

Começar um texto eminentemente jurídico com uma letra de Marília Mendonça pode até soar um pouco inapropriado, mas foi dessa forma que surgiu da minha mente o tema publicado – não posso negar-lhes a razão do texto.

As consequências psicológicas derivadas de uma traição tanto para a mulher traída quanto para o homem traidor (ou vice-versa) são notórias, nenhum dos dois saem ou continuam os mesmos na relação depois de dar ou de receber um par de chifres. Embora o abalo psicológico – pós-traumático, vale dizer – inegavelmente repercuta na seara jurídica, com esta não deve ser misturada.

Após a ocorrência de uma traição, a separação de fato por vezes torna-se inevitável e o próximo passo a dar é recorrer ao Poder Judiciário com o intuito de divorciar-se, partilhar os bens e, em alguns casos, lutar por consequências jurídicas mais severas ao marido ou esposa infiel.

É importante deixar registrado que o dever de fidelidade está insculpido no art 1566, no seu inciso primeiro do Código Civil, que prevê:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos

O conceito de fidelidade é ligado ao de lealdade entre os cônjuges e a sua violação pode ocorrer tanto com a conjunção carnal de um dos cônjuges com outrem quanto a de práticas que revelem a existência de comprometimento amoroso com terceiro fora do casamento.

Assim, o dever de fidelidade não é apenas uma obrigação de caráter apenas moral, mas também deve ser enxergada como cláusula jurídica de sujeição dos cônjuges, e que, portanto, ao ser violado deve ser imputado ao infiel uma sanção. A linha de raciocínio parte do pressuposto de que os deveres matrimoniais devem ser respeitados e a sua não observância por um dos cônjuges acarretaria a aplicação de sanção.

Contudo, nada é tão simples quanto parece ser. Em que pese o raciocínio Kelsiano de que a violação por uma conduta comissiva ou omissiva à norma jurídica impõe sanção, esfera do dever ser seja relevante em termos teóricos, não se pode olvidar a natureza ontológica da norma acima mencionada, uma vez que sua essência detém elevada carga axiológica e porque não dizer moral.

Por isso, cabe ao juiz analisar caso a caso a aplicação de sanção ao cônjuge infiel, sendo possível a perda do sobrenome do outro (análise da relevância do direito da personalidade ligado ao sobrenome), como também poderá o juiz determinar o não pagamento de pensão alimentícia ou fixar alimentos com valor que mantenha apenas o indispensável para a sua sobrevivência, caso esteja verdadeiramente impossibilitado (a) para o trabalho e sem obter ajuda de parentes próximos.

E os danos morais? Em não se tratando apenas de causa de desfazimento do casamento, mas também se tratar de deterioração da honra e imagem do cônjuge fiel é possível o pedido de reparação de danos morais na seara da responsabilidade civil. Entretanto, cabe alertar o entendimento reiterado dos tribunais no seguinte sentido:

Ementa: AUTOS Nº 0004147-84.2012.8.19.0021

Ação de compensação por danos morais. Alegada infidelidade. Imputação de prática de ato ilícito indenizável. Inocorrência. Sentença que se reforma. Alega a autora que foi casada com o réu. Afirma que terminou seu casamento devido à traição pública de seu marido, de modo que vizinhos e amigos tinha conhecimento da infidelidade de seu cônjuge. Por fim, aduz que sofreu grande humilhação em decorrência da conduta do réu. O réu, por sua vez, sustenta que as alegações de infidelidade são infundadas. Defende a inexistência de conduta ilícita e de dano moral a ser compensado. A sentença entendeu que a traição configura violação dos deveres do casamento, razão pela qual há dano moral a ser compensado. Compulsando os autos, entendo que a sentença não merece prosperar. O fim de um casamento, qualquer que seja a causa, gera mágoa, frustração e tristeza. Estes sentimentos serão intensos e profundos e pretensões de cunho indenizatório estão usualmente associadas a tais ressentimentos. Não é por meio da fixação de uma indenização que se dará a cicatrização emocional da profunda mágoa pelo desenlace matrimonial e da reparação a constrangimento e sentimento de tristeza e dor pelo suposto adultério, porque não há reparação econômica possível para curar ressentimentos desta natureza. Ademais, nos dias atuais, não há mais que se falar em culpa para fundamentar a dissolução da sociedade conjugal. De igual forma, embora a traição importe violação dos deveres do casamento, esta decorre da deteriorização da relação conjugal e não é capaz, por si só, de gerar compensação por danos morais à parte ofendida. Tal entendimento encontra-se em consonância com a Jurisprudência dominante deste E. TJ, consoante julgados a seguir: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. INFIDELIDADE CONJUGAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

Com relação ao cúmplice do infiel, o STJ já se posicionou no sentido de ser incabível indenização por danos morais, veja:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CARÁTER INFRINGENTE INCOMPATÍVEL COM A VIA INTEGRATIVA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. FAMÍLIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. IMPUTAÇÃO AO CÚMPLICE DA TRAIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. PERCENTUAL. 1. Não se reconhece a negativa de prestação jurisdicional alegada quando o acórdão embargado encontra-se suficientemente fundamentado, abordando, com a profundidade adequada, toda a matéria devolvida a esta Corte Superior em sede de recurso especial. 2. O intuito infringente contido nas razões dos declaratórios é incompatível com a via recursal integrativa. 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal”(…)”

Para finalizar, é importante dizer que para a aplicação do dano moral ao cônjuge infiel é necessário que sejam constituídas provas nos autos, mediante apresentação de documentos e vídeos, os quais demonstrem o quanto alegado.

E lembre-se: O casamento exige provas de amor todos os dias ao longo da vida, e a fidelidade é uma destas provas de fogo. No final da relação ninguém quer morar em motel, por isso seja fiel. Marília Mendonça e os seus ensinamentos.

* Conciliadora, Mediadora Judicial em formação e Advogada.

FONTE: https://luthsantiagoadv.jusbrasil.com.br/artigos/456139829/consequencias-de-uma-traicao-aspectos-juridicos-relevantes

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