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TRF4: Dizer que juiz produz “pérolas” não constitui difamação

O TRF da 4ª Região (RS) concedeu habeas corpus e trancou ação penal contra o procurador da Fazenda Nacional Jorge Humberto Magnelli Bittencourt. Ele tinha sido denunciado sob a acusação de, em 4 de agosto de 2014, em recurso de agravo decorrente de uma execução fiscal, difamar o juiz estadual catarinense Maycon Rangel Favareto.

Ao recorrer de uma decisão proferida em ação que tramita na 2ª Vara da comarca de Campos Novos (SC), o procurador – após referir-se ao “caos forense” – escreveu que “(…) alguns juízes estão ‘assinando’ (sem ler) decisões feitas por assessores e estagiários, pois não é possível crer que alguém aprovado no difícil concurso da magistratura seja realmente capaz de produzir ‘pérolas’ como a presente’’.

Sentindo-se ofendido, o magistrado representou ao Ministério Público, que aforou a ação penal. A Advocacia-Geral da União requereu o trancamento.

Mas, como o pedido foi rejeitado pela 3ª Turma Recursal de Santa Catarina, o caso chegou ao TRF-4. Para o relator do habeas corpus, desembargador federal Márcio Antônio Rocha “as palavras – de fato deselegantes – podem não guardar lesividade suficiente à configuração da via penal, restringindo-se aos aspectos cíveis, já desencadeados na esfera própria”.

Houve voto divergente, mas prevaleceu a decisão majoritária de que “uma pessoa só pode ser acusada de difamar outra quando a ofende com fato determinado e objetivo, não bastando uma imputação vaga ou indefinida”. (Proc. nº 5035781-87.2016.4.04.0000).

Procedência do pedido cível de indenização

Juiz e procurador tiveram, porém, outro litígio judicial. Os mesmos fatos deram origem a uma ação cível por dano moral, desencadeada pelo magistrado Maycon, que teve sentença de procedência, condenando o procurador Bittencourt a pagar indenização de R$ 20 mil.

Em grau recursal, no TJ de Santa Catarina, a reparação financeira foi reduzida a R$ 14.480,00. (Proc. nº 0003393-57.2014.8.24.0014).

Leia a íntegra do acórdão que trancou a ação penal

HABEAS CORPUS Nº 5035781-87.2016.4.04.0000/SC

EMENTA

HABEAS CORPUS. CONTRA ATO DA TURMA RECURSAL. TRANCAMENTO DE PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. DIFAMAÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

1. Embora as palavras usadas no recurso interposto sejam, em tese, ofensivas, não atingem a potencialidade lesiva suficiente à persecução penal, restringindo-se aos aspectos cíveis.

2. Ante a falta de justa causa para a persecução penal, merece ser concedida a ordem para trancar o procedimento especial do Juizado Especial Criminal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, conceder a ordem para determinar o trancamento do procedimento do Juizado Especial Criminal nº 5000831-74.2016.404.7203, vencido o Juiz Federal Guilherme Beltrami, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de setembro de 2016.

Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Advocacia Geral da União em favor de JORGE HUMBERTO MAGNELLI BITTENCOURT, Procurador Nacional da Fazenda em Joaçaba/SC, contra ato do Juízo da 3ª Turma Recursal de Santa Catarina, consubstanciado em decisão proferida no habeas corpus nº 5006927-17.2016.404.7200, que denegou pedido de trancamento do procedimento criminal nº 5000831-74.2016.404.7203, em curso perante Juizado Especial Criminal de Joaçaba/SC.

Sustenta, em suma, a absoluta ausência de justa causa para o prosseguimento da persecução penal no referido procedimento que versa sobre o crime do art. 139 c/c art. 141, II, ambos do Código Penal. Ressalta que a audiência preliminar está marcada para o dia 17/08/16. Relata que a denúncia oferecida pelo MPF pelo crime de difamação que teria sido cometido pelo paciente na redação de um Agravo de Instrumento interposto perante esse TRF, na qual se imputa fatos ofensivos à honra em três parágrafos. Aduz que embora ríspida à crítica ao serviço jurisdicional prestado, está ausente o animus difamandi e que eventual conteúdo difamatório estaria abrigado pela imunidade do profissional advogado.

