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Duas mães, duas licenças-maternidade

Mulher dá à luz trigêmeos, e a esposa dela pede, na Justiça, o benefício para ajudar nos primeiros meses de criação dos filhos. Elas já conseguiram uma liminar favorável e o mérito da ação será julgado em maio na 13ª Vara do Trabalho

Até pouco tempo atrás, a discussão sobre relações homoafetivas era tabu, mas a Justiça tem avançado na solução de demandas crescentes sobre o assunto. Uma liminar da Justiça do Trabalho concedeu a uma mulher de 34 anos o direito à licença-maternidade. O inusitado é que não foi ela quem deu à luz os filhos, e sim a companheira dela. Os trigêmeos nasceram em dezembro do ano passado e, desde janeiro, recebem os cuidados das duas mães, moradoras de Brasília. O mérito da ação deve ser julgado no próximo mês, na 13ª Vara do Trabalho, e divide opiniões.

Fabiane Leite Dantas, a companheira, comemora a liminar. Para ela, a decisão encoraja outras mulheres na mesma situação. “Nós fizemos a fertilização e não imaginávamos que seriam três crianças. Foi um presentão de Deus. Mas eles nasceram prematuros e um ficou na unidade de terapia intensiva (UTI) por 48 dias. Eu precisava da licença para auxiliar minha companheira, que estava se recuperando. Também tentei amamentar, mas a estimulação não adiantou”, conta Fabiane. Ela chegou a ter benefício de cinco dias – mesmo período fornecido aos pais -, mas decidiu recorrer. “Eu sou mãe, não sou pai. Se fosse só um bebê, seria mais fácil. Mas são três, e preciso ajudar. Sorte a deles, que têm duas mães”, afirma.

Ao conceder a liminar, a juíza do trabalho Ana Beatriz Ornelas definiu que “a família é a base da sociedade e deve-se estar atento para as suas evoluções, entre elas a possibilidade de haver a figura de duas mães dentro do núcleo familiar existente”. Ornelas justifica que “a reclamante e a companheira têm a união formalmente registrada e constituíram entidade familiar, gerando três bebês, registrados em nome do casal”. Por isso, segundo a magistrada, “não se pode crer, então, que a filiação materna seja única e precise advir exclusivamente do parto. Se existem novos modelos familiares, esses devem ser dignos de proteção do Estado, garantindo-lhes os direitos comuns a todos.”

O deferimento do pedido de tutela antecipada foi concedido a Fabiane e à companheira, Ana Dantas, 44, com data a contar do nascimento dos trigêmeos – registrados com os sobrenomes das duas mulheres. Elas estão juntas há sete anos e se casaram no ano passado. “Nós teremos que trabalhar com muita sabedoria na criação deles. Eles saberão de tudo. Nossa responsabilidade é conseguir fazer deles pessoas boas, educadas, independentemente da situação. Claro que ficamos preocupadas sobre quando eles estiverem na escola, com os amigos. Mas também estamos preparadas e temos outras amigas na mesma situação”, conta Fabiane.

Igualdade

A decisão da juíza Ana Beatriz Ornelas agradou ao ministro aposentado do Supremo tribunal Federal (STF) Ayres Britto. Para ele, a liminar comprova a igualdade entre todas as pessoas. “O Supremo decidiu que pessoas do mesmo sexo podem formar núcleo doméstico, num nível de identidade afetiva e estabilidade. Esses direitos servem para todos os fins e efeitos. É tratar os pares em igualdade de condição”, afirma Ayres Britto. “Todos ganham com isso. Há uma consciência cada vez mais clara de que todos têm o direito à busca da felicidade, a partir da sua opção sexual. É a manifestação de liberdade, de autonomia, de vontade para buscar o projeto de felicidade. É a implantação de uma nova ideia, uma cultura mais humanista”, complementa o ministro aposentado.

A advogada especialista em direito da família Vânia Saraiva ressalta que a relação entre parentes hoje é muito diferente de alguns anos atrás e aJustiça tem trabalhado para o bem da criança. “Se existe um conhecimento da união estável, é uma tendência natural da Justiça dar decisões favoráveis aos casais homossexuais”, diz. Mas, para a associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a liminar não é comum. “Nesse caso, a (mulher) que gerou os bebês já teve o benefício. Então, a outra teria o benefício que é dado a um pai. Eu acredito que conceder licença a duas mães ainda não é uma tendência nos tribunais, ainda que o juiz tenha entendido que as duas merecem”, ressalta Vânia.

O advogado de Fabiane, Tulius Marcus Fiuza, avisa que o julgamento do mérito da ação está marcado para o próximo mês, na 13ª Vara do Trabalho de Brasília. Na visão dele, a conquista já ocorreu pela liminar. “Nós só esperamos a sentença para fechar tudo isso. Entramos na Justiça porque não estamos falando de pai e mãe. São duas mães, logo, dupla maternidade. Uma vez mãe, é preciso contar com tais direitos. E não é só pela amamentação, mas pelas necessidades dos bebês”, afirma. Funcionária da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi) – reclamado na ação -, Fabiane recebe a licença-maternidade pelo INSS. A Cassi informou que “está cumprindo a decisão judicial e em nenhum momento negou o benefício

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