Argumenta que as palavras usadas, ainda que ásperas, estão dentro do campo da crítica. Ressalta que no HC impetrado na Turma Recursal o parecer do Ministério Público Federal foi favorável à concessão da ordem. Refere que em decisão posteriormente anulada, a denúncia foi recebida em parte, sendo considerados apenas os dois últimos parágrafos com potencialidade lesiva. Salienta que a frase do paciente ‘o juiz decide sem ler o que está sendo postulado’, foi feita no agravo de instrumento que foi provido e a decisão anulada por ser ‘extrapetita’, pois o juiz indeferira citação por edital quando tinha sido postulada, em verdade, citação por oficial de justiça. Assevera, ainda, que referida decisão não foi exarada pela suposta vítima, mas por outro Juiz.

Aduz que mesmo que se vislumbrasse algum viés difamatório na crítica feita, não se poderia ingressar na esfera penal, em observância aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade. Destaca o próprio direito processual civil, que permite ao juiz mandar riscar dos autos expressões ofensivas – art. 15 do CPC/73, vigente à época dos fatos – e o direito administrativo, que prevê a possibilidade de sansão disciplinar a ser aplicada pela OAB ou pela corregedoria da AGU, se for o caso.

Além dessas possibilidades, no caso, o querelante ajuizou ação cível em face do paciente postulando indenização por danos morais (Processo nº 0003393-57.2014.8.24.0014, ajuizada na própria Vara onde o Querelante é juiz titular e já julgada procedente em primeira e segunda instância. O RE pende de apreciação).

Argumenta também que no julgamento do referido AI o Des. Relator não fez qualquer menção a supostos excessos cometidos pelo Paciente. Assevera que o descontentamento com a decisão prolatada pelo magistrado ocorreu em evidente exercício do munus da advocacia, incidindo no caso a imunidade legal, prevista no art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94 e no art. 142, I, do Código Penal. Cita diversos precedentes. O pedido liminar foi deferido para suspender o procedimento criminal nº 5000831-74.2016.404.7203 (ev. 2).

A autoridade impetrada prestou as informações solicitadas (ev. 7).

O Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem (ev. 10).

É o relatório. Em mesa.

VOTO

A decisão ora impugnada foi proferida no bojo do HC nº 500692717.2016.404.7200/SC perante a 3º Turma Recursal de Santa Catarina que denegou a ordem postulada, por unanimidade, nos seguintes termos:

(…) Entendo que a ordem deve ser denegada, nos termos já expostos na decisão que deferiu medida liminar, verbis:

(…). O habeas corpus, garantia com sede constitucional, tem por objetivo tutelar violência ou coação na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do art. 5º, LXVII, da CF/88. Tem cabimento a ação constitucional nos casos de direito líquido e certo do paciente, demonstrado por prova pré-constituída, não se admitindo, assim, dilação probatória, nem revolvimento de fatos não devidamente certos e esclarecidos.

Nesse sentido, colaciono da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

(…) Ora, sustenta o impetrante que o constrangimento ilegal caracteriza-se pela ausência de dolo de sua conduta, porquanto não teria lançado as expressões diretamente contra a vítima, mas as utilizado como descontentamento com o Juízo como um todo. Por mais que, efetivamente, não tenha sido o magistrado que formulou a representação criminal quem assinou a decisão recorrida, as expressões utilizadas no agravo de instrumento fizeram referência direta aos magistrados do juízo. Nesses termos trechos das expressões utilizadas, referidas na proposta de transação penal (evento 1, INIC1, dos autos do processo originário): (…) O que parece estar havendo é que, em decorrência da sobrecarga de trabalho a que estão submetidos os juízes de primeira instância, alguns estão ‘assinando’ (sem ler) decisões feitas por assessores e estagiários, pois não é possível crer que alguém aprovado no difícil concurso da magistratura seja realmente capaz de produzir ‘pérolas’ como a presente (…).

(…) a incompetência do juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Campos Novos é manifesta, a começar pelas decisões (algumas delas já encaminhadas por esta Procuradoria à Corregedoria do Tribunal) e passando pelo trabalho dos serventuários (…). (…) o Juiz decide sem ler o que está sendo postulado, o Oficial de justiça não consegue encontrar um endereço que fica há 1km do fórum e o chefe de secretaria deixa de proceder às intimações… é um caos, e tudo dentro do mesmo processo (imagine-se, então, o que se encontraria numa auditoria do Tribunal)

(…). Com isso, entendo que a avaliação acerca do dolo demanda investigação probatória, não sendo suficientes os elementos até aqui colhidos. Outrossim, com relação à imunidade profissional do advogado, tenho que esta não se afigura irrestrita, a ponto de albergar qualquer espécie de manifestação, mesmo que nos autos de processo judicial. Sobre o assunto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: (…) O acolhimento da tese do impetrante, portanto, demanda dilação probatória, do que entendo não restar caracterizados os requisitos para para, ao menos em juízo de cognição sumária, o deferimento da medida liminar. (…). Nesses termos, a avaliação da imunidade da advocacia, prevista no art. 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/94, bem assim a do art. 142, I, do Código Penal demandam análise do contexto fático, não se mostrando adequada a concessão da ordem de habeas corpus. Concluindo, voto por denegar a ordem de habeas corpus. Sem custas. Sem honorários.

DISPOSITIVO: Ante o exposto, voto por DENEGAR A ORDEM DE HABEAS CORPUS.

Na linha do entendimento firmado pelo STF e pelo STJ compete ao Tribunal Regional Federal o julgamento de habeas corpus impetrado contra ato de Turma Recursal do Juizado Especial Criminal. Nesse sentido: STF. AREAGR 676275, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., u., j. 12.6.2012; STJ. RHC 33.018/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª T, j. 9.10.2012.

No caso, verifica-se que o Ministério Público Federal ofereceu proposta de transação penal ao paciente, que é Procurador da Fazenda Nacional, no procedimento especial do juizado especial criminal nº 500083174.2016.4.04.7203, pela prática do fato, assim narrado:

No dia 04/08/2014, JORGE HUMBERTO MAGNELLI BITTENCOURT, na qualidade de Procurador da Fazenda Nacional, difamou MAYCON RANGEL FAVARETO, na condição de Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Campos Novos.

Na data dos fatos, JORGE, no exercício de suas funções públicas, inconformado com a decisão judicial proferida por MAYCON nos autos da Execução Fiscal n. 0003629-43.2013.824.0014, interpôs Agravo de Instrumento ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em cujas razões recursais fez uso de expressões ofensivas à reputação de MAYCON.

Seguem alguns dos trechos das razões recursais onde restou claramente demonstrada a imputação de fatos ofensivos à reputação de MAYCON na condição de Magistrado (fl. 54 do Evento 1 – OUT2):

(…) O que parece estar havendo é que, em decorrência da sobrecarga de trabalho a que estão submetidos os juízes de primeira instância, alguns estão ‘assinando’ (sem ler) decisões feitas por assessores e estagiários, pois não é possível crer que alguém aprovado no difícil concurso da magistratura seja realmente capaz de produzir ‘pérolas’ como a presente (…)’.

(…) a incompetência do juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Campos Novos é manifesta, a começar pelas decisões (algumas delas já encaminhadas por esta Procuradoria à Corregedoria do Tribunal) e passando pelo trabalho dos serventuários (…)’. ‘(…) o Juiz decide sem ler o que está sendo postulado, o Oficial de justiça não consegue encontrar um endereço que fica a 1km do fórum e o chefe de secretaria deixa de proceder às intimações… é um caos, e tudo dentro do mesmo processo (imagine-se, então, o que se encontraria numa auditoria do Tribunal)

(…)’. Em depoimento prestado à autoridade policial, JORGE se reservou em seu direito constitucional de prestar esclarecimento somente em Juízo (fl. 29 do Evento 1 – OUT4)

A vítima, MAYCON RANGEL FAVARETO, tomou conhecimento dos fatos no dia 11/08/2014, quando o Processo de Execução Fiscal n. 0003629-43.2013.824.0014 lhe foi entregue em mãos por uma servidora de seu Gabinete, tendo oferecido Representação Criminal à autoridade Policial no dia 05 de fevereiro de 2015 (fls. 02/05 do Evento 1 – OUT2). Portanto, a representação foi formalizada dentro do prazo de 6 meses, contados da data em que o ofendido tomou conhecimento da autoria delitiva, nos termos do artigo 103, do Código Penal e art. 38, do Código de Processo Penal.

A autoria e a materialidade delitiva encontram-se consubstanciadas no Termo Circunstanciado Nº 13.15.00022 da Delegacia de Polícia de Campos Novos (Evento 1 – OUT2); Nas Razões do Agravo de Instrumento interposto por JORGE na qualidade de Procurador da Fazenda Nacional (fls. 52/55 do Evento 1 – OUT2) e na Representação Criminal de MAYCON (fls. 02/05 do Evento 1 – OUT2).

Assim agindo, JORGE HUMBERTO MAGNELLI BITTENCOURT incorreu nas sanções tipificadas no art. 139 c/c art. 141, II, ambos do Código Penal. Trata-se, portanto, de crime de menor potencial ofensivo, cabendo a este órgão apresentar, desde já, proposta de TRANSAÇÃO PENAL, mediante aplicação de pena restritiva de direitos. (…)

A audiência preliminar de transação penal estava aprazada para o dia 17/08/16. Após exame dos autos, deferi o pedido liminar sob os seguintes fundamentos, verbis:

No caso, tenho como relevantes os argumentos de impetração, pois embora as palavras usadas sejam de fato deselegantes, podem não atingir a potencialidade lesiva necessária a ofender publicamente a honra do magistrado, sobretudo porque não identificado na manifestação o nome do Juiz. Nesse contexto, os atos, embora em tese ofensivos, podem não guardar lesividade suficiente à configuração da via penal, restringindo-se aos aspectos cíveis, ao que tudo indica, já desencadeados na esfera própria. Diante do exposto, defiro o pedido liminar para suspender o procedimento criminal nº 5000831-74.2016.404.7203. Com efeito, não vejo razões para alterar o entendimento já firmado, o qual mantenho por seus próprios fundamentos.

No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Federal desta Corte, do Exmo. Procurador Regional da República Adriano Augusto Silvestrin Guedes, cujo seguinte trecho acrescento às razões de decidir:

(…) 2.16. Esse trecho da denúncia também não é hábil a configurar o delito de difamação, pois não atinge a potencialidade lesiva necessária a ofender publicamente a honra do Magistrado, uma vez que não identifica qual o Juiz que ‘decide sem ler’, já que na referida Vara existem dois Juízes. Ou seja, não houve especificação de quem seria o Juiz, configurando uma imputação vaga, genérica e imprecisa.

2.17. De fato, para caracterização da difamação é necessário que o fato seja determinado, objetivo, não bastando uma imputação vaga ou indefinida. Destaca-se, ademais, que não foi o Juiz de Direito que formulou a representação criminal quem assinou a decisão mencionada no Agravo de Instrumento 0004491-13.2014.404.0000/SC, que tramitou na 1ª Turma deste TRF/4ª região, o qual continha as expressões objeto da denúncia. Caberia, eventualmente, até, um pedido de explicações, nos termos do art. 144 do CP. (…) 2.19. Dessa forma, ante a falta de justa causa para o prosseguimento do procedimento, merece ser concedida a ordem para trancar o procedimento especial do Juizado Especial Criminal nº 5000831-74.2016.4.04.7203

Diante do exposto voto por conceder a ordem para determinar o trancamento do procedimento do Juizado Especial Criminal nº 500083174.2016.404.7203.

Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA Relator
Fonte: http://www.espacovital.com.br/

foto pixabay

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